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BRASIL

Privatizar refinaria para aumentar o preço dos combustíveis no Paraná?

Historicamente as refinarias do país foram construídas pela Petrobras para abastecer diferentes regiões

Eric Gil Dantas
Refinaria no Paraná
Repar/Petrobras

Nesta segunda-feira (27), no mesmo dia da aprovação do novo presidente da Petrobras, Caio Paes de Andrade, a empresa anunciou a retomada da tentativa de venda de três refinarias às quais as negociações para privatização haviam falhado em 2021: a Refinaria Abreu e Lima (Rnest, em Pernambuco), a Alberto Pasqualini (Refap, no Rio Grande do Sul) e a Presidente Getulio Vargas (Repar, aqui no Paraná).

O plano da direção da empresa é vender a metade do parque de refino do país, mais especificamente todas as refinarias da Petrobras que não estejam no eixo Rio-São Paulo. Uma primeira refinaria já foi entregue, a antiga RLAM, na Bahia. Hoje ela é operada pela empresa Acelen (de propriedade do fundo soberano dos Emirados Árabes, Mubadala), e mudou seu nome para Refinaria Mataripe. Por sua vez, a Reman (Manaus) e a Unidade de Industrialização do Xisto (SIX), localizada em São Mateus do Sul (PR), já estão em processo de privatização.

Neste texto pretendo analisar quais são os efeitos de privatizar a Repar no preço da gasolina e do diesel para o morador do estado do Paraná. Para isto, farei uma simulação de como uma refinaria privatizada no Paraná se comportaria se replicasse o mesmo comportamento da Acelen, na Bahia. Para isto utilizei dados de preço de gasolina comum e diesel A nas refinarias da RLAM, Mataripe e Petrobras entre agosto de 2019 e junho de 2022.

Por que privatizar refinarias aumenta preços?

Historicamente as refinarias do país foram construídas pela Petrobras para abastecer diferentes regiões. À exceção do estado de São Paulo, que possui três refinarias distintas da Petorbras, todas as outras refinarias são espalhadas por diferentes estados: RS, PR, RJ, MG, BA, PE, RN, CE e AM. Elas não competem entre si, pois cada uma dá conta da sua região. Enquanto a Reman (Manaus) abastece os estados do Pará, Amapá, Rondônia, Acre, Amazonas e Roraima, a Potiguar (Guamaré – RN) abastece o Rio Grande do Norte e o sul do Ceará. Isto ocorre mesmo em SP, já que cada refinaria está em uma região distinta: Região Metropolitana de Campinas, Região Metropolitana de São Paulo, São José dos Campos (Vale do Paraíba) e Cubatão (próximo a Santos). Ou seja, elas têm um formato complementar, e não de competição.

Sendo assim, ao entregar uma refinaria para a iniciativa privada, ela herda uma estrutura de mercado de monopólio regional. Esta foi a conclusão do estudo produzido por Antônio Thomé, Marcelo Seeling, Carlos Maligo, Allan Cormack e Millena Mansur, do Departamento de Engenharia Industrial da PUC-Rio. Há “alta possibilidade de formação de monopólios privados regionais, sem garantia de aumento de competitividade que possa ser refletido em redução do custo aos consumidores finais”. Eles chegaram a esta conclusão analisando a produção e o escoamento de Gasolina A e Diesel A das refinarias do país, considerando os diferenciais de custo entre as possíveis alternativas de suprimento, isto é, a possibilidade da concorrência real – levando em conta tanto os custos de produção quanto à possibilidade e o custo de levar seus produtos para regiões geográficas onde estariam as outras refinarias (verificando se há formas de escoamento por dutos, ferrovias, portos e rodovias e quanto isto adiciona no preço do seu produto).

Isto se agrava por, atualmente, as refinarias do país sequer darem conta da sua demanda. Em 2021, o Brasil importou 8,52% da gasolina consumida, 23,24% do diesel e 29,52% do GLP. Se as refinarias não dão conta da sua própria demanda, por que elas competiriam por mercado em outra região?

Um segundo fator é a estrutura da própria empresa. A Petrobras é uma empresa que extrai o petróleo e o refina. A margem da estatal é gigante. No primeiro trimestre de 2022, a Petrobras gastou R$ 218 para extrair e refinar um barril de petróleo (custo de extração, participações governamentais, amortização e custo de refino), enquanto isto vendeu o barril de derivados por R$ 544, um lucro de R$ 326 por barril. Se a Petrobras fosse uma empresa que apenas refinasse e recebesse o barril ao preço internacional (US$ 101,40/R$ 522, em média no 1º trimestre de 2022), sua margem de refino seria de apenas R$ 22,23 por barril, muito menor do que é a de uma empresa integrada. Sendo assim, a Petrobras com extração e refino tem uma margem muito maior para absorver preços menores do que a Acelen/Mataripe, por exemplo, que é uma tomadora de preços para o petróleo e apenas refina.

