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BRASIL

Cinco teses sobre o golpismo

Bolsonaro não tem condições de aplicar um golpe clássico, mas aposta na desordem para melar as eleições

Guilherme Boulos*
Bolsonaro e apoiadores
Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Tese 1 

Bolsonaro está desesperado. Para ele, o que está em jogo não é simplesmente perder a eleição e retirar-se como ex-presidente. Sabe perfeitamente que pode ser preso – ele, os filhos e os milicianos de seu entorno – quando deixar a Presidência. Perderá a prerrogativa de intervir em investigações pela indicação de chefes regionais da Polícia Federal, pela influência na Procuradoria-Geral da República e pelos fatídicos decretos de sigilo por cem anos. Suas condições para costurar um “grande acordo nacional” de imunidade são mínimas, dado seu desgaste permanente com o Supremo. Por isso, joga todas as fichas numa batalha de vida ou morte. Como última tentativa de ganhar novoto, o que é cada dia mais improvável, aprovou a PEC dos Auxílios. Na outra trincheira, opera desde o início do mandato no sentido golpista: inflama a retórica, trocou comandantes das Forças Armadas, reuniu embaixadores estrangeiros e seguirá nesta mesma toada. No que depender dele, irá até as últimas consequências. É inimaginável uma transição amistosa. Vai esticar a corda, movido pelo instinto de sobrevivência e pelo medo da cadeia.

Tese 2

O êxito de qualquer golpe depende do papel das Forças Armadas. O comando militar não é bolsonarista, embora nutra ressentimentos fortes com a esquerda. Eles têm seus próprios interesses e dificilmente entrariam numa aventura dirigida por Jair, Carluxo e companhia. Vale lembrar que Bolsonaro sempre foi do baixo clero do Exército, agitador de quartel, visto com desprezo pelos comandantes. Se é verdade que seu governo é funcional para os militares, é verdade também que não o enxergam como um deles. Nunca houve um golpe na América Latina sem o apoio dos Estados Unidos, que dificilmente teriam razões para apoiar Bolsonaro aqui, com Joe Biden no governo e o risco da volta de Donald Trump. O país em frangalhos e o provável isolamento internacional fazem o comando militar brasileiro pensar dez vezes antes de seguir um caminho como este. Botar tanque nas ruas é fácil, o problema é o dia seguinte e eles sabem disso. Aliás, os bastidores das crises do presidente com ministros do Supremo e do 7 de setembro do ano passado indicam que Bolsonaro tentou iniciativas de ruptura institucional mais de uma vez e não teve o respaldo militar que esperava. Por isso, é muito difícil crer num golpe militar tradicional no Brasil, que impeça Lula de assumir o governo. O que não quer dizer que outras manobras não sejam possíveis.

Tese 3

Onde mora o maior perigo? Na criação de um ambiente de caos e violência generalizada no País durante o processo eleitoral ou logo após as eleições. Visivelmente, esta é a aposta de Bolsonaro: estimular a violência política e um cenário de insegurança e conflito, que aflore o medo generalizado e leve a uma demanda de ordem. O assassinato de Foz do Iguaçu não foi um caso isolado. Bolsonaro seguirá a estimular seus seguidores a ações que, embora aparentemente solitárias, criam o contexto. E ele conta com milhares de bolsonaristas armados, frequentadores de clubes de tiro, que busca organizar como uma espécie de milícia privada. Seus decretos levaram a uma enxurrada de armas e munições vendidas, nas mãos dos CACs, espalhadas por todo o Brasil. O golpe na Bolívia, em novembro de 2019, foi operado justamente por milícias civis, que promoveram o caos, sequestraram ministros e tentaram matar Evo Morales, ante a complacência das forças militares do Estado. O Exército brasileiro dificilmente toleraria
sua perda do monopólio do uso da força, mas como reagiria numa situação de caos instalado? Difícil dizer.

Tese 4

O Dia D e a Hora H do bolsonarismo será o 7 de setembro. É quando ele colocará à prova sua força de mobilização, a menos de um mês das eleições de outubro. É de se esperar que, a partir dessa data, eles intensifiquem a escalada de violência política, buscando amedrontar a sociedade e tumultuar a reta final da campanha eleitoral. Daqui até o dia 7, sua estratégia deverá estar centrada em movimentos de preparação do ambiente político, a exemplo da reunião com os embaixadores. Intensificará as desconfianças sobre o sistema eleitoral para coesionar a narrativa da sua militância e seguirá estimulando ações “isoladas” de violência contra a esquerda e a campanha de Lula.

Tese 5

Os próximos meses serão dos mais desafiadores da história política brasileira e exigirão iniciativa dos setores democráticos e populares da nossa sociedade. Diante deste tabuleiro complexo e de suas ciladas, temos dois grandes desafios. O primeiro é não nos deixarmos levar pelo ambiente de medo fomentado pelo bolsonarismo. O desespero é o maior inimigo. Temos de seguir a linha que tem dado certo no diálogo com o povo: apontar o desastre na condução da pandemia, a tragédia do desemprego e da fome, a volta da inflação. Quando Bolsonaro falar de urnas, temos de responder com o preço do botijão de gás. Não podemos deixar que ele defina a agenda do debate público. O segundo é apostarmos na mobilização democrática. Quando a esquerda se esconde debaixo da cama, o fascismo toma as ruas. Quando apenas um time está em campo, o outro perde por WO. Temos de ir às ruas, numa grande mobilização, em resposta rápida ao 7 de setembro bolsonarista. É papel dos movimentos sociais brasileiros organizar a reação. Não no mesmo dia, para evitar um confronto físico que só interessa a eles, mas logo na sequência. As ruas, como em outros momentos decisivos de nossa história serão o palco da defesa da democracia e dos direitos. Preparemo-nos, então, para o nosso dia D.

* Texto original na Carta Capital