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Colunas

A cisão fake dos olavistas com o bolsonarismo

Reprodução

Gilberto Calil

Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor do curso de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), integrando o Grupo de Pesquisa História e Poder. Editor da Revista História & Luta de Classes. Presidente da ADUNIOESTE e integrante da direção do ANDES-SN. Tem pesquisas sobre fascismo, hegemonia, Estado e Poder, Gramsci e Mariátegui.

Ao longo dos dois primeiros anos do governo Bolsonaro, inúmeras vezes Olavo de Carvalho anunciou seu “rompimento”, acompanhado de duras críticas à “moderação” e à suposta traição do projeto “conservador”. Suas críticas eram dirigidas aos militares, aos políticos tradicionais e a supostos esquerdistas que permaneceriam “infiltrados” no governo que teria sido eleito para impor uma “revolução conservadora”. Como se sabe, estas rupturas nunca foram para valer, mas se constituíam como atos retóricos que visavam acelerar o processo de fascistização conduzido pelo agitador fascista que ocupa a presidência. Para Bolsonaro, receber estas críticas sempre foi funcional e cômodo, permitindo que deixasse de aparecer como extremista para se apresentar como alguém que se equilibra entre pressões divergentes, sempre indicando a existência de uma “base” que gostaria que tomasse medidas muito mais extremadas. 

Agora, três meses após a morte do guru, alguns de seus principais seguidores capitaneiam um ato mais ousado: o anúncio da ruptura pública com Bolsonaro, impulsionada pelo anúncio de que se fariam sérias denúncias. Com isto, conseguiram inclusive que muitos militantes da esquerda divulgassem amplamente a live na qual estas denúncias seriam divulgadas. Um equívoco que produziu uma grande decepção, pois ao longo de mais de duas horas os irmãos Abraham e Artur Weintraub e Ernesto Araújo basicamente disseram que Bolsonaro “traiu o conservadorismo”, sem explicitar nenhuma “denúncia” consistente para além do lamento por terem sido “abandonados”. O objetivo da live, afinal, não era atacar Bolsonaro, mas impulsionar o lançamento de uma nova organização fascista, o Brasil 35, partido controlado pelos olavistas a partir da tomada e reconfiguração do Partido da Mulher Brasileira.

Nas falas dos três acima citados e de alguns coadjuvantes é explícito o ressentimento e o sentimento de que foram abandonados, o que torna legítimo indagar se em alguma medida esta cisão não poderia criar problemas para o projeto bolsonarista. É uma questão relevante, mas acreditamos que a resposta seja amplamente negativa e, ao contrário, é possível argumentar que o movimento conduzido por eles favorece o bolsonarismo em diversos aspectos.

Em primeiro lugar, porque ao fazerem uma crítica “pela direita”, dizendo que Bolsonaro “traiu o conservadorismo”, ajudam a normalizar o agitador fascista, fazer com que pareça razoável, de forma análoga ao papel que Eric Zemmour cumpriu na eleição francesa. Ser criticado por uma posição ainda mais radicalmente fascista certamente ajuda a normalizar a posição fascista de Bolsonaro.

Além disso, todos deixaram claro que mesmo com as críticas, apoiarão e farão campanha para a eleição de Bolsonaro. Portanto, não é exagero dizer que a cisão é fake. É verdade que farão isto sem integrar a coligação capitaneada pelo Partido Liberal (conforme já anunciado também por Roberto Jefferson quanto ao PTB), mas isto está longe de ser um problema, pois de um lado lhes dá autonomia para radicalizarem ilimitadamente sem comprometer a campanha oficial do agitador fascista ou colocar em risco sua candidatura. Poderão usar o espaço eleitoral para atacar as instituições, colocar em dúvida o processo eleitoral ou as urnas eletrônicas e defender uma ruptura institucional, e para todos os efeitos estão rompidos com o agitador fascista que, portanto, não terá que responder pelos seus atos.

O lançamento de um partido fascista dá a eles um instrumento que foi desejado por Bolsonaro mas que não se concretizou, em grande medida pelos riscos que assumiria o agitador fascista ao liderar a construção de um partido fascista. Certamente o Brasil 35 aparece como uma organização muito menos expressiva do que seria a Aliança para o Brasil, mas isto não significa que não possa cumprir um papel relevante, a começar pela articulação e mobilização dos setores mais radicalizados do fascismo brasileiro. Este partido, ao mesmo tempo em que apoiará a candidatura presidencial de Bolsonaro, lançará candidatos aos governos estaduais e para o parlamento. No primeiro caso, cumprindo uma vez mais o papel de normalização das candidaturas fascistas, como destacadamente deve ocorrer em São Paulo, onde Abraham Weintraub se apresenta candidato atacando o candidato bolsonarista Tarcísio Freitas como “conciliador com o esquerdismo”.

O reagrupamento de grupos radicalmente fascistas que vinham se dispersando e se desmobilizando em virtude de sua decepção decorrente da aproximação de Bolsonaro com o Centrão é uma ação política da maior relevância, e se o Brasil 35 conseguir mantê-los como força mobilizada, terá uma força militante disposta a apoiar ativamente qualquer movimento de radicalização. Uma vez mais, não há nada neste movimento que confronte efetivamente o projeto bolsonarista, que nunca deixou de ser a imposição de uma ruptura institucional em moldes fascistizantes.

Por todas estas razões, é um enorme equívoco divulgarmos suas atividades, propagandear suas lives e dar palco a suas ações. Eles não estão dividindo o bolsonarismo, estão buscando fortalecer o processo de fascistização, e o melhor que pode acontecer é que fiquem relegados ao esquecimento.