A invasão da Ucrânia por parte da Rússia é o principal acontecimento internacional, com grandes repercussões. Lançamos estes pontos como base do nosso posicionamento sobre a Guerra de forma a discutir com o conjunto da esquerda.
- O período que vivemos, desde o fim da URSS, é caracterizado por uma hegemonia imperialista dos Estados Unidos da América.
- Embora em declínio, crise e com grandes questionamentos e enfrentamentos, essa hegemonia não se reverteu.
- A principal estratégia do imperialismo dos EUA é preservar e ampliar essa hegemonia. Isso implica conter as expansões imperialistas concorrentes, principalmente a China, mas também a Rússia, além de avançar na subordinação de estados ainda hoje independentes e aprofundar as dependências já existentes.
- Os capitalismos Chinês e Russo necessitam de exportar capital e conquistar novos mercados para manter um bom funcionamento capitalista, com taxas de lucro e acumulo de capital crescentes. Este não é meramente um mecanismo económico. Para avançar neste processo, estes países precisam de, pela via diplomática, financeira, militar, etc., expandir a sua influência geopolítica, seja à escala global (China) ou regional (Rússia). Para tal, procuram aproveitar a crise de hegemonia do imperialismo norte-americano, tentando reorganizar parcialmente a hierarquia internacional de estados em benefício próprio.
- Assim, o atual período é caracterizado pelo choque entre potências capitalistas, que disputam entre si a divisão do mundo.
- É este o pano de fundo da guerra em curso: é caracterizada, em primeiro lugar, por uma agressão imperialista russa à independência da Ucrânia, no marco de um conflito interimperialista. Estes dois caracteres combinam-se e são a base fundamental da nossa análise da guerra e da atual situação internacional.
- Assim, a guerra na Ucrânia tem origem na tentativa da Rússia de relançar um projeto imperialista regional, revertendo a perda de status internacional que a restauração do capitalismo na ex-URSS e a crise subsequente acarretaram. É uma guerra de agressão imperialista que procura impor pela força, ao povo ucraniano e às restantes potências imperialistas, uma nova divisão (de uma parte) do mundo. Falhada a tentativa de Putin, ainda no início do século XX, de conseguir avançar no seu projeto imperialista em acordo com a tríade (EUA-UE-Japão), a Rússia optou pela via militar para se impor como polo imperialista a ser tido em conta na reorganização da divisão imperial do mundo. A expansão para leste da NATO demonstrou a impossibilidade dessa integração imperialista da Rússia se dar pela via económica e diplomática (apesar das boas relações com a Alemanha e a integração das duas economias). Uma vez que a integridade, soberania e segurança da Rússia (possuidora do maior arsenal nuclear do planeta) nunca esteve ameaçada, a presente guerra só pode ser vista como defensiva da parte da Rússia face ao avanço da NATO se considerarmos a defesa imperialista do espaço de influência que a Rússia reclama para si.
- A questão da autodeterminação dos povos russófonos e da eventual independência dos territórios de Donetsk e Luhansk (e a sua eventual adesão à federação russa) não justifica a agressão russa. Até ver, estas populações são das mais martirizadas pela invasão e é provável que o seu sentimento pró-russo tenha diminuído grandemente. Não obstante, somos a favor da autodeterminação destes povos, incluindo o reconhecimento ao seu direito de separação da Ucrânia e eventual adesão à federação russa (ou de um estatuto de autonomia dentro do estado ucraniano). Defendemos intransigentemente os seus direitos linguísticos, culturais, económicos e democráticos. Porém, nada disso será garantido por qualquer invasão ou outro tipo de pressão militar. Só a consulta democrática, sem tropas no terreno e com todas as garantias de expressão e de organização das populações o pode garantir. Nesse sentido, no atual momento, o direito à autodeterminação das populações destes territórios coincide com o do restante povo ucraniano, na medida em que implica a retirada total do exército russo destes territórios.
- Vimos a eleição de Biden como uma tentativa de os EUA unificarem os diferentes imperialismos seus aliados sobre o seu projeto estratégico. Este processo aprofundou-se qualitativamente com a guerra na Ucrânia. A ofensiva russa e a resposta unificada dos EUA, UE e Reino Unido levaram a um aquecimento qualitativo das disputas interimperialistas, colocando como perspetiva real o despoletar de uma guerra interimperialista e nuclear. No último período, os EUA assumiram a vontade de transformar a guerra num atoleiro em que a Rússia não saia só derrotada, mas qualitativamente enfraquecida. Ou seja, pretendem martirizar o povo ucraniano até à última gota de sangue para resolver uma disputa entre potências. As sucessivas vagas de sanções económicas alimentam a mesma perspetiva. Assim, o perigo de transformação desta guerra regional, marcada pela luta pela autodeterminação do povo ucraniano, num conflito qualitativamente diferente, centralmente interimperialista, é real. A luta contra essa escalada é parte central da política dos internacionalistas, em particular nos países do bloco UE/NATO. Por isso nos opomos às sanções; à expansão da NATO; ao envio de tropas portuguesas e da NATO para países como a Roménia, Lituânia, etc.
