Dia da Terra, dia de Lênin: Apontamentos para um ecossocialismo leninista

No dia 22 de abril de 1870 nascia Vladimir Ilyich Ulianov, o Lênin, uma das principais figuras do século passado e um dos maiores militantes e teóricos do marxismo revolucionário. No dia 22 de abril de 1970 era comemorado pela primeira vez o Dia da Terra, data destacada para conscientizar a sociedade sobre os impactos da ação humana na natureza. Essas duas datas, separadas por 100 anos, se encontram no século XXI carregadas de sentido e lições para os embates de vida ou morte do nosso tempo. 


Publicado em: 23 de abril de 2022

Marxismo

Matheus Hein, de Porto Alegre, RS

Esquerda Online

Esse post foi criado pelo Esquerda Online.

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Clima de revolução

“Todo poder aos sovietes”. A principal consigna da Revolução Russa também é a síntese das “Teses de Abril”, documento/intervenção no qual Lênin aponta a maturidade da revolução para ir além da sua forma democrática e avançar para sua realização socialista. A conclusão de Lênin, e seu papel central em construir o avanço do processo, não é resultado de mera genialidade ímpar, ou manifestação dos desejos do revolucionário, mas uma constatação fruto da análise das dinâmicas que constituíam aquele momento. Afinal, como bem formula Lênin, o marxismo é “a análise concreta da situação concreta”. Ao analisar a realidade concreta da Rússia e seu potente movimento que havia realizado o feito de derrubar o czarismo, Lênin identifica que esse impulso revolucionário possuía aspirações muito além da república burguesa. É assim que o revolucionário russo, diferentemente até mesmo de grande parte dos bolcheviques naquele momento, identifica mais do que mera possibilidade, mas concretamente a necessidade de avançar o processo revolucionário e destituir não apenas a nobreza, como também a burguesia. O resultado a história conhece bem: a primeira revolução vitoriosa da classe trabalhadora. 

Compreender esse papel de Lênin como destacado dirigente da Revolução Russa nos leva a entender uma das principais lições do revolucionário: faro aguçado para o clima da revolução. É preciso entender o que dialoga com a classe trabalhadora, como também o que a classe trabalhadora dialoga. Seus desejos imediatos, suas necessidades mais cruas, aquilo que mais lhe aperta o calo. Em suma, é preciso estar atento ao que a classe sente e quer, mas também em que nível sente e quer. É preciso interpretar o nível atual de consciência das massas. Não para acompanhá-la indiferentemente ou aplicar mero seguidismo, mas para que possa intervir e incidir de forma precisa e contundente nos movimentos da classe. Através de Lênin compreendemos que o revolucionário, em qualquer momento, tem o papel de servir como ferramenta útil para a superação dos limites impostos à consciência da classe trabalhadora.

Falando em consciência de classe, Lênin elabora sobre como a classe trabalhadora percebe de forma espontânea elementos da sua exploração e da condição concreta de opressão ao qual é submetida. Assim, encontramos em diversos momentos da história reações espontâneas dos oprimidos contra os seus opressores, resultando em motins e revoltas. De todo modo, como Lênin aborda em “Que Fazer?”, apenas com a experiência imediata não é possível compreender de fato o todo complexo que constitui o sistema capitalista e sua lógica emaranhada de opressões e mecanismos para exploração da classe trabalhadora. É preciso um algo mais, uma outra dimensão. Aqui aprendemos outra lição de Lênin: a necessidade da organização revolucionária. Para o dirigente russo, é através da organização política que é possível romper com o imediatismo da consciência limitada obtida através da vida cotidiana. Para construir real oposição ao capitalismo e suas mazelas, é preciso construir primeiro a organização revolucionária, a ferramenta que possa desvelar os meandros da exploração capitalista e assim projetar estrategicamente a luta contra a classe dominante. Isso não significa que a organização seja algo fora da classe, em um sentido apartado e alienante, pelo contrário, os revolucionários devem ser parte da classe e sua ferramenta organizativa também. De todo modo, o partido possui a tarefa de dirigir o processo revolucionário, sendo ferramenta legítima da classe trabalhadora.

