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BRASIL

Ministério da Saúde extingue Coordenação de Saúde Mental

Governo coloca rede subordinada a Atenção Básica e mostra que não se importa com a saúde mental da população

Pedro Henrique Antunes da Costa*, de Juiz de Fora, MG
José Cruz/Agência Brasil

Na semana anterior, Ministro substituto da Saúde, Arnaldo Medeiros, em evento sobre a saúde mental, com o deputado federal Osmar Terra (RS).

Nesta segunda-feira, 20, o governo de Jair Bolsonaro decretou o fim da Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde. Por meio do Decreto nº 11.0981, que “aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança do Ministério da Saúde e remaneja e transforma cargos em comissão e funções de confiança”, a saúde mental deixou de existir na estrutura organizacional da pasta da Saúde. Na nova estrutura, conforme o Artigo 14, “a Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas e a rede de atenção psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas no âmbito do SUS” ficam subordinadas à Secretaria de Atenção Primária à Saúde.

Essa mudança é, primeiramente, um contrassenso, pois a Atenção Primária à Saúde, ou melhor dizendo, a Atenção Básica é um dos níveis de atenção da Rede de Atenção Psicossocial da Saúde. Não tem, portanto, condições ou capacidade de gerenciar aquilo ao qual ele integra, que vai além dela, abarcando outros órgãos específicos e áreas dentro do Ministério da Saúde, como, por exemplo, a Secretaria de Atenção Especializada à Saúde – considerando a própria reestruturação feita pelo recente Decreto – e outras igualmente desconsideradas.

A recente medida deve ser entendida na esteira de uma série de retrocessos no campo da saúde mental, intensificando o que vem sendo denominado de Contrarreforma Psiquiátrica

Por mais que uma das lutas históricas do Movimento Antimanicomial e um dos grandes obstáculos da Reforma Psiquiátrica brasileira seja a assistência em saúde mental na atenção básica, consolidando, de fato, um cuidado de caráter territorial e comunitário, isso não se concretizará superresponsabilizando a Atenção Básica, que, por sua vez, já é cronicamente negligenciada em termos orçamentários, de estrutura, condições de trabalho, etc. Além disso, desconsidera-se todas as necessidades e especificidades da assistência neste campo, que vão além da Atenção Básica, incorporando atenção especializada, hospitalar, de urgência e emergência, iniciativas de desinstitucionalização, dentre outras, que, por mais que devam trabalhar de maneira articulada, em rede, com a Atenção Básica, não se reduzem a ela.

A recente medida deve ser entendida na esteira de uma série de retrocessos no campo da saúde mental, intensificando o que vem sendo denominado de Contrarreforma Psiquiátrica, a saber, um amplo, rápido e intenso processo de desmonte das conquistas da Reforma Psiquiátrica brasileira – e, em extensão do Sistema Único de Saúde (SUS) – em direção à remanicomialização e à mercantilização da assistência a pessoas em sofrimento psíquico no país. No caso específico do Decreto nº 11.098, demonstra-se ainda mais o desprezo pela temática e, portanto, pela vida da população brasileira, em especial da classe trabalhadora num contexto de pandemia em que as condições de vida e, nisso, a saúde e a saúde mental vêm sendo cada vez mais deterioradas.

A decisão ocorre na semana seguinte a divulgação de um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), que registra aumento de 25% em casos de depressão e ansiedade no mundo, apenas no primeiro ano da pandemia. O mesmo estudo aponta que uma a cada oito pessoas sofrem algum tipo de problema de saúde mental, e constata a dificuldade de acesso ao tratamento entre as populações de países mais pobres, onde apenas 12% conseguem acompanhamento, contra 70% nos países mais ricos. O relatório também recomenda atenção especial para a saúde mental em função de casos de abuso sexual e de tragédias climáticas, como as que ocorreram em Petrópolis (RJ), em Minas Gerais e no Sul da Bahia e, recentemente, em Pernambuco.

Também acontece em plena realização das etapas municipais e regionais da Conferência de Saúde Mental, que resultarão na etapa Nacional no final do ano – realizada depois de 12 anos. Temos um evidente indicativo de desconsideração da participação social no campo e, por conseguinte, dos debates e proposições daqueles(as) que constroem a saúde mental no cotidiano, a saber, os usuários do SUS, trabalhadores(as) das mais diversas categorias profissionais, familiares, gestores e militantes.

Não satisfeito em implementar um conjunto de ações que resultam na piora nas saúdes mentais da população brasileira, o governo Bolsonaro também restringe, piora ou, mesmo, acaba com as possibilidades de cuidado a essa saúde mental cada vez mais precária.

Bolsonaro não liga para a sua saúde mental!

*Professor de Psicologia e militante da Resistência/PSOL.

 

NOTAS


1  https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/1550426713/decreto-11098-22

 

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