Por Lígia Maria*, de Brasília, DF, e Rachel Euflauzino**, do Rio de Janeiro, RJ.
O Sistema Único de Saúde (SUS), em toda a sua história, é fortemente marcado pelo subfinanciamento e os constantes ataques de políticas neoliberais que vão na contramão de seus princípios básicos: universalidade, integralidade e equidade no acesso aos serviços de saúde. Em 2021, foi apontado pelo portal Outra Saúde que o sistema público de saúde perdeu cerca de 7% dos recursos em quatro anos, um efeito da EC95/2016, que congelou investimentos em políticas públicas, impactando frontalmente a saúde.
Somando-se a isto, a precarização dos serviços vem como consequência da falta de recursos materiais e humanos, interrupção de programas e desmonte de políticas em um processo de sucateamento promovido por governos que negligenciam a saúde pública para responder aos seus projetos políticos, fragilizando a política de saúde sob uma perspectiva de Governo em vez de uma política de Estado. Isto é acrescido pela histórica propaganda midiática negativa em relação ao sistema público de saúde, que dissemina informações falsas sobre a rede de saúde, os serviços oferecidos e seu funcionamento. Assim, o acesso da maior parte da população é a notícias que desmoralizam a saúde pública, sem, necessariamente, demonstrar que os problemas evidenciados são efeito de uma prática contínua de sucateamento e desmonte. Essa narrativa constrói e reforça na compreensão popular uma crença que já deveria ter sido superada pelo aprimoramento e pelos avanços do SUS: a saúde pública serve apenas aos pobres, desfavorecidos e desprestigiados socialmente – o que afronta e contradiz diretamente o princípio de universalidade, ou seja, de um SUS idealizado e construído para todos, todas e todes, com igualdade de acesso e equidade de direitos.
A consequência dessa desinformação e de uma narrativa despolitizada e mentirosa é que os usuários procuram os serviços sem saber exatamente a qual dispositivo da rede de saúde devem recorrer. Muitas pessoas mantém o hábito de procurar as portas de emergência, sem conhecer o papel que a atenção básica à saúde possui no atendimento integral da população, com capacidade para resolver até 80% de suas demandas de saúde. Essa busca por assistência com o objetivo de resolver apenas demandas pontuais, “de emergência”, é resultado de uma perspectiva de saúde que não enfatiza a prevenção, gerando diversos agravos que poderiam ter sido evitados e cujos fatores de risco poderiam ser previamente acompanhados na atenção básica – o que facilita o acesso do usuário à rede de saúde, promove melhor qualidade de vida, qualifica a assistência, e ajusta o fluxo na rede de saúde, uma vez que a atenção básica é sua ordenadora, desafogando as portas de emergência e diminuindo as filas nos grandes hospitais. O fluxo correto do usuário pela rede de saúde diminui sua peregrinação em busca de atendimento e colabora para que a população esteja adequadamente orientada em relação aos espaços aos quais pode recorrer, entenda sua condição de saúde e não fique frustrado pela dificuldade no acesso a um direito.
É evidente que durante a pandemia do COVID-19 o SUS ganhou força nos últimos debates, sendo o grande responsável por salvar milhares de vidas apesar do negacionismo e genocídio do governo Bolsonaro.
Toda essa desarticulação da rede de saúde, que desemboca na desinformação do usuário sobre o fluxo ao qual deve seguir – reforçada pela propaganda negativa da mídia hegemônica acerca da saúde pública –, pode ser atribuída ao baixo investimento na atenção básica, principal responsável pelo acolhimento dos usuários e direcionamento para os demais serviços. Esse processo passou a ser intensificado no governo Bolsonaro, pela aprovação, em 2019, do programa Previne Brasil, que modifica o repasse de verbas para a atenção básica à saúde e, assim, não garante um repasse fixo como era anteriormente, condicionando o financiamento a critérios muitas vezes inatingíveis para a realidade de alguns municípios. Quando a rede básica, primeiro nível de atenção à saúde, não funciona adequadamente, com equipes incompletas e estrutura fragilizadas, todo o processo de cuidado, prevenção, promoção e reabilitação da saúde é fragilizado, afastando o usuário do serviço e o deixando vulnerável não só aos problemas de saúde, mas a todo tipo de discurso contrário ao SUS. O resultado disso é o aumento de doenças crônicas, redução na taxa de imunização da população, segmentação da assistência à saúde, reforço da perspectiva equivocada de que é um serviço para pobres, fortalecimento de fake news, aumento da vulnerabilidade de diversas famílias, entre outros prejuízos.
Nesse cenário, é urgente voltar o olhar para a desinformação constante dos usuários sobre o serviço de saúde e os fatores políticos, sociais e econômicos que o impactam e compreender esse processo, também, como uma questão de saúde pública. É evidente que durante a pandemia do COVID-19 o SUS ganhou força nos debates, sendo o grande responsável por salvar milhares de vidas, apesar do negacionismo e genocídio do governo Bolsonaro. Portanto, é de suma importância colocar em pauta a defesa do SUS sob a perspectiva de rede de saúde, garantindo o bom funcionamento da atenção básica como grande responsável pela garantia do acesso à saúde, fortalecimento de programas de educação popular em saúde com protagonismo do usuário e empoderamento deste sobre seus direitos e sobre a defesa da saúde universal e de qualidade. Da mesma forma, é necessário que, a partir dos serviços de saúde e de debates acerca do tema a estrutura da rede de saúde seja cada vez mais fortalecida e compreendida, assumindo-se o compromisso de elucidar aos usuários o papel de cada nível de atenção, suas potencialidades e as atuais razões de suas fragilidades.
Para isso, é imprescindível que as pautas de saúde pública adentrem todas as organizações da classe trabalhadora: os coletivos, movimentos estudantis e populares, partidos e sindicatos, em uma articulação com a população, formando uma base político-social fundamental para o fortalecimento do SUS, que garanta dignidade à população. Faz-se necessário, neste ano de eleições, que o SUS seja tema central nos debates enquanto política de Estado, garantidora de direitos, e, juntamente com os usuários, seja cobrada e reforçada a urgência da consolidação efetiva do NOSSO sistema de saúde público, como peça fundamental para a construção de uma sociedade mais democrática, equânime e solidária.
Referência
https://outraspalavras.net/outrasaude/subfinanciamento-do-sus-os-dados-chocantes-de-carlos-lula/
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