Pular para o conteúdo
Colunas

Uma federação do PSOL com a Rede é um erro

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

Prudência é não querer o que não se pode ter.
Cautela e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém.
Os prudentes aprendem com as desgraças alheias.
A prudência não evita todos os males, mas, a sua falta, atrai-os.
Sabedoria popular portuguesa

1 – O instituto jurídico da Federação é um recurso democrático extremo para preservar a legalidade de partidos que, previsivelmente, não conseguirão superar as exigências crescentes da cláusula de barreira. O significado da Federação é diferente, todavia, do simples bloco político, antiga coligação proporcional: o compromisso exigido entre partidos é muito maior A bancada do Psol foi corretamente favorável à Lei nº 14.208/2021 que instituiu as federações partidárias.  Não por acaso o projeto foi vetado por Bolsonaro sob o argumento de que seu conteúdo contrariava a Emenda Constitucional 97, aprovada no contexto do golpe que criou a cláusula de barreira progressiva até 2026, vetou as coligações proporcionais e restringiu o tempo de rádio e TV dos partidos. Mas este recurso não pode ser banalizado. O PSol não deve encarar a proposta da Rede Sustentabilidade de forma superficial, muito menos, apressada. A prudência é coragem temperada pela inteligência.

(a) É verdade que uma Federação é uma mediação democrática porque a cláusula de barreira cria um obstáculo autoritário para a existência de partidos a partir de um critério abusivo: a eleição de onze deputados federais e/ou 2% dos votos válidos para deputado federal no pleito de 2022.

(b)  Mas é verdade, também, que a existência de 35 partidos, em sua maioria legendas de aluguel que transformaram a política num negócio, é uma anomalia, uma distorção ou deformação alimentada pela transferência bilionária de verbas públicas.

2 – Nesse marco o PSol deverá analisar a proposta da Rede de formar uma Federação com o PSol. Se considerada pela ótica de uma concessão democrática, a aceitação pelo Psol seria um gesto de solidariedade jurídica. Mas tem consequências políticas, infelizmente, incontornáveis que não podem ser minimizadas. Não somente porque temos diferenças programáticas indissolúveis, já que a Rede defende uma “regulação verde” do capitalismo, enquanto o Psol é um partido ecossocialista. Acontece que a Rede Sustentabilidade não é um partido do campo dos trabalhadores. Na “melhor” das hipóteses, uma avaliação “benigna’ do carácter de classe do partido liderado por Marina Silva seria de um “agrupamento eleitoral” pequeno-burguês que abraça um projeto liberal utópico desenvolvimentista com proteção ambiental e maior justiça social.   .

(a) Partidos não podem ser julgados pelo que pensam de si mesmos. Mas a Rede nunca se definiu sequer como um partido de inspiração socialista. Seu projeto foi estimulado por Marina Silva inspirado pelos partidos verdes que defendem uma regulação ambiental do capitalismo. É razoável debater se a Rede é um partido burguês ou pequeno-burguês, mas não é uma organização do mesmo campo de classe do PSol.

(b) Além das diferenças de classe e programáticas, a localização política, no momento decisivo da situação brasileira da Rede não é compatível com o PSol, porque Marina Silva e a maioria da direção da Rede estiveram a favor do impeachment de Dilma Rousseff.[1] Além disso Marina carrega na sua biografia o apoio a Aécio Neves no segundo turno de 2014.

(c) Mas não se trata somente de diferenças de classe, programa, ou de história, que merecem ser consideradas, mas podem não ser suficientes para um juízo final, porque a luta política deve ser feita com grandeza, ou seja, capacidade de olhar para o futuro, e não para o passado. Acontece que não existe acordo com a Rede sobre o que fazer em 2022. Nada é mais importante que derrotar Bolsonaro. Mas não há um acordo verdadeiro com a Rede sobre a tática eleitoral para as presidenciais. A Rede afirma que a maioria apoiará Lula desde o 1º turno, mas exige liberação para fazer campanha para o Ciro Gomes. Porque na verdade a Rede “explodiu” com um partido político. O problema “existencial” da Rede não é a impossibilidade de superar a barreira da cláusula de barreira. O problema é que não tem mais a mínima coesão interna. Marina Silva e Heloísa Helena têm declarado apoio a Ciro Gomes, uma posição incompatível com a do Psol.

(d) É verdade que Randolfe Rodrigues, senador pelo Amapá, esteve contra o impeachment e, por isso,  merece respeito. Também é verdade que cumpriu um papel positivo na CPI do Senado na investigação do desempenho do governo Bolsonaro diante da pandemia da covid-19. Por último, não é irrelevante que Randolfe tenha decidido apoiar Lula. Mas permanece um problema que tenha defendido a presença de Geraldo Alckmin na chapa ao lado de Lula, quando o Psol está, terminantemente, contra.

3 – O PSol tem o direito de se proteger. O cálculo das consequências da constituição de uma federação com a Rede Sustentabilidade não pode ser orientado somente por expectativas eleitorais para 2022, ainda que o PSOL deva atuar, conscientemente, para ultrapassar a cláusula de barreira e preservar sua legalidade plena. O Psol pode e deve aceitar a integração daquela parcela da Rede que compartilha, mesmo que só parcialmente, seu projeto estratégico, como uma corrente interna. Mas uma aliança formalizada pelo mecanismo da federação gera problemas importantes para o PSol, porque, ainda que amplamente majoritário, não é irrelevante que a entrada da Rede de conjunto, com Marina Silva preservando sua independência, introduz uma deformação no seu processo interno de construção política. O Psol é um partido socialista de esquerda, com um programa anticapitalista, em que convivem diferentes correntes e um equilíbrio de forças instável. Admitir esta condição não diminui o PSol. Mas reconhecê-la exige prudência, tanto mais porque é inaceitável admitir que a Rede poderá ter sozinha um peso em instâncias de decisão equivalente a 30%. O que seria, totalmente, injusto e desproporcional.

NOTAS

[1]“A maioria dos membros de sua instância nacional dirigente, a Rede Sustentabilidade entende que existem elementos que justificam a admissibilidade do processo contra a presidente Dilma”.
https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2016/04/11/marina-silva-muda-de-posicao-sobre-impeachment/ Consulta 15/03/2022.
Marcado como:
psol