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BRASIL

Projetos de PSOL em debate

Camila Lisboa e Deborah Calvacante*
Foto: Reprodução

A Conferência eleitoral do PSOL, ocorrida no dia 30/04, tomou uma das decisões mais importantes da trajetória do partido. Frente a necessidade imperiosa de derrotar Bolsonaro e seu movimento neofascista, o PSOL vai apoiar a candidatura de Lula (PT) no 1° turno das eleições presidenciais de 2022, apesar da e com críticas à coligação com Alckmin.

A importância desta decisão reside no fato de que ela posiciona o PSOL com a seriedade e responsabilidade que a dramática realidade política e social brasileira exige. E diferente da visão de uma parte do partido, essa decisão tem capacidade alçar o PSOL ao projeto que ele tem vocação: a de ser um partido de massas, popular, classista, com o “pé no barro”, inserido na realidade concreta do povo pobre e trabalhador do nosso país.

Esta decisão é uma decisão tática, mas o curso deste debate no interior do PSOL refletiu projetos distintos sobre como desenvolver a massificação e implantação do nosso partido. O debate entre esses projetos não se encerra com a decisão de apoio à Lula. Novos capítulos da luta de classes brasileira vão acontecer e, possivelmente, as concepções distintas de como crescer e massificar o PSOL estarão colocadas a prova, frente a cada fato da realidade.

Outros temas de debate estratégicos importantes acompanharam o debate sobre a tática eleitoral, o que reforça a ideia de que a discussão sobre o projeto de massificação e implantação do PSOL vai seguir. A discussão sobre a Federação com a Rede, de Heloisa Helena e Marina Silva, é um tema que também revela concepções distintas sobre o melhor caminho para a massificação do PSOL.

Massificar o PSOL na luta contra a extrema direita…

A articulação política no interior do PSOL que deu a batalha pelo apoio à Lula desde o 1° turno, materializada na tese “PSOL de todas as lutas” ao 7° Congresso do partido, acumula uma visão política sobre o caráter e impacto dos acontecimentos políticos no Brasil desde 2016. Esta visão entende que houve um golpe reacionário contra o governo do PT. Um golpe “com o Supremo, com tudo”, parlamentar, jurídico, midiático, que tentou construir uma narrativa de era tudo sobre corrupção. E já aconteceram fatos suficientes para entendermos que não era isso. Era sobre teto de gastos e sobre reformas neoliberais mais agressivas ao povo trabalhador. Não era sobre os erros do PT. Era sobre ódio e preconceito a qualquer medida, mínima que fosse, que visasse pautar o abismo social histórico do Brasil. Desta visão, desdobrou-se toda a batalha política para que o PSOL estivesse nas ruas contra o golpe, que denunciasse o caráter da operação lava jato, que lutasse contra a prisão política de Lula. A despeito das diferenças políticas do PSOL com o PT.

Também desta visão política, foi possível estreitar as relações entre PSOL e MTST, um dos movimentos sociais mais organizados do Brasil e que mais tem representado a verdadeira cara da classe trabalhadora brasileira, feminina, negra, que vive nas periferias dos grandes centros urbanos. Essa relação culminou com a filiação de Guilherme Boulos ao PSOL, trazendo junto com ele diversos lutadores e dirigentes das ocupações urbanas e contribuindo para um PSOL popular, com o “pé no barro”.

Em 2018, foram os portadores desta visão política dos fenômenos ocorridos desde o golpe parlamentar que batalharam pela candidatura de Boulos à presidência. Isso não apenas pelas capacidades de Boulos, mas por ele expressar uma relação importante com a luta do povo pobre e trabalhador e, sobretudo, porque ele também era portador da ideia de que a principal tarefa do PSOL era enfrentar o avanço da extrema direita e nesta luta construir uma nova esquerda, mais comprometida com a luta contra os interesses da histórica e racista elite brasileira. E isso passava por não flertar com o antipetismo reacionário que tomou das eleições de 2018. Isso passou por Boulos fazer uma das falas mais importantes no debate da Rede Globo sobre a tragédia que foi a ditadura militar. E passava por se apresentar como um setor político de esquerda indignado com a prisão política de Lula, a serviço de tirá-lo da eleição em que Bolsonaro saiu vitorioso.

Os resultados eleitorais não são os medidores absolutos do acerto ou erro de um perfil e de um programa. Mas, se havia dúvidas em relação a isso, a eleição municipal de 2020, em São Paulo, a maior cidade do país, resolveu este debate. A candidatura de Boulos e Erundina à prefeitura, o que também foi resultado de uma dura batalha política interna ao PSOL, foi um dos maiores expoentes do crescimento político e eleitoral do PSOL e uma das maiores provas de que este caminho contribui muito mais para a renovação da esquerda, não apenas em termos de figuras públicas, mas também em termos de programa.

Com a localização desde 2015/16, o PSOL viveu seu auge político, o que se traduziu em dezenas de milhares de filiações, na ampliação significativa de mandatos eleitos e na referência conquistada pelo PSOL – e principalmente pela figura de Guilherme Boulos, embora não só – junto ao movimento social organizado e um amplo setor do ativismo (como se viu na pesquisa sobre simpatia partidária no #EleNão de 2018). Também coube ao PSOL – ao lado da Frente Povo Sem Medo e no interior da Frente Única que se gestou – cumprir um papel dirigente na convocatória das marchas e protestos dos últimos anos.

ou massificar o PSOL através do antipetismo reacionário?

