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BRASIL

Em notas, povos indígenas cobram justiça para Bruno Pereira e Dom Phillips, e fiscalização: “O que acontecerá conosco?”

Leia as notas de pesar da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Unijava), da qual Bruno Pereira era consultor, e da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab)

Nota da Univaja

A União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), movimento indígena representativo dos povos que habitam na Terra Indígena Vale do Javari – Marubo, Matis, Matsés, Kanamari, Korubo, Tsohom-dyapa e povos indígenas isolados – vem a público se manifestar sobre o assassinato do indigenista brasileiro Bruno Pereira e do jornalista britânico Dominic Phillips. Nos solidarizamos com as famílias de Bruno e Dom, nossos parceiros, expressando o nosso pesar e profunda tristeza diante dessa perda. Para nós, povos indígenas do Vale do Javari, é uma perda inestimável.

Hoje, 15/06/22, após 11 dias de buscas, obtivemos a notícia de que os corpos de Pereira e Phillips, nossos parceiros e defensores dos Direitos Humanos, foram encontrados pelos órgãos competentes envolvidos nas buscas. Diante desse fato, a Unijava vem à público destacar dois aspectos:

1. Agradecimento à EVU, ao 8º Batalhão da Polícia Militar em Tabatinga, e à imprensa nacional e internacional: Nós, Univaja, participamos ativamente das buscas desde o dia 05/06/22 através da Equipe de Vigilância da Univaja (EVU). Fomos os primeiros a percorrer o rio Itaquaí atrás de Pereira e Phillips ainda no domingo, primeiro dia do desaparecimento dos dois. Desde então, a única instância que esteve ao nosso lado como parceira nas buscas foram os policiais militares do 8º Batalhão em Tabatinga (AM). Fomos nós, indígenas, através da EVU, que encontramos a área que, posteriormente, passou a ser alvo das investigações por parte de outras instâncias, como a Polícia Federal, o Exército, a Marinha, o Corpo de Bombeiros etc. Foi a equipe de vigilância da Univaja que entrou na floresta em busca de Pereira e Phillips para dar uma satisfação aos seus familiares. Foi a equipe de vigilância da Univaja, a EVU, que indicou para as autoridades o perímetro a ser vasculhado em profundidade pelos órgãos estatais. Para isso, nós contamos com a colaboração e proteção constante dos policiais militares do 8º Batalhão em Tabatinga (AM): os únicos a nos tratarem como verdadeiros parceiros na busca, valorizando o nosso conhecimento e a nossa sabedoria enquanto povos indígenas, conhecedores do nosso território. Viemos à público prestar agradecimentos ao Coronel Cavalcante, aos policiais militares do 8º Batalhão em Tabatinga (AM) que nos acompanharam nas buscas, e também à imprensa nacional e internacional que foi nossa parceira, nos ajudando a levar para o mundo inteiro ouvir a nossa voz e conhecer o que está acontecendo em nossa região.

A Univaja compreende que o assassinato de Pereira e Phillips constitui um crime político

2- O caso não terminou: Sabemos também que, ao longo das buscas, as forças policiais efetuaram duas prisões: Amarildo da Costa Oliveira (vulgo Pelado) e Oseney da Costa Oliveira (vulgo Dos Santos). No entanto, a Univaja compreende que o assassinato de Pereira e Phillips constitui um crime político, pois ambos eram defensores dos Direitos Humanos e morreram desempenhando atividades em benefício de nós, povos indígenas do Vale do Javari, pelo nosso direito ao bem-viver, pelo nosso direito ao território e aos recursos naturais que são nosso alimento e garantia de vida, não apenas da nossa vida, mas também da vida dos nossos parentes isolados.

