Nós, usuárias, usuáries e usuários dos Serviços de Saúde Mental do SUS, que saímos delegadas/es/os nas etapas municipais e macrorregionais, etapas preparatórias para a III Conferência Estadual de Saúde Mental de São Paulo e para a V Conferência Nacional de Saúde Mental, temos como objetivo, neste manifesto, denunciar as diversas formas como fomos excluídas/es/os dos processos de organização, debate e realização das conferências em diversos municípios do estado e nos posicionarmos frente aos desmontes da RAPS que estamos vivenciando nos últimos anos.
Em muitos dos municípios, certos governos locais e/ou o controle social não chamaram as conferências municipais e, quando o fizeram, muitas vezes não colocaram usuárias/es/os como membros das comissões organizadoras. Em outros municípios, as conferências municipais foram garantidas, justamente, pela força dos conselhos locais, que formaram comissões organizadoras éticas, apesar de certos governos municipais tentarem dificultar a realização das conferências em muitos aspectos, inclusive não dando recursos materiais para que elas se realizassem. Em muitos serviços de diferentes municípios e DRSs, as informações e documentos para a realização das conferências não chegaram para trabalhadoras/es e usuários/as/es.
Por vivermos em um momento nacional de grave crise política e sanitária, com desmontes, terceirização e precarização dos serviços, muitas trabalhadoras e trabalhadores, de diferentes municípios do estado de SP, são vitimas de assédio em seu trabalho, principalmente em serviços conveniados, terceirizados e OSSs. Esse fato impossibilitou a participação de muitas trabalhadoras e trabalhadores e também impossibilitou que eles dessem o devido suporte para usuárias/es/os participarem. Em contrapartida, foi o comprometimento ético de algumas trabalhadoras e trabalhadores, que mesmo sendo assediados e perseguidos em seus trabalhos, garantiu nossa participação em alguns serviços.
O fato de muitas conferências distritais, municipais e as macrorregionais terem acontecido de maneira remota determinou outra grave exclusão que nós usuárias/es/os sofremos, a exclusão digital. A maioria de nós não tem dispositivos eletrônicos como celulares, computadores, não tem acesso às tecnologias da informação e não tem letramento digital para participar de conferências remotas, sem suporte de profissionais e dos serviços.
Nem todos os serviços abriram pontos híbridos para a participação de usuárias/es/os e familiares. Isso já excluiu boa parcela de nós de participarmos das conferências. Em muitos municípios pudemos observar a participação e a eleição de usuárias/es/os no segmento de usuários que não comprovaram ser, de fato, usuários de Saúde Mental. Claro que todos nós brasileiros podemos ser usuários do SUS, mas há relatos de pessoas do segmento de trabalhadores se inscrevendo no segmento de usuárias/es/os.
Ao longo de várias macrorregionais muitos de nós que participamos o dia todo da etapa, votando, preenchendo os links, discutindo as diretrizes, por algum erro, não saímos nas listas de delegadas/es/os candidatas/es/os. O fato de a votação ter sido online dificultou a transparência do processo.
Usuáries de certos municípios também relatam negociação de vagas de delegação por fora das eleições democráticas nas etapas oficiais e etapas preparatórias, com o objetivo de suprimir as candidaturas de delegações de base, de usuáries e familiares dos serviços de saúde mental. A falta de informação de usuáries nos deixa vulneráveis e muitos de nós relataram ter sido vítimas de assédio, ameaças e até confrontos físicos durante eleições em algumas etapas presenciais em certos municípios. O mais grave é que há relatos de que em certos municípios tais golpes ocorreram com a conivência de membros do próprio conselho local.
Diante de tamanho descaso por parte de certos governos e municípios e de relatos de repressão direta e intimidações, acreditamos que há, de fato, forças políticas que boicotam ativamente a realização de uma conferência popular, democrática e antimanicomial.
Pudemos perceber a ética de muitas mediadoras e relatoras e o esforço para realizarem o trabalho durante as macrorregionais, entretanto, assistimos mediações frágeis, com conexões de internet instáveis, muitas vezes com som ruim e recebemos relatos de que as capacitações promovidas para apoio e relatoria foram bastante frágeis, em horário de trabalho, e nem sempre as gravações eram disponibilizadas em tempo hábil.
Também queremos denunciar o absurdo de uma Conferência Estadual tirar delegadas/es/os antes das discussões das propostas, já que é nas discussões que acontecem durante uma conferência e nas votações de diretrizes que podemos conhecer os posicionamentos de cada delegada/e/o. Denunciamos também que, embora pelo regimento da Conferência Estadual cada delegado possa se candidatar a delegado até dia 21/06/22, as diferentes macrorregionais estão estabelecendo prazos diferentes do estabelecido pelo regimento, antecipando estas candidaturas e não estão, de modo geral, disponibilizando as listas com a relação das pessoas que saíram delegadas nos diversos segmentos.
