O que são debêntures? Elas são um tipo de título financeiro que funciona de modo parecido com um empréstimo bancário, com a diferença que, ao invés da empresa fazer uma dívida com um banco ou uma instituição financeira, a debênture é uma dívida tomada junto aos investidores da bolsa de valores. Ou seja, esse dinheiro será devolvido em uma data pré-estabelecida – e com juros – aos investidores que comprarem esse título, os quais veem aí uma oportunidade de fazer um bom investimento.
Segundo informação do próprio Metrô- SP, essa emissão de títulos foi um “sucesso”, já que se esperava angariar 400 milhões de reais e, ao invés disso, as ofertas pelos papéis da empresa chegaram a R$2,4 bilhões na Bolsa. Isso significa que cada título foi adquirido pelos investidores por um valor muito superior àquele que a empresa esperava que fosse pago.
Qual o impacto dessa transação para o caixa da empresa, para os trabalhadores/as do Metrô e para os passageiros/as?
Em primeiro lugar , precisamos ter claro que a política de gestão que comanda o Metrô é a privatização, controlada por gestores vindos do mercado, que não são metroviários (são Ad nutuns, termo jurídico que caracteriza as pessoas nomeadas para cumprirem os cargos de gestão da empresa, a serviço do projeto político que comanda o Metrô de São Paulo, evidentemente alinhados ao projeto politico do governo do estado).
O dinheiro que entrar na empresa será para enxugamento interno (através dos Planos de Demissão Voluntária – PDV – e/ou Planos de Demissão Incentivada – PDI) e para financiar o processo de privatização.
A propaganda é que a empresa quer capitalizar recursos para investimentos na expansão de sua atividade, seja na contratação de mais mão-de-obra, na aquisição de máquinas e equipamentos e no desenvolvimento de novas tecnologias. Mas, o que está ocorrendo é transferência de tecnologia e de capital do setor público para o setor privado.
O momento pré-eleitoral também nos dá uma boa pista do porquê este processo se deu a toque de caixa. Não é só no Metrô que aceleram o sucateamento e entrega do serviço público. Aproveitam os últimos dias das “porteiras abertas” e destruóem a Eletrobras, Petrobras, educação, etc.
A propaganda de que as debêntures irão permitir aumentar o capital do Metrô para resolver problema da população é uma falácia.
O problema estratégico é que, agora, a empresa “pública” terá que perseguir o lucro, e não a qualidade e barateamento do transporte, de modo que, parte desse lucro seja transferido aos portadores dos títulos das debêntures, como remuneração pelo investimento inicial, como vem ocorrendo na Petrobrás.
Como isso aconteceria no Metrô? Trata-se de um “sucesso”?
No curto prazo, (véspera da eleição) a empresa engordou o caixa, porém, a médio prazo, a empresa terá que devolver esses valores, com juros, para seus investidores.
Não é coincidência que o prejuízo operacional do Metrô SP tenha crescido sem parar, a partir do momento em que se iniciaram as concessões de linhas de metrô para entes privados, pois o montante dos recursos tarifários acaba sendo “dividido” com um número cada vez maior de operadores privados. E ainda, pelos contratos de PPPs, que cria a câmara de compensação das tarifas, a prioridade é a remuneração das empresas privadas, inclusive com repasse superior, como ficou claro com a notícia recente da remuneração da Linha 4 Amarela – privada – a 6 reais por passagem.
As debêntures vão aumentar a pressão política para que a empresa se molde ao modelo de gestão privado, defendido tanto pelos políticos que encabeçam o executivo e o legislativo, como pelos consórcios privados, que coincidentemente são também alguns dos principais financiadores das campanhas eleitorais. Ou seja, uma bola de neve que pressiona os próprios gestores do Metrô a realizarem essa adequação (na verdade, uma precarização) das atividades e da estrutura organizacional seguindo o modelo dos operadores privados: menos empregados, com menos experiência, com mais atribuições e responsabilidades, com menores salários, menos benefícios, etc. Um “modelo de negócio” que visa enxugar custos e direitos como forma de aumentar o lucro dos acionistas.
