A vitória de Gustavo Petro e Francia Marques na Colômbia é o grande acontecimento político da América Latina. Na capital, Bogotá, e em várias cidades do país, o povo saiu em festa pelas ruas na noite do domingo, 19, de forma espontânea, num grande carnaval popular, comemorando a primeira vitória de uma candidatura presidencial de esquerda no país.
É a grande notícia internacional desta semana, nos grandes meios de comunicação e das redes sociais. Um resultado espetacular dadas as expectativas geradas de mudanças sociais desde a greve geral de novembro de 2019 e as seguidas jornadas de lutas de 2020 e 2021, mas também pelo hercúleo esforço das classes, etnias e segmentos subalternizados, que neste processo eleitoral de 2022, que possui três turnos (prévias e parlamentares, 1o e 2o turno presidenciais) depositaram sua esperança nas urnas apoiando a coalizão Pacto Histórico.
Colômbia possui uma população de mais de 50 milhões de habitantes dos quais pouco mais de 39 milhões aptos a votar. O voto não é obrigatório, mas o comparecimento neste 19 de junho mobilizou amplos setores sociais que entenderam a chance histórica para eleger o primeiro governo de esquerda com uma vice afrodescendente. Compareceram às urnas 22.658.694 de eleitores, ou seja, 59,09%.
Petro e Francia alcançaram 50,44% (11.281.013 de votos) contra 47,31% (10.580.412 de votos) do direitista Rodolfo Hernandez. O Pacto Histórico venceu em 16 Departamentos (estados) mais o Distrito Capital, onde fica a capital Bogotá, que tem mais de 7 milhões de habitantes. Das 7 maiores cidades do país, com mais de 500 mil habitantes, a esquerda venceu em 4, com destaque para Cali com 63,76% e a capital Bogotá, maior colégio eleitoral do país, onde conquistou 58,59%, 2.253.997 de votos.
A Colômbia é um país com gigantescas fraturas herdadas do domínio neocolonial espoliador, da forte presença e intervenção imperialista dos EUA com a justificativa da guerra às drogas, do poder do narcotráfico e paramilitares, e da guerra civil de décadas que gerou mais de 215 mil vítimas civis e morte de quase 50 mil combatentes guerrilheiros. Além disso, há uma rotineira violência e assassinatos perpetrados por forças militares oficiais e milicianas que, sem maiores consequências, executam lideranças dos movimentos sociais, camponeses e indígenas. A Colômbia é um dos países onde mais se assassina lideranças sociais.
Ultrapassar tais barreiras não é fácil nem tarefa somente de uma eleição. O uribismo, corrente política liderada pelo ex-presidente Alvaro Uribe, é uma grande conexão de redes entrelaçadas entre o Estado de superfície democrática liberal, lideranças políticas em diversos partidos da direita, oligarquias regionais, paramilitarismo, grandes grupos econômicos e midiáticos, e autoridades judiciais e policiais comprometidas.
A votação no direitista Rodolfo Hernandez, que obvete mais de 10,5 milhões de votos é um sinal evidente de que o uribismo foi derrotado eleitoralmente, mas não está acabado e representa forças sociais vivas da sociedade. Por exemplo, a soma de todos os partidos de direita (Conservador, Liberal, Partido de la U, Cambio Radical y Centro Democrático) pode bloquear qualquer reforma no Congresso, se não houver pressão e mobilização popular.
A derrota eleitoral das forças de direita deve ser celebrada, mas deve ser encarada apenas como um primeiro de muitos capítulos. A sinalização dada por Gustavo Petro em seu discurso de vitória de que a solução é um grande pacto nacional com o uribismo não é um bom sinal, pois não há paralelo histórico de um país que tenha feito mudanças sociais e econômicas com a colaboração e o convencimento dos opressores, latifundiários, milicianos e narcotraficantes dos cartéis.
As experiências recentes de vitórias eleitorais das esquerdas no Peru e no Chile, as quais indicaram nesses últimos meses, uma rendição à institucionalidade do Estado liberal são sinais evidentes de que sem se recorrer às forças reais e capacidade de mobilização dos setores sociais subalternizados e oprimidos historicamente, forças geradas pelos processos de lutas populares que canalizaram suas expectativas para o voto podem se dissipar, se desmoralizar e até mesmo se voltar contra os próprios governo que elegeram.
Petro e Francia tomarão posse no próximo dia 7 de agosto. Haverá ainda muitas festas e celebrações. A memória dos milhares que tombaram neste longo caminho será justamente exaltada! A composição do ministério, suas origens sociais e relações de conivência e colaboração ou não com o grande capital, e com o establishment das elites colombianas e dos grupos imperialistas darão o sinal para qual norte o governo rumará. A Praça Simón Bolívar não espera decepções.
* Cientista Político e da Editoria Mundo do EOL.
VÍDEO | Discursos completos de Francia Marquez e Gustavo Petro, após a vitória
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