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Colunas

Residente não é voluntário!

Profissionais de saúde residentes seguem com o pagamento de bolsas-salário atrasado pelo Ministério da Saúde

Marcelo Tobias- ASCOM SindEnfermeiro DF

Protesto em Brasília

Saúde Pública resiste

Uma coluna coletiva, produzida por profissionais da saúde, pesquisadores e estudantes de várias partes do País, voltada ao acompanhamento e debate sobre os ataques contra o SUS e a saúde pública, bem como às lutas de resistência pelo direito à saúde. Inaugurada em 07 de abril de 2022, Dia Mundial de Luta pela Saúde:

Ana Beatriz Valença – Enfermeira pela UFPE, doutoranda em Saúde Pública pela USP e militante do Afronte!;

Jorge Henrique – Enfermeiro pela UFPI atuante no DF, especialista em saúde coletiva e mestre em Políticas Públicas pela Fiocruz, integrante da Coletiva SUS DF e presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Distrito Federal;

Karine Afonseca – Enfermeira no DF e mestre em Saúde Coletiva pela UnB, integrante da Coletiva SUS DF e da Associação Brasileira de Enfermagem, seção DF;

Lígia Maria – Enfermeira pela ESCS DF e mestre em Saúde Coletiva pela UnB. Também compõe a equipe do Programa de Interrupção Gestacional Prevista em Lei do DF;

Marcos Filipe – Estudante de Medicina, membro da coordenação da Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (DENEM), militante do Afronte! e integrante da Coletiva SUS DF;

Rachel Euflauzino – Estudante de Terapia Ocupacional pela UFRJ e militante do Afronte!;

Paulo Ribeiro – Técnico em Saúde Pública – EPSJV/Fiocruz, mestre em Políticas Públicas e Formação Humana – PPFH/UERJ e doutorando em Serviço Social na UFRJ;

Pedro Costa – Psicólogo e professor de Psicologia na Universidade de Brasília;

Lígia Maria, de Brasília, da Coletiva SUS DF

Na última terça-feira, 19, cerca de 150 profissionais de saúde residentes (PSR) paralisaram suas atividades nos serviços de saúde e se reuniram em um ato em frente ao Ministério da Saúde, em Brasília, unindo-se a diversos movimentos de paralisação e greve ao redor do Brasil, cujo pleito principal é o pagamento das bolsas-salário pelo Ministério da Saúde. Dias depois da mobilização, muitos profissionais seguem sem pagamento.

As residências em saúde são programas de pós-graduação baseados no serviço, onde profissionais de saúde cumprem uma carga horária regulamentada de 60 horas semanais, divididas entre horas práticas – ou seja, prestação de serviço nas unidades de saúde – e horas teóricas, quando se dedicam ao estudo que lhes confere embasamento para prestar assistência à população e integraliza os critérios para que recebam o título de especialistas na área onde atuam.

O cumprimento dessa carga horária para todas as profissões da saúde inseridas nas residências multi e uniprofissionais – enfermagem, nutrição, psicologia, terapia ocupacional, serviço social, fisioterapia, saúde coletiva –, exceto as residências médicas, é de dedicação exclusiva; logo esses profissionais não podem ter outro vínculo empregatício, dependendo exclusivamente dos programas de residência para seu sustento. Além disso, muitos desses profissionais saem de seus estados de origem e se mudam para cidades desconhecidas em busca de conhecimento e de oportunidades para somar na construção da saúde pública brasileira, o que demanda subsídio para sua manutenção.

É nesse cenário que em todo o Brasil profissionais de saúde que enfrentaram a pandemia e hoje colaboram de forma indispensável na condução e contenção de seus desdobramentos estão com seus pagamentos atrasados, o que tem como consequência a imposição de vulnerabilidades relacionadas à moradia, alimentação e locomoção – fragilizando, inclusive, sua presença no serviço. Há profissionais com pagamentos atrasados desde março de 2021.

Desde 2020 os profissionais de saúde residentes estão em mobilização, com uma greve que durou cerca de um mês, pela mesma razão: pagamento. Além desta pauta, há uma luta histórica envolvendo redução de carga horária de trabalho, ajuste curricular para qualificação da formação, e outros direitos: auxílio moradia (apenas alguns estados fornecem o benefício, não sendo um padrão nacional); vale transporte; ajuste periódico do valor da bolsa-salário; direito à licença de saúde sem necessidade de pagamento de horas (profissionais de saúde residentes precisam pagar horas referentes aos atestados de saúde quando adoecem ou quando precisam acompanhar familiares em situações de saúde, mesmo contribuindo para o INSS), e participação no processo decisório das residências em saúde.

O atraso atual é atribuído a uma mudança no sistema de pagamento, a falta de pessoal técnico no setor responsável e fragilidade nos dados. São as mesmas justificativas há muito tempo, demonstrando que, ano após ano, não há dedicação por parte do Ministério da Saúde em resolver o problema. Essa negligência, hoje, parte de uma liderança na pasta que trabalha para aprofundar o desmonte do SUS com medidas como o fim da Rede Cegonha, o Cuida Mais Brasil e a fragilização dos cuidados sanitários pelo fim da Emergência Sanitária de Importância Nacional (ESPIN), bem como para piorar as condições da saúde pública já sucateada pela EC95, a mudança na carteira de serviços da atenção básica à saúde, o Previne Brasil, o Médicos pelo Brasil e outras medidas de austeridade e desfiguração de programas e políticas centrais para o SUS.

Os profissionais de saúde residentes, hoje, através de sua formação e da prestação de serviço, garantem a multiprofissionalidade na assistência e o acesso à saúde para populações vulneráveis em diversos territórios do País, enfrentando o vertiginoso e cada vez mais profundo processo de sucateamento e desmonte do SUS.

Os profissionais de saúde residentes, hoje, através de sua formação e da prestação de serviço, garantem a multiprofissionalidade na assistência e o acesso à saúde para populações vulneráveis em diversos territórios do País, enfrentando o vertiginoso e cada vez mais profundo processo de sucateamento e desmonte do SUS. A desvalorização desses profissionais de saúde, que são trabalhadoras e trabalhadores do SUS, reflete a identidade desse projeto de morte e de fim do SUS. Desde o sucateamento expresso nessas iniciativas, até outras medidas como o desmonte da Comissão Nacional de Residentes em Saúde – com enfraquecimento da representação desses profissionais e fragilização do debate e da construção coletiva acerca dos programas de residência – o Ministério da Saúde, sobretudo na atual gestão bolsonarista, diz a que veio: acabar com a educação e formação profissional voltada ao SUS, baseada na inserção territorial, na universalidade, na integralidade e na equidade.

Se este é o projeto de Queiroga e de Bolsonaro, os e as profissionais de saúde residentes também deixam evidente na construção de suas mobilizações que têm um projeto: a valorização dos profissionais de saúde residentes, o fortalecimento das residências em saúde em todo o Brasil, a defesa do SUS e a construção de uma saúde pública que garanta a todo o povo brasileiro o direito à vida. Profissionais de saúde residentes seguem em mobilização em todo o País, exigindo o pagamento célere das bolsas-salário atrasadas, o ajuste no sistema de pagamentos, a recomposição técnica do setor responsável e a fixação de um dia específico e padronizado para o pagamento dessas e desses trabalhadores. Para mais, as pautas históricas do movimento de residentes em saúde também seguirão como centro das nossas ações: em defesa do SUS, residentes em saúde em luta!