E, por fim, o único objetivo de uma empresa privada é a maximização do seu lucro. Na Petrobras isto não é verdade, vide todo o debate público e o comportamento da empresa do ano passado para cá. Mesmo com a política privatista, em prol dos acionistas minoritários e de preservação do PPI, a Repar por exemplo vendeu gasolina na semana passada 45 centavos abaixo do PPI (segundo dados da ANP e da Petrobras referentes à porta da refinaria de Araucária). A Acelen não tem nada a ver com o povo baiano, ela só quer lucrar o máximo possível para remunerar o seu dono nos Emirados Árabes. Tanto que em vários momentos vendeu gasolina e diesel acima do próprio PPI.

O que aconteceu na Bahia?

A Bahia deve ser considerada o laboratório da privatização das refinarias do país, pois o que aconteceu naquele estado seria uma antecipação do que deverá ocorrer nas outras regiões onde houver novas privatizações.

A Refinaria Mataripe está sob operação da Acelen desde dezembro do ano passado. Essa refinaria, quando era de propriedade da Petrobras, vendia gasolina em média 2 centavos mais barato do que as outras refinarias da estatal e o diesel em média 3 centavos mais barato (dados de 01/08/2019 até 29/09/2021). Após a privatização, a refinaria passou a ter preços bem mais elevados do que todas as outras. Hoje ela é a refinaria mais cara do país.

Para ilustrar isto, vejamos no gráfico como a refinaria privatizada se comportou se comparada à Petrobras no preço da gasolina. À exceção de 13 dias ao longo de 2022, Mataripe sempre teve preços mais elevados do que a Petrobrás. Em média, ao longo do ano a Acelen cobrou 7,8% a mais pela gasolina do que a Petrobras. Isto ocorre mais ou menos igual para o diesel. Em apenas 17 dias do ano a Acelen vendeu diesel abaixo do preço da Petrobrás. Na média, a Acelen vendeu diesel 7,3% mais caro do que a Petrobras.

Gráfico 1 – Preços da Gasolina A nas refinarias da Acelen e da Petrobrás (em R$) – de 1/01/2022 a 28/06/2022

Gráfico 1 – Preços da Gasolina A nas refinarias da Acelen e da Petrobrás (em R$) – de 1/01/2022 a 28/06/2022Plural
Elaboração: a partir de dados de preços de refinarias da Acelen e da Petrobras

Em síntese, a refinaria da Bahia que vendia gasolina e diesel abaixo da média das outras refinarias da Petrobras, hoje é a refinaria mais cara do país – fruto da privatização.

O que pode acontecer no Paraná?

Inaugurada em 1977, a Repar, localizada em Araucária, é a sexta refinaria com maior capacidade de processamento do país e a quarta que mais produz derivados de 2020 para cá. A unidade oferta diesel, gasolina, gás de cozinha (GLP), coque, asfalto, óleos combustíveis, QAV, propeno e óleos marítimos, destinando 85% de sua produção para os estados do Paraná, Santa Catarina, sul de São Paulo e do Mato Grosso do Sul. É responsável por uma boa parte da arrecadação de Araucária e é uma das principais contribuintes de tributos do Paraná.

E se ela for privatizada, o que acontecerá?

A simulação a seguir tem como base o pressuposto de que a Repar privatizada se comportaria tal como a Acelen/Mataripe. Sendo assim, produzimos um número-índice para a refinaria a partir de como os preços de diesel s-10 e de gasolina A se comportavam em função do preço da antiga RLAM (hoje Mataripe) até a sua privatização. Estes números vão de 1 de agosto de 2019 até 30 de setembro de 2021 (são os dados disponibilizados pela Petrobrás de preços de derivados por refinaria). Ou seja, o preço de gasolina e de diesel da Repar-Privatizada está em função do preço cobrado por Acelen/Mataripe em base a como o preço da Repar se comportava em relação ao preço da Rlam (pré-privatização).

Gráfico 2 – Simulação de preços médios de gasolina que seriam praticados pela Repar privatizada e o preço efetivamente praticado pela Repar sob propriedade da Petrobras (01/01/2022 a 28/06/2022)

Gráfico 2 – Simulação de preços médios de gasolina que seriam praticados pela Repar privatizada e o preço efetivamente praticado pela Repar sob propriedade da Petrobras (01/01/2022 a 28/06/2022)Plural
Elaboração: a partir de dados de preços de refinarias da Acelen e da Petrobras

Como podemos ver a gasolina teria sido vendida, em média ao longo do ano, a um valor 9,8% superior ao que efetivamente foi cobrado pela Repar sob propriedade da Petrobras. Para a mesma simulação no caso do diesel, o resultado seria um combustível 12,4% mais caro do que o que efetivamente foi cobrado.

Isto é, se a Repar fosse privada e se comportasse tal como a Acelen ao longo de 2022 teria cobrado uma gasolina 36 centavos mais caro e um diesel 54 centavos mais caro. É isso que nós queremos?

No momento em que a gasolina e o diesel S-10 chegaram aos preços mais elevados da história, faz sentido privatizarmos as refinarias da Petrobras para que os preços subam ainda mais?

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