Desde 2021, a Univaja qualificou informações sobre as invasões na Terra Indígena Vale do Javari, através da Equipe de Vigilância da Univaja (EVU). Enviamos uma série de ofícios com informações qualificadas ao Ministério Público Federal, à Polícia Federal e à Fundação Nacional do Índio. Nesses ofícios, indicamos a composição de uma quadrilha de pescadores e caçadores profissionais, vinculados a narcotraficantes, que ingressam ilegalmente em nosso território para extrair nossos recursos e vendê-los nos municípios vizinhos. Fornecemos informações através de nossas denúncias às autoridades competentes. Mas as providências não foram tomadas com a devida rapidez. Por isso, hoje assistimos ao assassinato de nossos parceiros: Pereira e Phillips.

Diante disso, manifestamos nossa preocupação com a continuidade das investigações. Pelado e Dos Santos fazem parte de um grupo maior, nós sabemos.

Manifestamos nossa preocupação com nossas vidas, a vida das pessoas ameaçadas (pois não era somente o Bruno Pereira), componentes do movimento indígena, quando as Forças Armadas e a imprensa se deslocarem de Atalaia do Norte. O que acontecerá conosco? Continuaremos vivendo sob ameaças? Precisamos aprofundar e ampliar a investigação. Precisamos de fiscalização territorial efetiva no interior da Terra Indígena Vale do Javari. Precisamos que as Bases de Proteção Etnoambiental (BAPEs) da Funai sejam fortalecidas.


Nota de Pesar – Indigenista Bruno Araújo Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips

Com profunda indignação e tristeza, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) lamenta o atentado às vidas do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, pegos por criminosos no dia 5 de junho, na região do Vale do Javari no estado do Amazonas.

Manifestamos nosso total apoio às famílias de Bruno e Dom, e nossa imensa gratidão pelo trabalho que vinham realizando para defender os nossos direitos e territórios, bem como os dos povos indígenas isolados e de recente contato. Nós, da Coiab, sabemos o quanto eles dedicaram suas vidas para defender essa causa.

Destacamos todo apoio e respeito ao trabalho feito pela Univaja, que desde o início do desaparecimento estava na linha de frente das buscas na região. Em nota de 15/06/22, confirmaram esta tragédia e destacaram papel importante de Pereira e Phillips como defensores de Direitos Humanos.

Bruno Pereira, indigenista experiente e um grande aliado da luta pelos direitos dos povos indígenas, atuou durante mais de 10 anos na região do Vale do Javari. Em 2018, assumiu a Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC), chefiando importantes expedições de localização de vestígios desses povos e também ações de fiscalização e de denúncia de invasores nas terras indígenas da Amazônia, Bruno também colaborava com a organização indígena Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari) no planejamento de ações de proteção do território.

Dom Phillips, jornalista britânico que escreveu para diversos veículos internacionais, dentre eles o The Guardian, visitava a região para entrevistar indígenas como parte de sua pesquisa para a escrita de um livro.

Declaramos aqui nossa gratidão pelos esforços dos povos indígenas que vivem na Terra Indígena Vale do Javari, amigos de Bruno e que estiveram nas buscas. Foram cerca de cem voluntários, que se empenharam de coração, localizando os seus vestígios e encontrando as principais pistas. Todas as ações de buscas se desdobraram a partir do trabalho indígena, que foi fundamental para encontrar algumas respostas. Jamais esqueceremos o trabalho feito pelos nossos parentes Matis, Kanamari, Marubo, Kulina e Mayoruna, que não mediram esforços para desbravar as matas guiados pelos nossos ancestrais.

Total respeito e reconhecimento a todos que incansavelmente estavam a 11 dias nas buscas no mato e nos outros espaços de ação conjunta, às lideranças que tiveram o papel de pressionar os órgãos de segurança, as organizações indígenas, a comunicação, a atuação jurídica, e toda essa corrente incansável de esforços. Jamais esqueceremos o trabalho e a dedicação de cada indígena e dos nossos aliados não-indígenas em mais essa batalha.

Amazônia, Brasil, 16 de junho de 2022.

Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira