O avanço do debate feminista contemporâneo trouxe consigo um olhar não voltado somente para a relação de desigualdade de gênero que fundamentou o movimento em seu princípio, como também uma atenção para a influência das questões raciais e de classe que interseccionam a causa. Pois são fatores que fatalmente criam abismos entre as vivências femininas. Na vanguarda, trazendo consigo um olhar crítico, já tínhamos o feminismo negro que se propôs a distinguir o tratamento entre mulheres negras e brancas dentro da sociedade. Em especial, foram viscerais e cirúrgicas em apontar como a violência de gênero as impacta de maneiras distintas. Deste modo, mulheres negras e brancas evidentemente não lutam pelas mesmas coisas, afinal, possuem demandas diferentes.
Nos atuais diálogos ferventes que a internet tem estimulado, assistimos aos poucos mulheres racializadas tomando os holofotes e contestando de maneira eloquente e sólida o feminismo liberal, que em sua essência prioriza a preservação dos privilégios de mulheres em sua maioria brancas com condições financeiras confortáveis. Houve um aumento considerável de mulheres amarelas trazendo o seu ponto de vista tanto sobre a questão de gênero quanto suas inquietações sobre a própria identidade racial que muitas vezes apenas é percebida de fato a partir de micro agressões sofridas ao longo da vida.
Assim, nasceu a narrativa por parte dos agressores ocidentais a descrição de que as mulheres amarelas eram submissas, cheias de feminilidade, detentoras de uma inocência quase infantil, de modo que, passaram a ser lidas como bonecas (sem vontade, sem ímpeto, sem espontaneidade) exóticas.
Historicamente, as mulheres asiáticas tiveram um longo antecedente de violência sexual sofrida. Durante a Segunda Guerra Mundial, mulheres coreanas foram feitas de escravas sexuais pelo Exército Japonês e mais tarde, muitas foram também violentadas pelo Exército Norte Americano no decorrer da Guerra do Vietnã. Assim, nasceu a narrativa por parte dos agressores ocidentais a descrição de que as mulheres amarelas eram submissas, cheias de feminilidade, detentoras de uma inocência quase infantil, de modo que, passaram a ser lidas como bonecas (sem vontade, sem ímpeto, sem espontaneidade) exóticas.
O mesmo estereótipo se replicou nas mídias de consumo, no entretenimento, o qual bebeu da fonte orientalista. Mas o fato é: isso afeta pessoas reais, as desumaniza. E acessando uma pesquisa que afirma que a palavra “japonesa” foi uma das procuradas numa plataforma de pornografia, dá para ter uma ideia de como o fetichização é uma marca na vida de mulheres de origem asiáticas. A expectativa de que todas falem baixo, sejam meigas, abaixem a cabeça para a decisão dos outros gera um processo de dissociação, rejeição às próprias raízes. Pois ao longo da vida, são expostas a comentários sobre seus traços “exóticos”, escutam piadas sobre a vagina “na horizontal”, à hiperssexualização de modo geral, onde mora a mais genuína misoginia.
Mulheres amarelas são mais do que “geishas”, “boneca kokeshi”. Elas existem e estão fazendo de tudo para serem finalmente ouvidas após tanto silenciamento.
*Maria Eduarda Ichida é militante do Afronte/RJ
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