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Colunas

O abril verde e a CANPAT: a realidade da precarização do trabalho no Brasil

Abril verde
FIEMG

Saúde Pública resiste

Uma coluna coletiva, produzida por profissionais da saúde, pesquisadores e estudantes de várias partes do País, voltada ao acompanhamento e debate sobre os ataques contra o SUS e a saúde pública, bem como às lutas de resistência pelo direito à saúde. Inaugurada em 07 de abril de 2022, Dia Mundial de Luta pela Saúde:

Ana Beatriz Valença – Enfermeira pela UFPE, doutoranda em Saúde Pública pela USP e militante do Afronte!;

Jorge Henrique – Enfermeiro pela UFPI atuante no DF, especialista em saúde coletiva e mestre em Políticas Públicas pela Fiocruz, integrante da Coletiva SUS DF e presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Distrito Federal;

Karine Afonseca – Enfermeira no DF e mestre em Saúde Coletiva pela UnB, integrante da Coletiva SUS DF e da Associação Brasileira de Enfermagem, seção DF;

Lígia Maria – Enfermeira pela ESCS DF e mestre em Saúde Coletiva pela UnB. Também compõe a equipe do Programa de Interrupção Gestacional Prevista em Lei do DF;

Marcos Filipe – Estudante de Medicina, membro da coordenação da Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (DENEM), militante do Afronte! e integrante da Coletiva SUS DF;

Rachel Euflauzino – Estudante de Terapia Ocupacional pela UFRJ e militante do Afronte!;

Paulo Ribeiro – Técnico em Saúde Pública – EPSJV/Fiocruz, mestre em Políticas Públicas e Formação Humana – PPFH/UERJ e doutorando em Serviço Social na UFRJ;

Pedro Costa – Psicólogo e professor de Psicologia na Universidade de Brasília;

Jorge Henrique, de Brasília, da Coletiva SUS-DF

O Ministério da Saúde lançou, no dia 12 de Abril, a Campanha Nacional de Prevenção de Acidentes do Trabalho (CANPAT). A data é promovida desde 1971 e atualmente faz parte do movimento Abril Verde, que também engloba o Dia Mundial da Saúde, 07 de Abril, e o Dia Mundial em Memória às Vítimas de Acidentes e Doenças do Trabalho, dia 28 de Abril, que nasceu como fruto da luta de trabalhadores canadenses, na década de 1980, e que escolheram a data por conta de uma explosão em uma mina, nos EUA, que matou 78 trabalhadores, em 28 de abril de 1969. Depois disso, em 2003, a OIT instituiu a Data como Dia Mundial da Segurança e Saúde no Trabalho.

Os dados alarmantes sobre acidentes de trabalho no Brasil

Segundo dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, entre os anos de 2019 e 2021, o aumento do número de acidentes de trabalho graves notificados subiram 50%. Só no de 2020, ano de início da pandemia da COVID-19, o aumento foi de 40%. No Brasil, somente em 2021, foram comunicados 571 mil acidentes e mais de 2.487 mortes no trabalho. 

De acordo com o Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho , elaborado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Brasil ocupa o segundo lugar em mortalidade no trabalho, entre os países do G20, ficando atrás apenas do México. Já entre os países onde mais acontecem acidentes de trabalho, o Brasil é o 4º no ranking geral. Em oito anos, foram registrados no Brasil 5,6 milhões de doenças e acidentes de trabalho, o que gerou um gasto previdenciário superior a R$ 100 bilhões. 

Entre as ocupações mais afetadas, estão os técnicos de enfermagem, que tiveram o índice de acidentes de trabalho triplicado nesse último período. Já o local que mais se destaca no total de acidentes notificados é o ambiente hospitalar, com um aumento da taxa de 11% para 15%, do total de acidentes notificados, entre os anos de 2019 e 2020. Em números absolutos, o total de notificações de acidentes nesse setor cresceu 8% nesse período. O setor saúde, historicamente, é também o que mais notifica os órgãos públicos sobre acidentes de trabalho.

