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Os socialistas e as últimas migalhas

As últimas migalhas, de Toulouse Lautrec

Felipe Demier

Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É autor, entre outros livros, de “O Longo Bonapartismo Brasileiro: um ensaio de interpretação histórica (1930-1964)” (Mauad, 2013) e “Depois do Golpe: a dialética da democracia blindada no Brasil” (Mauad, 2017).

Embora improvável, a possibilidade de varrer o neofascismo da Presidência ainda no primeiro turno do processo eleitoral é real, e se o voto em Lula, apesar de Alckmin (e apesar do próprio Lula também, com seu colaboracionismo atávico), é o único caminho para tal, ele deve ser trilhado. Essa lógica, correta, não pode, contudo, ser transposta automaticamente aos estados da federação, e fazê-lo é agir burocraticamente – tanto no plano da causas reais de tal transposição, quanto no plano da própria lógica.

No Rio, onde tudo indica que haverá dois turnos, o PSOL abdicou de candidatura própria, e se porta diante de Freixo como se ele ainda fosse do PSOL (o que mostra como, tacitamente, o PSOL reconhece a supremacia dos parlamentares e figuras públicas sobre os partidos, inclusive quando o partido é o próprio PSOL e quando aqueles e aquelas estão dentro dele; agem fora como já agiam dentro, e tudo segue como antes no Reino de Abrantes). Curvando-se a Freixo, e engolindo César Maia, o partido agora parece tomar como grande batalha política a defesa de Molon, do PSB, como candidato ao Senado, contra o nome de André Ceciliano, do PT, o que evidencia não só o grau de humilhação a que chegou a esquerda socialista nas terras fluminenses, como faz troça dos esquematismos sobre “frente única antifascista” e “partidos da classe trabalhadora” (afinal, seria Ceciliano, o amigo de Cláudio Castro (o amigo de Bolsonaro), e não Molon, aquele pertencente a um partido “da classe trabalhadora”.

Em São Paulo, onde também, ao que tudo indica, haverá dois turnos, a situação não parece ser muito melhor para os socialistas. Depois de ter sido o primeiro pré-candidato a ser lançar para o governo do estado, e com isso ter privado o PSOL de um porta voz no debate eleitoral nacional (sinalizando, de antemão, que o partido não lançaria nome algum à Presidência e nem teria muito como se posicionar sobre as alianças que se desenhavam para o pleito principal), Boulos, após conversas com Lula, declinou de sua investida e se lançou à Câmara dos Deputados (para qual felizmente se elegerá com enorme votação). Assim, o PSOL se inclinou a apoiar Haddad, e passou a sonhar com a ocupação da vaga de candidato a vice-governador, o que indicava a disponibilidade de governar junto com o radical Haddad no governo estadual, para, quem sabe, entre um aumento de passagens e outro, entre uma repressão e outra, ter a chance de defender que as ciclovias tenham mais “representatividade” e que sejam mais “empoderadas” (seja lá o que isso for). Ocorre, contudo, que, a julgar pelo noticiário da própria esquerda, há nomes bem reacionários dispostos a ocupar tal vaga de vice na chapa, o que sempre causa certa excitação nas direções petistas, e sobrou pro PSOL tentar a vaga ao senado na heteróclita coligação, (que inclui, inclusive, o Solidariedade, do deletério Paulinho da Força). Porém, Márcio França, o nome de Alckmin em São Paulo, depois de muita indecisão, se declarou interessado em tal vaga, e o que parece restar ao PSOL – enquanto “grande batalha política” da conjuntura, é apelar para que, não obstante todo o padrão compósito da chapa, ele fique nesta com a tal vaga de França, mas já sem acreditar muito que isso será possível. Quem sabe, talvez, uma suplência na própria vaga de senador, ou pelo menos umas fotos juntas com os candidatos para as câmaras estadual e federal – que é, desculpem-nos a franqueza – o que interessa verdadeiramente ao partido.

Marx, certa feita, disse ser “triste demais o partido que, por chegar cedo demais ao poder, se vê obrigado a implementar o programa do seu adversário”. Parafraseando aquele dialético de antanho, talvez possamos dizer ser triste demais o partido que, por cedo demais se curvar ao seu aliado implorando-lhe migalhas, acaba destroçado quando este, no poder, se converte em seu adversário.

 

*O artigo acima representa a opinião do autor e não necessariamente corresponde às opiniões do EOL. Somos um portal aberto às polêmicas e debates da esquerda socialista