Revolução do clima

Não resta qualquer dúvida sobre a gravidade da situação atual. A crise ecológica em que vivemos possui uma multiplicidade de consequências e elementos, mas certamente aquilo que se destaca como a dimensão mais assustadora é a emergência climática. Os efeitos destruidores das mudanças já são perceptíveis em todo o mundo e no Brasil não é diferente. Chuvas devastadoras, desmoronamentos e enchentes, secas e ondas de calor, centenas de mortes e milhares de afetados. São vidas arrasadas e famílias destruídas pela crise. Infelizmente, daqui para frente a situação só piorará. Não se trata de pessimismo, mas de constatação científica.

Como consequência da crise, vemos uma revigorante difusão de movimentos ligados à luta climática. Na sua maioria, são jovens espalhados pelo mundo que tentam reagir à destruição que assola o planeta. Ainda assim, esses movimentos se mostram insuficientes em dar conta do problema, na sua grande maioria por uma falha em comum: estão todos situados nas fronteiras do capitalismo. Não há uma estratégia de transformação da sociedade, no máximo reivindicações que não podem de forma alguma serem concretizadas dentro da sociedade capitalista e não são desejadas pelas classes dominantes. Assim, os movimentos puramente ecológicos ou climáticos dão importante contribuição para que o tema esteja constantemente em evidência na atualidade, mas não são a forma necessária para enfrentar a questão climática.

Por outro lado, a população em geral já começa a perceber por sua própria experiência que as coisas não estão normais. É comum ouvir pessoas dizendo que “nunca choveu como agora” ou que “as secas estão mais fortes e mais longas”, até mesmo que “a natureza está se vingando”. Infelizmente, muitas dessas falas podem ser ouvidas depois de uma catástrofe. É a consciência imediata sobre a situação atual. É possível saber que existe algum problema, mas não exatamente qual ou por qual razão. 

Retomando as duas – das muitas – lições que Lênin nos deixou, vemos que elas nos dizem muito sobre como agir no nosso tempo e sobre a questão climática. Primeiro, precisamos entender que já existe uma intuição espontânea sobre o problema. Quando a população afetada sabe que algo está errado e que tem relação com o clima e com a natureza, mas também com a ganância e com a destruição, isso significa que houve um avanço espontâneo da consciência. Do mesmo modo, quando jovens se conectam em todo o planeta para lutar contra o fim do mundo, isso significa que existe vontade e disposição para enfrentar a realidade atual. Devemos ter faro afinado para identificar a entrada do tema, assim como sua extrema relevância. Segundo, precisamos entender que é preciso ir além do que se tem. Quando Lênin reforça constantemente a necessidade da organização para a luta, é porque ele viveu todas as ansiedades de ver um mundo velho morrendo e o quão urgente era construir a ferramenta que daria luz ao novo mundo. No nosso caso, precisamos da ferramenta que impeça a destruição do único mundo que temos. 

Falar de um cruzamento entre Lênin e a questão ecológica tem tomado relevância nos debates atuais. Teóricos e militantes, como Andreas Malm, já elaboram sobre um “leninismo ecológico”. Precisamos avançar nessa compreensão, entendendo que é urgente a construção de um movimento ecossocialista, isto é, de ruptura com o capitalismo e que aponte a construção de uma nova sociedade. Mas nada se faz sem um instrumento que dê conta das transformações necessárias. A organização revolucionária, tal qual inspirada por Lênin, é crucial para a vitória na luta climática. Apenas organizando os trabalhadores da cidade e do campo, indígenas e quilombolas, o povo que vive da água e da terra, poderemos fazer frente aos interesses da classe dominante que arrasa nosso planeta. Precisamos urgentemente de um ecossocialismo leninista.  


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