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BRASIL

Luta de classes e eleição

Fábio José de Queiroz, de Fortaleza, CE
Lula
Ricardo Stuckert/ Revista Fórum

O jornal Folha de S. Paulo (12/06/2022) ressalta o apoio a Lula nas “camadas populares”, destacando, por outro lado, que Bolsonaro “agrega fatias privilegiadas”, o que leva a matéria a falar de “dois brasis” que se opõem. O que diríamos a esse respeito, meu caro, a não ser: bem-vindo à luta de classes! 

Aqui, se pode cometer dois tipos de erros rigorosamente simétricos. O primeiro é achar que a luta de classes se reflete, tal como ela é, numa disputa eleitoral. O outro é achar que luta de classes e eleição não guardam entre si qualquer grau de conexidade. Compreendemos, então, que, de modo mediado, a luta entre as classes assume, durante os embates eleitorais, uma forma particular de expressão. 

Assim, as pesquisas de opinião têm refletido esse aspecto com notória evidência. Sabemos que a luta de classes aparece distorcida na eleição. Sabemos que as pesquisas de opinião não são – e nunca foram – o exemplo de uma matemática perfeita (tipo 2+2=4). Mas isso não é um fator impeditivo no sentido de constatar como a velha toupeira não deixa de marcar a sua ilustre presença no santuário da democracia burguesa. Portanto, luta de classes e processo eleitoral constituem uma variável relevante em qualquer ângulo de análise, desde que a abordagem seja séria e não despreze essa “coisinha” chamada realidade. 

Jair Bolsonaro mantém competitividade eleitoral porque tem apoio nas fatias privilegiadas da sociedade brasileira, e essa é bastante complexa, comportando uma base burguesa nitidamente consistente e setores médios suficientemente numerosos. Lula é apoiado pela imensa maioria da classe trabalhadora, notadamente pelos seus estratos mais empobrecidos. Quem tem “uma renda” de até dois salários-mínimos prefere o Lula. Quem dispõe de “uma renda” de mais de 10 salários-mínimos se acha um rei, afinal “em terra de cego quem tem um olho é rei”. E esse rei prefere a alternativa fascista a uma que tenha certo charme popular. 

Lula da Silva é a candidatura dos desvalidos em um país em que 33 milhões de pessoas passam fome, literalmente.

Lula da Silva é a candidatura dos desvalidos em um país em que 33 milhões de pessoas passam fome, literalmente. Bolsonaro é a candidatura de homens majoritariamente brancos, que podendo pagar 50 reais nas barbearias modernas, atendidos por profissionais vestidos a caráter, acham-se no dever de reproduzir uma situação na qual, supostamente, eles não figurariam no time dos explorados pelo capital. Nasce daí a “terrível” polarização, tão combatida pelos apóstolos da “terceira via”, que preservam o discurso do mercado no mesmo momento em que esse fabrica legiões de novos deserdados. São esses deserdados que buscam – entusiasmados – uma alternativa ao mercado, seja na versão “democrática”, seja na versão do barrete frígio. Eles não sabem que é contra o tal mercado que eles lutam. Como diria o outro: eles não sabem, mas fazem. 

Lula é absolutamente majoritário nos que mais sofrem os efeitos das contrarreformas tão defendidas pelos ideólogos burgueses: política de preços da Petrobrás, lei do teto dos gastos, reforma trabalhista, reforma da previdência etc. Daí a sua vantagem contundente nos setores mais sofridos da classe trabalhadora: as mulheres, os negros, os nordestinos, os segmentos mais espoliados da classe operária e do campesinato. São essas camadas populares, incluindo a ampla maioria dos servidores públicos, que podem conduzir à vitória eleitoral de Lula, apesar da fúria das fatias privilegiadas, que dormem e acordam todo santo dia, perguntando-se: “Onde foi que erramos? Moro, lava-jato, prisão do Lula, contrarreformas aprovadas, o país entregue à sanha do capital e, agora, o povo quer mudar o script da novela?” 

Pois é, um sujeito social chamado classe trabalhadora, precarizada nos locais de trabalho ou desvalida nas periferias e/ou em situação de rua, parece disposta a tocar o sol com as mãos, parece disposta a mudar o curso da situação política. Os próximos meses serão decisivos. Sabe-se que o fascismo pode ser derrotado nas urnas, mas, diferentemente de outras frações da burguesia, também precisa ser derrotado nas ruas. É uma tarefa de milhões e, hoje, esses milhões apoiam Lula. Seremos capazes de vencer? Essa é a tarefa que nos move. Eleger Lula é apenas o primeiro passo de uma jornada noite adentro.