No último final de semana, nos dias 10, 11 e 12 de março, a Resistência, corrente interna do PSOL, realizou na Casa Carolina Maria de Jesus, em São Paulo, um encontro de quadros lésbicas, bissexuais, gays, travestis, transsexuais, interssexuais, não-binários e demais orientações sexuais e identidades de gênero dissidentes. O objetivo foi o estudo teórico marxista sobre sexo e gênero no capitalismo, além da elaboração programática sobre o tema.
Estiveram presentes quadros militantes dessa organização de todas as regiões do país. A programação foi dividida em conferências que abordaram diferentes temas: “A experiência soviética e a questão sexo-gênero”; “Marxismo, pós-estruturalismo e LGBTI+: sujeito e identidade no capitalismo”; “A história da luta LGBTI+ no Brasil e o papel das organizações de esquerda”; “O Programa de Transição e seu método”; e finalizando com um momento dedicado à elaboração programática.
Entre os convidados, estiveram presentes o ativista LGBTI+ e historiador James Green, a ativista pesquisadora feminista Carol Freitas, o pesquisador e militante LGBTI+ Douglas Alves, o pesquisador e professor Henrique Canary e a membra da Executiva Nacional do PSOL Deborah Cavalcante. Além desses, militantes da Equipe LGBTI+ da corrente, como Carol Iara, covereadora de SP, Felipe Alencar (SP), Lucas Marques (Campinas), Sol Costa (BH), Gui Cortez (Franca), Will Gonçalves (Porto Alegre), Rodrigo Abranches (Juiz de Fora) e Lucas Brito (DF), conduziram as atividades. Foram dias de intenso estudo, desde a perspectiva do método e da elaboração marxista, sobre sexualidade e gênero no capitalismo.
Em uma das mesas, James Green relatou a experiência da Facção Homossexual da Convergência Socialista, corrente trotskista, que, nos anos 1980 e 1990, compôs o PT, e da qual vieram vários militantes que hoje integram e dirigem a Resistência. Nesse período, James Green cumpria o papel de dirigir a Facção Homossexual e sua intervenção no processo de origem do movimento LGBTI+ brasileiro (na época, homossexual). Essa militância foi decisiva para a formação do Grupo SOMOS, o primeiro agrupamento político LGBTI+ do Brasil. E também para se consolidar uma referência classista de organização política para o movimento, em um contexto não somente de repressão sexual mas também de autoritarismo da ditadura civil-militar. Tivemos condições de conhecer mais a fundo o papel decisivo do trotskismo para a formação do movimento LGBTI+ brasileiro.
Sob a condução de Felipe Alencar, Gui Cortez e Lucas Brito, a experiência da Revolução Sexual Soviética também foi estudada, considerando seus pioneirismos e originais avanços, até mesmo para a sociedade de hoje. Mas também suas limitações, tanto objetivas, quando subjetivas. O legado da Revolução Sexual, após a Revolução Russa, é inegável: foi a primeira vez no mundo que se descriminalizou a homossexualidade e o aborto; houve a primeira experiência no sentido da cirurgia de redesignação sexual e afirmação de gênero; foram desenvolvidas profundas transformações sexuais e experimentadas amplas liberdades. A Escola de Quadros favoreceu o diálogo sobre o balanço da Revolução Russa, considerando que a Revolução Sexual foi refreada e derrotada no processo de degeneração e burocratização da revolução soviética, culminando para que, já no período stalinista, fossem novamente criminalizados o aborto e a homossexualidade, como exemplos dos muitos retrocessos impostos que se sucederam. Apesar da derrota posterior, a Revolução Sexual Soviética segue sendo uma referência para aqueles que lutam cotidianamente em defesa da ampla liberdade de gênero e sexualidade, condição para a emancipação humana.
A Escola também proporcionou uma fundamental e emocionante análise da formação e mobilização política das pessoas travestis/transexuais, bem como do movimento político de pessoas interssexuais, conduzida pela camarada Carol Iara. Foi-nos ensinada a história de grande coragem e luta para enfrentar toda a sorte de violências transfóbicas institucionais, entremeadas na cultura, que lamentavelmente estão presentes, também, no interior do movimento LGBTI+. O Brasil ainda é o país, dentro os que fazem registro, que mais mata pessoas travestis e transsexuais. E que mutila parte da sua população que é formada por pessoas interssexuais.
Também foram estudadas, com as conferências de Carol Freitas e Douglas Alves, as formulações teóricas do pós-estruturalismo, nos marcos do seu contexto histórico e político de derrotas da classe trabalhadora e desenvolvimento do neoliberalismo. Sendo debatida a importância do marxismo como teoria e método que melhor fundamenta a atuação revolucionária que visa transformar a sociedade, libertar a classe trabalhadora da opressão e da exploração. E que possibilita, enquanto ciência viva, a compreensão da totalidade na qual estamos imersos. A necessária associação entre teoria e prática encontra no marxismo sua mais ampla fertilidade para a compreensão das particularidades como indissociáveis do universal, da totalidade, permitindo a unidade de classe, considerando sexualidade, gênero e raça.
E, por fim, a Escola se concentrou no estudo e na elaboração programática. Debruçou-se sobre o método e as concepções do Programa de Transição, o programa fundacional da 4º Internacional, portanto um documento fundamental para a corrente trotskista em nível mundial. Dentre muitos aprendizados, destacamos importantes lições: em última instância, o partido se resume à sua coluna de quadros e ao seu programa; nosso programa não busca mudar a realidade de forma imediata, mas histórica; o programa tampouco busca dialogar diretamente com as massas; há sempre uma distância entre a consciência das massas e o nosso programa, a não ser em períodos de crise revolucionária; e que as escolhas programáticas não se tratam de buscar aquilo que é “mais fácil”, mas o que é necessário. O que nos orienta no programa é a necessidade histórica da nossa classe de superação da subalternidade oriunda da exploração e da opressão.
Por que uma Escola de Quadros LGBTI+?
A vanguarda das lutas do nosso povo tem se consolidado cada vez mais negra, feminista e LGBTI+, não sem motivo. Exploração, opressão e dominação se combinam para estruturar e reproduzir o capitalismo. Nesse período de múltiplas crises do capitalismo, a intensificação da opressão e da exploração se abatem fortemente contra as pessoas oprimidas e/ou superexploradas pelo racismo, machismo, LGBTI+fobia e a repressão sexual. Portanto, é mais que justa e urgente a formação e promoção de quadros dirigentes LGBTI+ em nossa corrente e no conjunto das movimentos da nossa classe.
Em nossa concepção, quadros são aqueles que dedicam suas vidas ao projeto anticapitalista de transformação radical da sociedade, à construção do partido revolucionário. Quadros não são necessariamente os melhores oradores, as melhores figuras públicas ou parlamentares, os mais conhecedores da teoria ou os mais antigos no partido. Quadros são aqueles que dedicam o melhor das suas vidas a um projeto de humanidade.
Nesse sentido, muitas foram as falas carregadas de emoção ao avaliarem a importância da Escola. E, ao final, ficou marcada a necessidade de ampliarmos a auto-organização LGBTI+ internamente na Resistência, a formação teórica dessa militância e a sua promoção na coluna de quadros interna. Alguns disseram, ao final, que a Escola foi como uma ponte para as muitas contribuições do trotskismo brasileiro ao movimento LGBTI+, como quem reivindica uma herança, um legado, que não é só seu, mas o qual também lhe pertence. Se muito vale o já feito, mais vale o que será.
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