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BRASIL

Ciclone Yakecan: Apenas uma amostra do que é a emergência climática

A semana foi de apreensão no sul do país com a chegada do ciclone Yakecan. Entre as preocupações estavam a brusca baixa da temperatura, os fortes ventos e a estrutura dos municípios para lidar com um evento desse tipo. O que esse caso nos ensina sobre a nova realidade que estamos enfrentando?

Matheus Hein*, de Porto Alegre, RS
Ciclone Yakecan
Inmet Twitter/Reprodução

O som do céu

Com a possibilidade de ventos variando entre 100km/h e 120km/h, o ciclone Yakecan — expressão que em tupi-guarani significa “o som do céu” — provocou dias de temor na população do sul do país. Segundo os meteorologistas, esse podia ser o ciclone com maior impacto dos últimos tempos, possivelmente o maior desde que há registros, alcançando a proporção semelhante de um furacão. Como resultado, escolas tiveram aulas suspensas na maioria das cidades do Rio Grande do Sul, repartições públicas e lojas fecharam as portas mais cedo e grandes espaços cobertos — como pavilhões e centros esportivos — foram utilizados como pontos de encontro emergenciais. 

Quase 1 milhão de gaúchos ficaram sem energia elétrica,

Os impactos, felizmente, foram menores do que os esperados. Em geral, os ventos ficaram próximos dos 100km/h, mas na maioria das regiões não chegou a ultrapassar a marca. Dado os prognósticos dos meteorologistas, os danos poderiam ter sido muito maiores. Ainda assim, o ciclone deixou seu rastro: Quase 1 milhão de gaúchos ficaram sem energia elétrica, dos quais uma grande parte segue na mesma condição. Destelhamentos ocorreram em diversas cidades, especialmente no litoral gaúcho, onde residências, hospitais e outros estabelecimentos públicos e privados tiveram danos. Árvores caíram pelas ruas de diversas cidades e um pescador morreu quando tentava voltar para Porto Alegre em seu barco. 

Agora, ao que tudo indica, o ciclone seguirá sua rota perdendo força e reduzindo seu potencial destrutivo. Entretanto, os impactos reduzidos do Yakecan não devem nos dar qualquer alívio. Não estamos lidando com casos isolados, mas com uma tendência crescente que decorre da crise climática na qual vivemos. Não apenas ciclones como o que passou pelo Rio Grande do Sul, mas todo tipo de eventos extremos serão mais frequentes e destrutivos.

Uma realidade em emergência 

O relatório do IPCC, que vem sendo divulgado em partes desde o ano passado, aponta sem qualquer dúvida a gravidade da realidade em que vivemos. Os dados reafirmam a constatação de que é imprescindível evitar que a temperatura média do planeta ultrapasse o aumento de 1,5º C. Não se trata de seguir vivendo a vida como antes, mas impedir os piores impactos. Mesmo se conseguirmos interromper o aumento constante e veloz da temperatura, ainda sofreremos os efeitos das mudanças climáticas em um grau muito maior do que agora. De todo modo, superando o teto que os cientistas apontam, os impactos serão devastadores.

Infelizmente, o curso do aumento da temperatura parece irrefreável. Já estamos próximos do limite de 1,5º C e em plena marcha para ultrapassá-lo. De tal maneira, devemos estar preparados para o difícil cenário a nossa frente: desertificação da Amazônia — e a tendência de se tornar uma savana —, secas ainda piores no nordeste brasileiro e o aumento exponencial da quantidade das chuvas e nível do mar, gerando inundações sem precedentes no sul do Brasil e o aumento de ciclones tropicais, ainda maiores do que o Yakecan. Os impactos mais graves das mudanças já poderão ser sentidos a partir de 2030 e de maneira muito mais intensificada a partir de 2040. 

