Por Lígia Maria, de Brasília, da Coletiva SUS DF.
O vereador carioca Gabriel Monteiro está em evidência como alvo de várias operações de busca e apreensão pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, e de denúncias de assédio moral e sexual, agressões e uso indevido de servidores e montagens e manipulações em seus vídeos. As denúncias de ex-funcionários foram seguidas do vazamento de um vídeo em que Gabriel aparece fazendo sexo com uma jovem de 15 anos e de um vídeo onde acaricia uma criança, motivando uma investigação do Ministério Público e a denúncia na Comissão de Ética da Câmara Municipal.
Cristão, filho de pastor evangélico, ex-policial militar e youtuber, Gabriel Monteiro já tinha conquistado audiência pelas filmagens postadas como policial e sua fama aumentou com vídeos sobre a política nacional, perseguindo universitários e “esquerdistas”. Membro do Movimento Brasil Livre (MBL), afirmou deixar o grupo em 2019, quando o movimento passou a fazer oposição a Jair Bolsonaro. De Niterói, o policial youtuber aproveitou a fama nas redes para engajar a campanha eleitoral e elegeu-se vereador na cidade vizinha, alcançando grande votação.
Depois disso, passou a usar o cargo como justificativa para “fiscalizações” em órgãos públicos, mesmo sem autorização oficial. Seus locais preferidos eram estabelecimentos de saúde, chegando a invadir a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Magalhães Bastos, na zona oeste do RJ, com seguranças armados. Uma cena famosa é a de Gabriel acordando um profissional de saúde em seu momento de repouso, referindo-se a este direito como um verdadeiro absurdo e como a causa para os problemas de acesso da população à saúde. A justificativa de Gabriel Monteiro, que pode ter seu mandato cassado, é de que autorização para essas ações seria dispensável, uma vez que estaria exercendo sua função de fiscalizar o poder público – o que, para o Ministério Público, é cabível de investigação sobre abuso de autoridade.
A narrativa de Gabriel Monteiro ganha de maneira relativamente fácil a atenção de uma população que padece da dificuldade de acesso à assistência à saúde. Enfrentando grandes e demoradas filas de espera, barreiras de acesso a medicamentos e exames, falhas no acompanhamento pela atenção básica à saúde, a população é facilmente atraída pelas imagens de um “herói” em defesa de seu direito, que enfrenta supostas irresponsabilidades e desmandos nas unidades de saúde. O que Gabriel Monteiro e muitos outros que se utilizam de discurso semelhante não mostram é seu papel na promoção desse cenário de caos na saúde, como se beneficiam dele e suas verdadeiras razões.
Gabriel Monteiro nunca mostrou em seus vídeos a realidade de profissionais de saúde que acumulam dois ou até três vínculos empregatícios para manter o sustento de suas famílias; o trabalho sobrecarregado das equipes nas unidades de emergência superlotadas; as equipes incompletas nas unidades básicas de saúde; a falta de segurança e ergonomia do trabalho; o sofrimento das equipes quando não podem concretizar suas atribuições e ofertar assistência à população pela falta de estrutura da rede.
Em nenhum vídeo do vereador carioca se vê a conscientização sobre os perigos de um trabalhador da saúde exercendo suas funções sob intensa estafa e a necessidade de ofertar aporte de profissionais para dividir as demandas do serviço em equipes completas. Gabriel nunca mostrou em seu canal agentes comunitários de saúde utilizando seu próprio veículo para realizar visitas domiciliares e garantir atendimento nos territórios ou servidores rateando entre si o custo de materiais para procedimentos.
Gabriel Monteiro nunca utilizou sua equipe e suas funções legislativas para fiscalizar o impacto da Emenda Constitucional 95 nos municípios, com prejuízos impostos pelo teto de gastos e pelo congelamento de investimentos em políticas públicas até 2036. Nunca se ouviu Gabriel Monteiro falar sobre como a EC da morte é incompatível com uma lógica territorial e universal de saúde, pois não acompanha a evolução das demandas de saúde da população, aprofunda o sucateamento e desfinanciamento histórico do SUS, e retira investimento da saúde pública e promove a escassez de recursos humanos e materiais – promovendo as grandes filas e as barreiras de acesso ao atendimento, aos procedimentos e aos medicamentos.
Vivemos uma pandemia e nunca se viu o vereador youtuber falar sobre a necessidade de valorização dos profissionais de saúde, lamentar as centenas de trabalhadores vitimados pela COVID19 e outros milhares adoecidos pela sobrecarga laboral e pela falta de condições de trabalho; pessoas que, hoje, acumulam morbidades relacionadas à saúde física e mental. Gabriel Monteiro nunca foi visto exercendo sua função de vereador e cobrando do estado a remuneração adequada dos profissionais de saúde, a promoção de contratação de mais equipes, a manutenção estrutural das unidades; ou denunciando as iniquidades no acesso da população de seu município às vacinas e testes em razão do negacionismo bolsonarista e da corrupção na compra de insumos de contingência à pandemia.
O vereador sempre foi visto protagonizando cenas de abuso de autoridade, despolitização e alimentando uma narrativa que, há anos, ocupa a mídia tradicional para fomentar a fragilização do SUS e a naturalização do sucateamento da saúde pública para justificar iniciativas privatistas, que vendem a saúde do povo para encher os bolsos de Monteiro, Bolsonaro e todos aqueles que pactuam de seu discurso contra a saúde da população. O que sempre se assistiu Gabriel Monteiro fazer foi desrespeitar profissionais que comprometem seu tempo e sua própria saúde para fazer valer a universalidade, a integralidade e a equidade, enquanto os custos e o financiamento que deveriam subsidiar seu trabalho servem para sustentar as negociatas daqueles que cerram fileiras com o vereador carioca e, como ele, não fazem um trabalho político real pelo fortalecimento da saúde pública.
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