“Mulheres pobres morrem tentando fazer aborto, porque o aborto é proibido, é ilegal. […].
Quando que a madame pode ir fazer um aborto em Paris, escolher ir para Berlim.
Na verdade, deveria ser transformado em uma questão de saúde pública e todo mundo ter direito, e não vergonha”.
Lula, 2022.
Pânico moral, bolsonarismo e eleições 2022
A declaração acima foi dada esta semana pelo ex-presidente Lula e causou imediata reação da extrema direita. De Flávio Bolsonaro a Damares Alves, toda a fauna Bolsonarista prepara materiais voltados à campanha eleitoral em curso na toada “vida protegida desde a concepção X morte de crianças inocentes”. Nas palavras da Ministra da Família e da Mulher “a próxima eleição será uma guerra entre o mundo das trevas e o mundo da luz”.
Por outro lado, os coordenadores da campanha de Lula se apavoraram. Foram pegos de surpresa pela declaração e diante da pressão neofascista fazem cálculos eleitorais, temem a ira de fundamentalistas e a consequente perda dos votos de religiosos e conservadores. Opinam que Lula delegue temas “polêmicos” para evitar seu desgaste. Este seria um erro grave!
A pauta da família e dos costumes foi essencial na ascensão de Bolsonaro à Presidência. A mamadeira de piroca foi ápice de uma ofensiva que teve inicio no Congresso Nacional, nas negociações de conformação da base aliada que envolveram o debate de gênero nas escolas, a suposta “ditadura gay”, e os direitos reprodutivos.
O pânico moral foi o motor da construção da extrema direita com peso de massas. Um bloco se conformou em torno ao ataque as conquistas e pautas do movimento feminista, negro e LGBTI+. A construção de um discurso misógino, racista, homofóbico e hipócrita de defesa de uma família tradicional que, de acordo com as pesquisas, são ampla minoria na sociedade brasileira. Exaltação da violência, da meritocracia justificando desigualdades, de hierarquias patriarcais com pinceladas de teorias da conspiração.
A estratégia de não exacerbar possíveis aliados conservadores não impediu uma ampla unidade de ação desses setores por ocasião do impeachment de Dilma, que contou com altas doses de misoginia. Tampouco impediu a entrada de Bolsonaro no palácio do Planalto. Nós perdemos uma oportunidade nos 13 anos do governo do PT, não podemos repetir esse erro.
A política neofascista de agitar uma inexistente “desordem dos valores”, promovida pela doutrinação da esquerda contra a “natureza e tradição do brasileiro” precisa ser encarada de frente. Contra o neofascismo radicalizado é preciso opor um projeto de país profundamente radical. Lula tem razão, a pauta da família e dos valores está “muito atrasada” no Brasil, é necessário debater a vida real e concreta do nosso povo.
A urgência da legalização
No Brasil o aborto ainda é um tabu. Contudo, estatisticamente é improvável que alguém não conheça uma mulher que, em algum momento de sua vida, tomou a decisão de interromper um gravidez. Não é de hoje que “mulheres pobres morrem tentando abortar, enquanto madames vão para Paris”. Segundo a Pesquisa Nacional do Aborto de 2016, apenas no ano de 2015 aproximadamente 503 mil mulheres realizaram abortos clandestinos no Brasil. São mulheres com etnias, idades, e religiosidades diversas.
No nosso país a cada 10 mortes por aborto registradas na última década, 6 foram de mulheres pretas ou pardas e 4 foram de mulheres brancas. São mortes desnecessárias já que o aborto realizado de forma apropriada é um procedimento de baixa complexidade e baixo risco. A criminalização fere os direitos sexuais e reprodutivos, a autonomia sobre suas próprias escolhas, e a igualdade da mulher, enquanto que o medo do encarceramento provoca casos de auto mutilação, lesões graves, e morte, cujas mulheres negras são as maiores vítimas.
Bolsonaro, Damares e seus asseclas, constroem uma idealização da maternidade que não leva em conta as condições reais de vulnerabilidade as quais as mulheres estão expostas. Miséria, fome, violência, falta de creches, nada disso entra na conta do governo. Conservadores, ao mesmo tempo que exigem a maternidade compulsória, negam a maternidade às mulheres negras ao exaltar e exigir do Estado o aumento da violência policial nas periferias, que vitimam mulheres como a jovem Kathlen, assassinada grávida.
Defender a justiça reprodutiva, exigir do Estado e do Governo, garantias sociais para exercer a maternidade plenamente, bem como a descriminalização e legalização do aborto é essencial para a vida das mulheres. Alem disso, a atual onda verde iniciada pela Argentina, pelo Chile e México demonstram que a derrota eleitoral dos conservadores passa por abraçar as pautas e lutas da primavera feminista. Lula está correto. O Brasil precisa avançar. Legaliza!
*da Resistência Feminista.
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