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BRASIL

Não se trata de uma ‘aventura’: Desaparecimento de Dom Phillips e Bruno Pereira

Fernanda Bunny

Dois defensores das causas indígenas estão desaparecidos desde domingo, 5 de junho. O jornalista inglês Dom Phillips e o indigenista brasileiro Bruno Pereira percorriam de barco desde sexta-feira, 3 de junho, na conflituosa região do Vale do Javari no extremo oeste do Amazonas. O desaparecimento foi divulgado na segunda-feira, dia 6, pela Associação Indígena do Vale do Javari (UNIJAVA) e o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato.

Dom e Bruno se deslocavam de barco pelo rio Itaquaí, após visitarem à Terra Indígena do Vale do Javari. Após passarem pela comunidade São Rafael, seguiram para o município de Atalaia do Norte, que fica a duas horas de barco de São Rafael, porém, não chegaram ao destino.

Mais de seis mil indígenas dos povos Marubo, Kanamari, Kulina, Matsés, Matís, Kobubo e grupos de recente contato e em isolamento voluntário vivem na Terra Indígena Vale do Javari. A região sofre constantemente com a presença de garimpeiros e narcotraficantes, e Bruno já havia sofrido inúmeras ameaças por denunciar as ações desses grupos e de caçadores, pescadores e madeireiros ilegais na localidade. Atualmente existe o debate sobre a existência de um esquema de narco-garimpo, com a associação entre garimpeiros e traficantes na tentativa de domínio da região. Em 2019, Maxciel Pereira dos Santos, colaborador da Funai que denunciava os crimes ambientais na região, foi assassinado com dois tiros na nuca diante de sua família em uma rua movimentada da cidade de Tabatinga, na tríplice fronteira Brasil, Colômbia e Peru. A Polícia Federal do Amazonas abriu um inquérito para apurar o crime, mas até hoje a investigação não foi concluída.

Somente após pressão da Embaixada da Inglaterra e uma comoção internacional nas redes sociais, a Marinha do Brasil e a Polícia Federal iniciaram na tarde da segunda-feira, dia 6, as buscas ao jornalista e ao indigenista. A Marinha chegou a divulgar uma nota na qual declarou que o Comando Militar da Amazônia (CMA) só iniciaria as buscas “mediante acionamento por parte do Escalão Superior”.

Discursos e ações anti-indígenas

Bolsonaro chamou de “aventura” o trabalho que Dom Phillips e Bruno Pereira faziam na região. O presidente afirmou que os dois podem ter sido executados e que na região, que segundo ele é “selvagem”, “tudo pode acontecer”. A construção de uma política anti-indígena sistemática e intencional tem sido uma das marcas do governo Bolsonaro, como denunciou a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) no Tribunal Penal Internacional de Haia em 2021. Ações e discursos do governo Bolsonaro facilitam o crescimento de grupos ilegais na região amazônica através do sucateamento e abandono de recursos para vigilância e proteção ambiental. Líderes indígenas relatam que houve aumento de ameaças e invasões de seus territórios no governo de Jair Bolsonaro. Logo após sua eleição no final de 2018, Bolsonaro declarou que ‘No que depender de mim, não tem mais demarcação de terra indígena’.

Funcionário de carreira da Funai, Bruno Pereira está licenciado, sem receber remuneração, para dar apoio aos trabalhos da UNIJAVA. Dom Phillips trabalhava na produção de um livro e acompanhava Bruno com o intuito de conhecer o trabalho de monitoramento e proteção territorial desenvolvido pelos indígenas, realizado como forma de coibir a atuação de caçadores e invasores das terras indígenas da região. Jornalista no Brasil há 15 anos, Dom é colaborador do The Guardian e diversos outros veículos internacionais. Frequentemente produzia conteúdos sobre as questões amazônicas e vinha denunciando nos últimos três anos a destruição da política ambiental e indígena pelo governo Bolsonaro.

O caso do desaparecimento de Dom Phillips e Bruno Pereira reafirmam o desprezo do governo federal quanto ao grave crescimento de ações criminosas em terras indígenas, com recentes denúncias de violência, abusos sexuais e assassinatos de indígenas.