De todo modo, constatamos que os efeitos não serão sentidos apenas no próximo decênio. A mudança climática não é uma coisa estática, como se ao virar da década um cenário tranquilo mudasse bruscamente para um cenário catastrófico. Trata-se de uma progressão, de uma realidade que continuamente se deteriora. A incidência de eventos extremos, assim como o grau de sua destrutividade, é claramente crescente nos últimos anos — estamos em plena curva ascendente. Por consequência, teremos a cada ano mais e mais eventos como esse.

Nesse ano de 2022 isso já está claro. Não bastasse estarmos imersos em uma pandemia que — mesmo amenizada — não parece ter fim, também vivemos entre eventos extremos que demonstram sua variedade e potência. No início do ano, observamos estarrecidos as fortes chuvas que varreram o sul da Bahia e Minas Gerais, além de um evento semelhante em Petrópolis. As imagens aterrorizantes e as centenas de mortos, além de um número gigantesco de desabrigados, é uma fotografia perfeita do que significa a crise climática. Ao mesmo tempo que as chuvas mostravam sua força, no Rio Grande do Sul uma forte seca devastou o Estado e causou danos profundos, em alguns casos terminantes, no único meio de subsistência para centenas de pequenos agricultores. O Yakecan vem como mais uma amostra dos alcances extremos da crise climática, já que em São José dos Ausentes a sensação térmica atingiu -20º C. Isso tudo na primeira metade do ano. 

Estamos prontos para a crise climática?

Diante de um cenário tão preocupante como o nosso, é óbvio que o maior questionamento em nossa mente é a capacidade que temos para atravessar uma crise climática. Quando olhamos para cada um destes eventos extremos ficamos estarrecidos com o número de vítimas e impactados. O cenário de destruição coloca em questão a eficácia dos governantes nas suas ações preventivas e respostas para lidar com eventos que serão cada vez mais recorrentes. A realidade é que nossa sociedade não está pronta para um mundo em crise constante. Essa situação se dá por dois motivos.

Primeiro, os ricos não podem querer uma sociedade que responda adequadamente à crise climática. Por quê? Porque isso significaria transformar completamente a forma que a sociedade atual se organiza e, por consequência, mexer centralmente com a fonte de lucro dos grandes capitalistas. Afinal, são os negócios extremamente destrutivos do capitalismo — mineração, economia baseada em combustíveis fósseis, agronegócio, etc — que causam a devastação do planeta. De tal modo, a emergência climática não é uma “crise da humanidade”, mas uma “crise do capitalismo”. Como vivemos num mundo no qual são os capitalistas que dizem qual “a ordem do dia”, as transformações necessárias jamais serão colocadas na mesa enquanto a ordem social seguir sendo a mesma. 

Segundo, cidades organizadas pelo capitalismo não tem uma estrutura voltada para lidar com grandes catástrofes como aquelas provocadas por eventos extremos. Quando uma grande chuva, uma tempestade ou uma seca afligem uma região do país, os governantes nunca estão preparados para dar a resposta adequada. Isso porque as cidades se orientam para o concreto, para a especulação imobiliária, para a marginalização do povo pobre e trabalhador, para uma lógica voltada aos carros, etc. No meio rural os componentes são diferentes, mas a lógica é a mesma: são cidades voltadas para o agronegócio, para a monocultura, para o veneno. O ser humano e a natureza são as últimas parte levada em conta. 

Nesse contexto, sabemos exatamente quem são os culpados e as vítimas. Enquanto os capitalistas lucram, o povo sofre. É a classe trabalhadora, negra e periférica, indígenas e quilombolas, ribeirinhos e agricultores, todo o povo que vive e depende da água, do campo e da floresta. Enquanto o capitalismo definir a nossa vida, viveremos mais chuvas e secas devastadoras, mais desmoronamentos e inundações. Virão Yakecans muito maiores, mais fortes e mais destrutivos. E o pior, mais frequentes. Não estamos preparados para lidar com isso, mas sabemos o primeiro passo para virar a situação: é preciso enfrentar a fonte de toda essa destruição, é preciso enfrentar o capitalismo.

* Matheus Hein é Militante do Afronte e Resistência/PSOL