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A nota de Braga Netto: descanso negado aos mortos e ameaça aos vivos

Tânia Rêgo/Agência Brasil

Carlos Zacarias

Carlos Zacarias é doutor em História e pesquisador do Centro de Estudos e Pesquisas em Humanidades (CRH) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde leciona desde 2010. Entre 1994 e 2010 foi professor da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), onde dirigiu a Associação Docente (ADUNEB) entre 2000 e 2002 e entre 2007 e 2009. Colunista do jornal A Tarde de Salvador, para o qual escreve artigos desde 2006, escreve às quintas-feiras, quinzenalmente, sobre temas de história e política para o Esquerda OnLine. É autor de Os impasses da estratégia: os comunistas, o antifascismo e a revolução burguesa no Brasil (1936-1948) (São Paulo, Annablume, 2009) e no ano passado publicou De tédio não morreremos: escritos pela esquerda (Salvador, Quarteto, 2016) e ainda organizou Capítulos de história dos comunistas no Brasil (Salvador, Edufba, 2016). É membro da Secretaria de Redação da Revista Outubro e do Conselho Editorial das revistas Crítica Marxista, História & Luta de Classes, Germinal, entre outras.

É no mínimo vergonhosa a nota emitida pelo Ministério da Defesa e assinada pelos comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica por ocasião da passagem dos 58 anos do golpe civil-militar de 1964. O texto segue a mesma lógica das ordens do dia dos três últimos anos, sob o governo Bolsonaro, que celebra o golpe sem nenhum pudor.

Neste ano, entretanto, além de chamar o golpe de “movimento de 1964”, como ocorreu nos anos anteriores, o documento tenta contextualizar a ação militar como algo próprio da época da Guerra Fria (isso também foi dito antes), defendendo que o movimento obedeceu aos anseios da sociedade que se juntou “para restabelecer a ordem e para impedir que um regime totalitário fosse implantado no Brasil, por grupos que propagavam promessas falaciosas, que, depois, fracassou em várias partes do mundo.”

Obviamente que quem estuda o assunto ou se informa sobre os debates que ocorrem no interior da historiografia, já deve ter visto posições parecidas com essas ditas na nota emitida pelo Gal. Braga Netto em textos de respeitados historiadores que flertam com algum tipo de revisionsimo, quando não o praticam abertamente. Contudo, apesar das polêmicas que o tema enseja entre os estudiosos, não há absolutamente ninguém nas universidades que negue que houve um golpe em 1964 e que este gerou um período de terror, exceção, perseguição, tortura e arbítrio.

De tão absurdo que é este documento, mais uma peça do negacionismo praticado por este governo, que ele chega a dizer que “A história não pode ser reescrita, em mero ato de revisionismo, sem a devida contextualização”, ignorando o consenso existente entre os historiadores e firmando o princípio de que aqueles que distorcem os fatos (as “narrativas”, como eles costumam dizer), são os estudiosos, e não os militares e empresários golpistas, interessados em construir versões que absorvam suas práticas e silenciem sobre o terror.

Em 2022 temos o desafio de livrar os nossos mortos das garras desses inimigos que não lhes permitem descansar. Temos também a responsabilidade de combater as ameaças à democracia, haja vista que a nota de Braga Netto não apenas celebrar e justifica o golpe e a ditadura, mas se constitui também numa ameaça à nossa combalida democracia.

Derrotar Bolsonaro é indispensável em nome da verdade histórica e do direito à memória, para que nossos mortos descansem em paz e nossos vivos assim permaneçam, sempre vigilantes ante a ameaça de militares e fascistas.

#DitaduraNuncaMais