Cinco notas sobre as pesquisas eleitorais


Publicado em: 4 de julho de 2022

Brasil

Valerio Arcary

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

Brasil

Valerio Arcary

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

Compartilhe:

Ouça agora a Notícia:

Onde há vontade, há possibilidade.
A honra é a poesia do dever.
Sabedoria popular portuguesa

1. Lula disputa a vitória eleitoral ainda no primeiro turno, e é possível, depende de nós. O compromisso de honra da esquerda socialista deve ser a luta incansável para derrotar Bolsonaro. A disputa por um programa de esquerda é necessária e justa, mesmo que se desenvolva em condições desfavoráveis, em função das escolhas do PT, a começar pela indicação de Alckmin. Mas o contexto da relação social de forças impõe que aqueles que defendem a estratégia da revolução brasileira estejam na primeira linha da campanha contra o neofascista. A informação fundamental da média das pesquisas disponíveis é que a polarização entre Lula e Bolsonaro, a menos de cem dias das eleições, parece irreversível em função de três fatores principais: 

(a) pela consolidação de preferências, ou seja, a proporção muito alta dos eleitores que afirmam não considerar a possibilidade de mudar de voto: Lula alcança 37% na pesquisa espontânea e salta para 47% na estimulada (quando são apresentados os nomes dos postulantes). Bolsonaro vai de 25% para 28%. Tão importante quanto 70% dos eleitores afirmam já estarem totalmente decididos sobre seu voto, segundo o Datafolha. O percentual é ainda maior entre os eleitores de Lula e Bolsonaro (80%);

 (b) a soma de 75% de intenções de voto em Lula (47%) e Bolsonaro (28%) parece um obstáculo intransponível, considerando, também, a estagnação em nível inferior a 10% de todas as outras candidaturas, em especial de Ciro Gomes e Simone Tebet, depois de vários meses de exposição;

 (c) embora as taxas de rejeição de Bolsonaro, de 55%, e de Lula 35% sejam elevadas, a taxa de adesão é, também, muito sólida e estável, e estimula um voto estratégico ou “útil” que antecipa a decisão do segundo para o primeiro turno.

2. Lula tem 56% contra 20% de Bolsonaro entre as famílias que ganham até dois salários mínimos que somam metade da população; perde ou empata nas demais faixas de renda. Apenas 21% das mulheres votam em Bolsonaro. O impacto da PEC “kamikaze” do Estado de Emergência de aumento do auxílio-brasil pode ter, talvez, como efeito a realização de um segundo turno, muito cedo para avaliar o impacto. Ainda assim o favoritismo de Lula deve permanecer intacto. Somente uma “bazuca” política, algo na esfera do impensável, poderia deslocar o desfecho plebiscitário em outubro. Mas, por outro lado, permanece a ameaça de que Bolsonaro prepara uma baderna, provocação ou “convulsão” golpista para o sete de setembro, uma mobilização de sua base social mais exasperada pela denuncia da lisura das urnas eletrônicas, o que impõe a urgência de uma resposta nas ruas contra o bolsonarismo. 

3. A segunda informação é que se mantém um grau elevado de indefinição de preferências para as eleições estaduais para governador e senador. Quando não se apresenta aos eleitores uma lista de quais serão as candidaturas, nos três estados do sudeste, dois terços dos eleitores respondem “não sei”. O que permite duas conclusões: (a) que a disputa pela transferência de votos das candidaturas presidenciais para as estaduais ainda está por acontecer, e terá muita importância; (b) que as duas principais candidaturas presidenciais terão um imenso papel na decisão das eleições estaduais. São Paulo tem Haddad na frente e, entre os candidatos de esquerda aos governos estaduais, é aquele que já conquistou um voo próprio, em função da candidatura presidencial de 2018. Lidera a disputa com 34% das intenções de voto. Tarcísio de Freitas e Rodrigo Garcia estão empatados com 13%., sugerindo que o PSDB ainda pode disputar um lugar no segundo turno contra o candidato bolsonarista. Cerca de 63% dos entrevistados disseram não votar numa candidatura apoiada por Bolsonaro. Haddad lidera bem na região metropolitana, mas Bolsonaro é muito forte no interior, e um segundo turno parece inevitável. O PSol aguarda há meses, com imensa paciência, o desenlace das negociações com França e o PSB, tendo sinalizado a disposição de apoiar Haddad, desde o primeiro turno. Esta localização decorre da análise de que, pela primeira vez, está colocada a possibilidade de derrotar o PSDB na eleição estadual, depois de trinta anos, o que seria histórico. Depois que Boulos chegou ao segundo turno nas eleições de 2020 para a Prefeitura da capital, o PSol ocupou um novo lugar na esquerda paulista, muito mais forte. O PSol é consciente das novas responsabilidades. Mas o PSB e França foram aliados dos governos tucanos, e só romperam depois que Doria assumiu o controle do PSDB. O PSol poderá apoiar Haddad para o governo, mas não França para o senado. O PSol não será um obstáculo na luta para derrotar Garcia e Tarcísio em São Paulo, mas nem mais, nem menos do que isso. Estará presente, lealmente, na campanha de Lula e Haddad, mas preservando a sua independência, e pode considerar a apresentação de uma candidatura própria ao Senado.

4. No Rio de Janeiro a eleição estadual será uma luta muito difícil. Com 22% das intenções de voto, Freixo está em empate técnico com o governador Cláudio Castro (PL), com 23%. Lula tem 41% da preferência do eleitorado, contra 34% de Bolsonaro, A distância entre os dois principais pré-candidatos à Presidência registrada no levantamento no Rio de Janeiro é menor do que a apresentada na pesquisa nacional divulgada na semana passada. Nela, Lula tinha 47% das intenções de voto contra 28%. Mas Lula tem rejeição maior do que os 35% detectados no cenário nacional, 42%. Bolsonaro apoiando Castro oferece um impulso importante. O PSol decidiu apoiar Marcelo Freixo desde o primeiro turno, em função da necessidade de derrotar o bolsonarismo no seu berço. Mas, considerando o giro político de Freixo será um engajamento honesto e crítico.  Não poderá ser uma aposta incondicional. O convite a Cesar Maia é uma manobra muito perigosa que semeia incontornáveis desconfianças. Trata-se de uma aventura política, porque as diferenças político-sociais são irreconciliáveis. A candidatura de André Ceciliano ao senado é, também, indigerível, e o PSol pode considerar uma candidatura própria ao Senado. 

5. Em Minas Gerais, o Psol terá candidaturas próprias para governador, Lorene Figueiredo e senado, Sara Azevedo. A decisão do PT de renunciar a uma candidatura própria e apoiar o prefeito de Belo Horizonte obriga o PSol a apresentar uma candidatura de esquerda. Apesar de ter sido progressiva na luta contra a pandemia, não é possível sequer argumentar, seriamente, que a prefeitura de Kalil foi um ponto de apoio para construir uma oposição ao bolsonarismo. Apesar da renúncia do PT, que já governou a capital e o estado, a eleição estadual permanece imprevisível, mesmo com Lula atingindo 48% das intenções de voto contra 28% de Bolsonaro. Não é fácil para o PT transferir para Kalil, com o engajamento de Lula, uma quantidade de votos suficiente para reverter o apoio que Zema mantém no interior. 


Contribua com a Esquerda Online

Faça a sua contribuição