Como garantia de que o Metrô- SP vai cumprir sua dívida, toda a venda de bilhetes QRCode do Metrô já é direcionada para uma conta em nome dos investidores, os quais começarão a receber sua parte em até 18 meses. É como se a empresa passasse a fazer seu próprio “superávit primário”: as receitas tarifárias ficam congeladas em uma conta a disposição dos donos das debêntures e o que sobrar será utilizado para investimentos e despesas do dia-a-dia da empresa, pelo menos durante os cinco anos de prazo de pagamento dos debêntures.
Essa conta não fecha e, se ela for paga, será novamente com a transferência direta de recursos públicos do Estado que, como sabemos, também pretende ampliar as linhas operadas por consórcios privados, diminuindo ainda mais a fonte de recursos.
E, atentemo-nos para o fato de que a emissão dessas debêntures é apenas um primeiro passo da empresa na direção do mercado de capitais, pelo menos na visão do governo do Estado e dos últimos presidentes do Metrô. A ideia é, no futuro, abrir o capital da empresa na Bolsa de Valores. Atualmente, o Metrô é uma Companhia “fechada”, em que o Estado é o principal acionista e controlador da empresa. A emissão de ações permite, simultaneamente, uma capitalização da empresa (nos moldes da emissão de debêntures) e uma diluição do controle que o Estado (acionista majoritário) exerce sobre a mesma, ficando ela, cada vez mais, sujeita aos interesses pessoais de seus acionistas. O objetivo de todo acionista é o aumento do valor de suas ações no mercado de capitais e isso depende, especificamente, da realização de lucros operacionais da empresa em níveis satisfatórios para pagar dividendos financeiros para cada ação.
Um bom exemplo para entender como isso funciona é o caso da Petrobrás
Até alguns anos atrás, a Petrobrás tinha capacidade para ser autossuficiente na produção, refino e distribuição de combustíveis, havia grandes investimentos que resultaram na descoberta e na exploração do pré-sal e houve enorme desenvolvimento das cadeias produtivas, gerando riqueza e empregos. Com o golpe de 2016 e a mudança na direção da empresa, esse quadro mudou sensivelmente. Em primeiro lugar, o governo federal vendeu muitas de suas ações, que agora estão nas mãos de acionistas estrangeiros e fundos de previdência privados, os grandes beneficiados pelos lucros operacionais extraordinários que são colhidos nos últimos anos.
Ocorre que tais lucros têm duas fontes principais: uma política de preços abusiva e o desmonte da infraestrutura nacional do setor de gás e energia. Por um lado, a política de preços dos combustíveis deixou de considerar os custos reais de extração, refino e distribuição existentes no Brasil e passou a refletir os preços em dólar dos combustíveis nos mercados de futuros de commodities na Bolsa de Chicago, o que atende muito bem os interesses dos acionistas da Petrobrás, cujas ações são cotadas, também em dólar, na Bolsa de Nova York.
Como se isso não fosse suficiente, nos últimos anos uma enorme quantidade de ativos da Petrobrás foi vendida para satisfazer a ânsia por lucro rápido dos acionistas, incluindo redes de distribuição e transporte, refinarias, gasodutos e campos de extração de petróleo. Com isso, mesmo que num futuro próximo ocorra uma inversão na política energética do país e que ela volte a se fundamentar na soberania do país e num programa de desenvolvimento nacional, a capacidade dos próximos governos de influenciar os preços dos combustíveis estará extremamente debilitada, isso sem considerar a possibilidade de privatização total da empresa.
Transporte não é mercadoria
O exemplo da Petrobrás também ajuda a dar luz sobre os impactos do processo de privatização na conta da população. No transporte, o impacto disso é sobre o preço das passagens. Desde meados da década de 1990, as tarifas de ônibus, trem e metrô tem subido de forma exponencial, superando em muito a inflação de todo esse período.
Também no que diz respeito às condições de trabalho, tanto no Metrô, quanto na Petrobrás, é visível a redução de funcionários e o aumento da precarização das relações de trabalho, através sobretudo das terceirizações de diversas funções.
Por isso, o movimento feito pelo Metrô com a emissão e debêntures na Bolsa de Valores precisa ser questionado por todos aqueles que defendem um transporte público e que o entendem como direito fundamental da população e obrigação do Estado. Soma-se a isso também a necessidade de que o poder político do estado de São Paulo seja ocupado por um projeto que tenha essa mesma concepção, a de que o transporte é um direito e não uma mercadoria.
* Camila Lisboa e Sérgio Renato são dirigentes do Sindicato dos Metroviários – SP
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