- Embora tenha havido uma unificação dos diferentes imperialismos contra a invasão russa, as contradições no seu meio não desapareceram. Os diferentes graus de relação com a Rússia, a competição entre si, entre muitos outros fatores, fazem com que esta unidade tenha limites e contradições.
- Somos pelo fim da NATO, é parte fundamental do nosso acúmulo político e programa. Na atual situação somos obrigados a centrar a nossa agitação na oposição à expansão da NATO.
- Somos contra as sanções à Rússia, na medida em que estas vão no sentido de beneficiar o capitalismo “ocidental” em detrimento do russo, pondo o proletariado de todos os países a pagar a fatura. São parte da escalada do conflito interimperialista e não um instrumento útil e legítimo contra a invasão russa.
- A base da nossa política para esta guerra é a defesa da autodeterminação do povo ucraniano (inclusive das populações de Donetsk e Luhansk), logo a exigência da retirada total das tropas russas. Porém, fazemo-lo do ponto de vista internacionalista e anti-imperialista, pelo que temos uma política contra a escalada interimperialista e contra a transformação da justa guerra defensiva do povo ucraniano numa ofensiva contra o território, a economia e o povo russo. Estando localizados no bloco NATO/UE, apontamos essa política contra o nosso governo e as instituições deste bloco imperialista.
- Desta forma, opomo-nos às várias soluções imperialistas que são apresentadas para esta guerra. Opomo-nos à agressão russa e somos pela retirada imediata de todas as suas tropas, apoiando o povo ucraniano no seu direito de lutar por isso. Opomo-nos à transformação dessa guerra defensiva numa guerra pelo sangramento da Rússia, em benefício de outras potências (pelo que nos opomos às sanções, etc.). Opomo-nos igualmente à “terceira via” imperialista, recentemente protagonizada por Kissinger, mas com eco em parte do centro-esquerda e até em círculos militares nacionais, de um pacto interimperialista que ceda à Rússia parte do território ucraniano em nome de uma “paz” entre os vários blocos imperialistas. Reconhecemos o direito da Ucrânia de, se as condições a isso a obrigarem, fazer concessões territoriais ou outras ao invasor, em nome da paz. Porém, essas concessões não podem ser impostas de fora ao povo ucraniano num acordo entre os “senhores” sobre uma nova divisão (de uma parte) do mundo. Qualquer “paz” resultante desse tipo de acordo imperialista seria, como sempre foi, semente de guerras futuras.
- A reorganização da extrema direita é um tema central no mundo e na guerra em questão. Ela está presente em ambos os “lados” envolvidos. É parte importante do contexto e desenvolvimento nacional russo e da sua situação política. Da mesma forma, é parte fundamental da análise e contradições do processo de resistência ucraniana, desde o seu governo até organizações fascistas e paramilitares que atuam no processo. Também por isso não se trata de uma guerra entre regimes, ditadura versus democracia. Não há uma democracia ucraniana contra uma ditadura russa, combatemos, portanto, a hipocrisia pseudodemocrática do discurso da NATO.
- Assim: 1) Opomo-nos à invasão russa sem que isso signifique qualquer apoio ao governo ucraniano que, em nome do seu prestígio e de forma populista e aventureira, está disponível para transformar o seu país num ariete do imperialismo; 3) Apontamos a nossa política aos governos do bloco UE/NATO, em primeiro lugar ao Governo português, para que tome todas as iniciativas que impeçam a transformação da guerra num confronto interimperialista; 4) Defendemos assim as seguintes bases para a paz: I) Retirada do exército russo do território ucraniano invadido desde fevereiro; II) Reconhecimento da autodeterminação (incluindo direito de separação) dos territórios de Luhansk e Donetsk, garantindo um processo democrático com todas as garantias às suas populações; III) A não expansão da NATO (com a não adesão da Ucrânia, Suécia, Finlândia, aumento da presença militar no Leste Europeu, etc.); IV) Garantia de um estatuto de neutralidade para a Ucrânia; V) Abertura de fronteiras para todos os refugiados, com direito de asilo e de retorno garantido por todos os governos; VI) Anulação da dívida externa ucraniana; VII) Fim das sanções económicas à Rússia e a oposição a qualquer imposição, cedência ou humilhação da Rússia como condição para a paz. Este poderia e deveria ser a base para uma verdadeira conferência de paz e para uma campanha internacionalista e anti-imperialista contra a guerra.
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