Contudo, a realidade é que os acidentes com máquinas e equipamentos no campo e na cidade ainda mutilam e ceifam muitas vidas. Profissionais da limpeza, da construção civil, vigilantes, vendedores de comércio varejista, alimentadores de linha de produção, entre outros, também sofrem com doenças e acidentes de trabalho. Além disso o manuseio de agrotóxicos entre trabalhadores rurais e o aumento da contaminação de alimentos têm elevado os índices de câncer na população geral. 

Outro dado alarmante é o número de pessoas em situação de escravidão no Brasil. Segundo dados do Ministério do Trabalho de 2021, foram resgatados 1.937 trabalhadores e trabalhadoras nessa situação, seja em trabalhos domésticos, na atividade agropecuária, na mineração, na construção civil e na confecção têxtil. Quando se fala de trabalho escravo, fala-se de condições degradantes e insalubres de trabalho, o que afeta sobremaneira a saúde do trabalhador em situação de escravidão. Foi por estas situações desumanas que o país já foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Mais recente, vivenciamos o drama da pandemia de COVID19, que matou mais de 11 mil trabalhadores da saúde no Brasil e que fez o País alcançar o 4º lugar no ranking dos países que mais tiveram óbitos destes profissionais. Os auxílios-doença por depressão, ansiedade, estresse e outros transtornos mentais e comportamentais também cresceram 30%, nesse período, e somente no ano de 2021, houve um aumento de 17% em relação à venda de medicamentos psicotrópicos no Brasil. 

A precarização do trabalho e a saúde do trabalhador

A atual situação política e social, marcada pela crise econômica da última década e pela pandemia, foi utilizada como justificativa pelos governos dos países centrais e da periferia para impor a adoção de políticas de austeridades para o conjunto da população. A redução de investimentos em políticas públicas e na oferta de bens e serviços, os processos de migração e a “uberização” do trabalho, proporcionaram o aumento do desemprego, da pobreza e da desigualdade social, com consequências graves para a saúde da população.

A saúde mental da população, por exemplo, com o aumento da pobreza, é afetada com a elevação da prevalência de depressão e ansiedade, principalmente entre os que perderam o emprego. Para aqueles que permanecem no trabalho é imposto um ritmo de trabalho extenuante com o único objetivo de aumentar a produtividade e os lucros das empresas. Doenças crônicas, infectocontagiosas, além das lesões por esforços repetitivos (LER) e as doenças osteomusculares relacionadas ao trabalho (DORT) também são consequências indesejáveis desse processo de adoecimento. 

A Emenda Constitucional 95 de 2016, que reduziu o financiamento da Saúde Pública e da Educação por 20 anos; a Reforma Trabalhista de 2018 –  que desmontou a CLT e criou o trabalho intermitente -; a Reforma da Previdência, além das terceirizações e privatizações dos serviços públicos no Brasil, contribuíram expressivamente para a precarização do trabalho e para a para a elevação de casos de acidentes e doenças nesse ambiente. 

Outro agravante é o processo de revisão das normas regulamentadoras que pretendem eliminar 90% das exigências de cumprimento do uso de instrumentos que proporcionam segurança do trabalho. São ações que refletem o lobby político do setor empresarial para flexibilizar as normas que garantem a redução dos riscos no ambiente de trabalho e para submeter, assim, milhões de trabalhadores e trabalhadoras a acidentes, doenças e ao risco de morte. 

Diante dessa situação, para além do Abril Verde, é urgente a discussão sobre a implementação de políticas públicas que instituam um efetivo sistema de prevenção de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, que visem a produção de alimentos saudáveis, assistência técnica aos trabalhadores do campo, que garantam instrumentos legais dos processos de trabalho, em defesa do meio ambiente, do ambiente profissional e da saúde do trabalhador.