Estamos tendo falta de informação por parte de certas macrorregionais, ou informações pouco claras a respeito de quais formulários devemos preencher. Estão circulando links e formulários diferentes pelo Estado, o que tem dificultado nosso entendimento e nossas candidaturas. Há certas DRSs que não estão fazendo chegar os dois formulários que o Conselho Estadual nos informou que devemos receber: um formulário mais curto para candidatura para a V Conferência Nacional e outro mais detalhado onde delegadas/os/es podem informar se possuem algum tipo de deficiência, se precisam de algum tipo de apoio ou alguma dieta específica, para a candidatura da III Conferência Estadual.
Exigimos que sejam oferecidas todas as condições de acessibilidade para todes delegades com necessidades especiais e deficiência.
Exigimos que todas as etapas das conferências até agora realizadas (distritais, municipais e macrorregionais) comprovem com documentação quando foram realizadas estas etapas, onde, quais foram os regimentos, quem foram os membros das comissões organizadoras, quais foram os participantes, lista de presença e lista de delegades de todos os segmentos em todas as etapas.
Reivindicamos que as listas de delegades de todas etapas sejam publicadas em diário oficial, antes do dia 23/06/22. Exigimos que a lista de candidatos de todo estado saia no Diário Oficial antes do pleito do dia 23/06/22. Exigimos que o estado garanta pontos híbridos, com computadores e apoio para que todos usuários delegados possam participar. Exigimos que seja cumprida a paridade de 50% usuáries, 25% trabalhadores e 25% gestores. Também exigimos que seja garantido, conforme estabelecido pelo regimento da III Conferência Estadual de Saúde Mental de SP, que 50% dos delegados usuários sejam usuários de Saúde Mental.
Para além disso, assistimos aterrorizades o avanço das Comunidades Terapêuticas dentro e fora do SUS, sendo usadas para internação de usuárias/es/os, na maior parte das vezes de forma involuntária, tendo como alvo principal usuárias/es/as de álcool e outras drogas, população negra e população em condição de rua. Estas instituições retiram as pessoas de onde elas vivem de forma violenta e retiram seu direito fundamental de socialização, sem terem equipes de saúde especializada e são organizadas, de modo geral, por instituições religiosas que usam como método, supostamente, de tratamento, a abstinência, práticas ditas espirituais, torturas, castigos, laborterapia (trabalho em condições análogas à escravidão), cura gay e muitas outras violações de direitos humanos. Não queremos e não devemos ser retirados da sociedade nem queremos ficar trancadas/es/os. Exigimos, portanto, que seja bloqueado o financiamento de Comunidades Terapêuticas, espaços em que usuárias/es/os relatam sofrerem abusos e violências. Exigimos o cuidado em liberdade!
Denunciamos que muitos de nossos direitos como usuáries estão sendo violados, inclusive estamos tendo em muitos municípios dificuldade para o passe. Denunciamos que os serviços estão, de modo geral, com equipes reduzidas, com trabalhadoras e trabalhadores exaustos pela sobrecarga de trabalho e pelo assédio, que nossos tratamentos estão sendo muito mais focados na medicalização do que nos projetos terapêuticos singulares, que nem todos os serviços oferecem acessibilidade para pessoas com deficiência, que muitos dos banheiros dos serviços não têm trincas, que falta remédio, alimento, profissionais e equipamentos, que em muitos serviços pessoas trans sofrem transfobia, racismo, machismo, aporofobia e que estamos em muitos municípios desassistidos ou sendo enviados para CTs, por falta de CAPS.
Reivindicamos o financiamento adequado da RAPS que garanta o funcionamento de todos os seus dispositivos com equipes capacitadas e estrutura para que sejamos tratadas/es/os em liberdade, em nosso território, de forma humanizada, com os profissionais com os quais temos vínculos e conhecem nossos projetos terapêuticos singulares.
Reivindicamos mais espaços de geração de renda e inclusão pelo trabalho, nos moldes de economia solidária e cooperativismo, que nos proporcionem renda digna e que não nos tratem como pacientes, mas como cidadãs e cidadãos de direito que somos. Também reivindicamos que nossos familiares sejam acolhidos e cuidados.
Manifestamos aqui nosso repúdio ao descaso a certos governos locais e certos conselhos locais que não deram estrutura adequada para que as conferências acontecessem e não garantiram a participação de usuárias/es/os e familiares. Manifestamos nossa preocupação com o desmonte que vem acontecendo no SUS e a forma como estamos tendo nossos direitos violados. Lutamos pela defesa da Reforma Psiquiátrica Brasileira, pelo avanço da desinstitucionalização das pessoas manicomializadas, pelo cuidado humanizado e em liberdade e para isso queremos participar das Conferências institucionais, espaços que definem as políticas públicas de Saúde Mental para o país. Queremos decidir que políticas públicas queremos.
GRUPO INTERMUNICIPAL DE USUÁRIES DO ESTADO DE SÃO PAULO
20/06/22
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