A visão e o projeto político do bloco da oposição que encabeçou a contrariedade ao apoio à Lula foram resistentes a todos esses posicionamentos em uma visão global de combate a essas ideias. E, embora tenham defendido uma candidatura própria do PSOL em 2022, com a consciência de que seria uma candidatura muito minoritária, não se trata de um setor que busque a invisibilidade do PSOL. Ao contrário, é um setor aguerrido por um posicionamento eleitoral massivo, como se expressa na eleição de importantes deputados. 

Afirmamos isso porque a principal diferença entre esses projetos não é a batalha pela massificação do PSOL, mas sim a batalha sobre quais fenômenos políticos podem dar base para essa massificação e qual perfil a ser adotado pelo PSOL nesse processo.

A discussão sobre a Federação com a Rede é elucidativa. A localização dos grupos internos ao PSOL neste debate foi diferente da discussão sobre a tática eleitoral. A argumentação que unificou todos os defensores da Federação com a Rede diz respeito à necessidade de superação da injusta cláusula de barreira. Porém, os camaradas do Movimento de Esquerda Socialista adicionam a esta argumentação a possibilidade de construir com a Rede um perfil de oposição de esquerda ao futuro governo Lula. Apostam que com a Rede, o PSOL pode firmar melhor a sua independência política, porque consideram o PT um partido burguês e, contraditoriamente, a Rede Sustentabilidade não. Sua bússola no debate sobre a “independência do PSOL” tem menos a ver com critérios corretos de classe e mais a ver com política sobre o PT. Quanto mais longe do PT, mais o PSOL seria independente. Este perfil, então, tenta dialogar com o antipetismo, um fenômeno regressivo que existe há tempos na sociedade brasileira, mas que ganhou formas e contornos distintos na conjuntura pós golpe.

O antipetismo nasceu como um fenômeno de classe, e orientou todos aqueles que julgavam um absurdo um homem “analfabeto”, ou não letrado em termos formais se postular à presidência da república, já na década de 1980. Isso não se tratava apenas de uma avaliação da figura do Lula, mas sim de um estereótipo preconceituoso sobre todo povo pobre e trabalhador, realizador de trabalhos manuais, cujo engajamento não poderia ser solidário e partidário às causas coletivas, se não houvesse algum interesse “escuso” por trás.

Embora os 13 anos de governos do PT tenham sido majoritariamente tomados por uma verdadeira pacificação entre as ações dos governos petistas e os interesses históricos da elite brasileira, e isso tenha contribuído até para um arrefecimento do antipetismo preconceituoso de classe, a verdade é que a partir de 2014, esse “bicho antipetista” saiu da jaula com força. E somou-se aos elementos históricos desse fenômeno a ideia de que a esquerda é corrupta. O maior alvo foi o principal partido de esquerda do Brasil, mas o PSOL e demais partidos de esquerda, ainda que se esforçassem muito para se desassociarem do PT – inclusive com erros graves de setores que assumiram a bandeira reacionária do “Fora Dilma” –, não deixaram de ser alvos do ódio e oposição que o antipetismo desperta sobre todos os setores de esquerda, petistas ou não.

A batalha que faz o Movimento de Esquerda Socialista por um projeto político com a Rede transcende as demandas democráticas justificadas por outros setores do partido – com as quais também não concordamos, pois entendemos que o PSOL tem força nessas eleições para superar a cláusula de barreira sem o projeto da Federação. Este projeto político com a Rede visa ampliar o PSOL sobre setores sociais mais sensíveis ao problema da corrupção (que, no caso concreto hoje, encontram guarida na classe média) do que aos problemas reais do povo pobre e trabalhador. É evidente que a luta contra a corrupção é uma luta da esquerda e deve fazer parte de um programa anticapitalista. Mas, também é verdade que uma articulação política orientada apenas por isso deixa de lado temas fundamentais ao povo trabalhador. Seduzida e orientada pelo falso “combate à corrupção”, a Rede foi partidária do golpe parlamentar contra Dilma Roussef e tem figuras que apoiam políticos de direita e votam em projetos contrários à luta dos trabalhadores.

Por um PSOL popular, classista e “pé no barro”!

Neste sentido, a ideia de que a articulação política que defendeu o apoio à Lula no 1º turno corresponde a um setor “à direita” do partido é bastante contraditória, quando levamos em conta a política dos últimos anos. Assim como a ideia de que os defensores da candidatura própria buscam a construção de uma nova esquerda também, porque não se constrói nova esquerda com quem flerta com a direita. Construir e massificar as ideias socialistas do PSOL significa colocá-lo como um partido útil para derrotar a extrema direita e identificá-lo com as lutas centrais da classe trabalhadora, através de muito trabalho de base e da construção de lutas populares independentes. Isso vale para a campanha eleitoral que se aproxima, mas também deve valer para o futuro próximo. Esperemos que sem Bolsonaro no poder.

*Membras da Coordenação Nacional da Resistência/PSOL