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BRASIL

50 anos sem Bergson Gurjão, estudante da UFC assassinado pela ditadura

Por Bruno Rodrigues, de Fortaleza*
Foto: Aparecidos Políticos

Rosto de Bergson estampado nos corredores da Universidade Estadual do Ceará (2013).

Triste guerrilha, companheiro morto

Suor e sangue, brilho do corpo

Medo só

Mas se o corpo desse pó é pó

Um círio da luz dessa dor

Violento amor há de voar”

Araguaia, música do grande artista cearense, Ednardo

No ano de 1972, a ditadura empresarial-militar estava em sua fase mais dura. Eram os anos de governo Médici, as medidas perversas do AI-5 estavam em pleno vigor e, ao povo brasileiro, era permitido apenas que amasse aquele país sob a batuta de tanques e fuzis. Ou então que o deixasse. Era esse um dos principais slogans propagandeados pelos militares.

Foi nesse marco que se formou, no coração do Brasil, a Guerrilha do Araguaia, operação militar de oposição à ditadura, liderada pelo recém fundado PCdoB. Dela participaram inúmeros lutadores brasileiros que recorreram a essa forma de resistência depois que todas as outras foram arrancadas e proibidas: sindicatos, DCEs, UNE, imprensa livre, tribuna parlamentar, etc. Dentre os inúmeros mártires que ela deixou, está Bergson Gurjão, cearense, estudante da Universidade Federal do Ceará e militante comunista.

DCE-UFC, Congresso da UNE em Ibiúna e LSN

Bergson Gurjão seguiu uma trajetória não pouco comum para os jovens de sua geração que eram engajados no movimento estudantil, naquele período em que vivia o país. Nascido em Fortaleza no dia 17 de maio de 1947, com pouco mais de 20 anos ingressou no curso de Química da UFC e, rapidamente, tornou-se presidente do Diretório Acadêmico do seu curso, além de vice-presidente do Diretório Central Estudantil, na gestão eleita para o ano de 1968, cujo presidente foi José Genoíno.

Militares prenderam mais de 800 estudantes no 30° Congresso da UNE, em Ibiúna (SP). Entre eles, o cearense Bergson Gurjão.

Em outubro desse ano, Bergson viajou como delegado ao XXX Congresso da União Nacional dos Estudantes, ocorrido no município de Ibiúna (SP), representando os estudantes da UFC. Contudo, o congresso foi descoberto pela polícia, que deslocou para a região mais de 250 soldados da Força Pública e 80 agentes do DOPS. Muitos estudantes ali presentes foram fichados e enquadrados na LSN, entre eles, Bergson Gurjão. A “queda de Ibiúna”, como esse evento ficou conhecido, foi um marco para o movimento estudantil, que só conseguiu reorganizar plenamente a UNE muitos anos depois, em meados dos anos 80.

Posteriormente Bergson teve sua matrícula universitária cassada e, portanto, acabou excluído da UFC com base no Decreto-Lei 477. Em 1º de julho de 1969, Bergson também acabou sendo indiciado em um inquérito policial por conta de sua participação no congresso da UNE e foi condenado a dois anos de reclusão.

Diante da perseguição implacável que sofreu, Bergson acabou sendo deslocado para a militância clandestina na guerrilha rural que o PCdoB vinha organizando na região do Sul dos estados do Pará e Maranhão, e Norte de Tocantins, que ficou conhecida como Guerrilha do Araguaia.

Mártir no Araguaia

Longe da vida acadêmica no curso de Química, do movimento estudantil da UFC e da sua família no Ceará, Bergson passou a lutar nas condições mais difíceis da clandestinidade, o que lhe impôs ter que abandonar sua antiga identidade e adotar Jorge, como seu novo codinome. Como Bergson, toda uma geração de jovens militantes, forjados na luta de massas e no trabalho de base, foi forçada a abanar o movimento estudantil para travar um verdadeiro combate nas trevas, na famosa expressão cunhada pelo veterano comunista Jacob Gorender.

No Araguaia, Bergson lutou ao lado de José Genoíno, Osvaldão, João Amazonas, Elza Monnerat, Ângelo Arroyo, Maurício Grabois, Helenira Resende, Paulo Mendes Rodrigues e outros, chegando até a ser sub-comandante do destacamento C, da guerrilha, que atuava na região de Conceição do Araguaia.

A Guerrilha do Araguaia vinha se articulando há pelo menos desde 1967, mas foi localizada em abril de 1972, sendo desbaratada somente em 1974, por ação de várias campanhas militares desencadeadas pela ditadura.

Ao localizá-la, o exército lançou a Operação Papagaio, a primeira fase de uma ofensiva a longo prazo desencadeada para fustigar e eliminar a guerrilha, sendo justamente Bergson seu primeiro mártir, capturado no dia 8 de maio de 1972, há 50 anos:

Em 8 de maio de 1972, […], tombaria o primeiro guerrilheiro, Bérgson Gurjão Farias, codinome Jorge, segundo informa o Relatório Arroyo. Uma patrulha de pára-quedistas do Rio de Janeiro o abateu na mata. […]. Transportaram o corpo para a base de Xambioá, com o rosto todo deformado. José Genoíno, que os militares haviam levado de volta à região, assistiu à cena: o corpo de Bérgson dependurado numa árvore, de cabeça para baixo, para catarse dos militares, que lhe chutavam a cabeça inerte. (Studart, p. 118, 2006)

No entanto, a ossada de Bergson só foi localizada em 1996, numa escavação realizada na região. Mas somente pouco mais de uma década depois, em 2009, os legistas puderam confirmar que aquela ossada realmente pertencia a Bergson. Somente então, ou seja, quase 4 décadas depois de seu assassinato, é que Bergson pôde ter um sepultamente digno. Na época chegou-se a realizar um ato político nos jardins da Reitoria da UFC, com a presença de sua família, amigos e de centenas de militantes de vários partidos e movimentos sociais. Os restos mortais de Bergson repousam hoje no cemitério Parque da Paz, em Fortaleza.

Para que nunca mais aconteça: honrar a memória de Bergson e esmagar o neofascismo bolsonarista, filho da ditadura

O Afronte UFC rende todas as suas homenagens e Bergson Gurjão, esse lutador que se organizou no movimento estudantil para lutar em defesa da nossa universidade; que deu um passo à frente para combater a perversão ditatorial que assolava o Brasil; que deu os melhores anos de sua vida, os da juventude, para abraçar uma causa que era maior que a si mesmo.

Ainda mais importante saudar a memória de Bergson, nesses 50 anos de seu desaparecimento, neste momento de arbítrio intervencionista pelo qual passa a UFC e de perigo neofascista rondando na esquina do país.

Nós do Afronte também estamos cientes de que, neste ano de 2022, a derrota do neofascismo bolsonarista é a batalha das batalhas. O neofascismo se serve justamente da memória da ditadura e nela se inspira. Por isso deve ser combatido implacavelmente.

E que todo lutador saiba: não os combateremos sozinhos. Conosco estarão os que lutaram contra a ditadura e pagaram com a vida. Estarão milhares de milhares ao nosso lado. Bergson Gurjão vive e também estará conosco na primeira fila de combate ao neofascismo.

Viva Bergson Gurjão. Ditadura nunca mais! Bolsonaro nunca mais!

STUDART, Hugo. A Lei Da Selva: Estratégias, Imaginário e Discurso dos Militares Sobre a Guerrilha do Araguaia, Geração Editorial, 2006.

*Militante do Afronte UFC e da redação do portal Esquerda Online.

Instagram: https://www.instagram.com/brn_rdgs/

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Afronte UFC / ditadura