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MUNDO

Portugal: encher as ruas do dia internacional da mulher e da greve feminista

Rebeca Moore*
Reprodução/Jacobin

O grupo feminista Movimento da Libertação da Mulher (MLM) de Portugal, 1974.

A violência não diminuiu, está a aumentar

No ano passado por ocasião do 8 de Março escrevemos que o novo normal aprofundou as já existentes desigualdades sociais e económicas, desfavorecendo ainda mais as pessoas racializadas, as imigrantes, as mulheres, as LGBT+s. Depois de dois anos de crise pandémica, o que sabemos é que o aumento da violência é real, sendo que em Portugal 90% das mulheres auscultadas relataram crescimento dos crimes de gênero (violência física e emocional). Embora em 2021 o número de feminicídios tenha reduzido face a 2020, esta quebra não significa que a violência diminuiu, mas simplesmente que a taxa de mortalidade.O equilíbrio entre a vida profissional e pessoal alterou-se significativamente na vida das mulheres em Portugal (e pelo mundo), sendo que quase um terço das mulheres abdicou de trabalho pago por causa da carga doméstica durante a pandemia, muitas relataram uma redução dos seus rendimentos e a previsão é que nos anos que se seguem as mulheres terão tendência a reduzir a sua carga laboral em prol da jornada de cuidados em casa.

A saúde mental foi também fortemente afectada pelos sucessivos confinamentos e pela sobrecarga das tarefas, pela falta de convívio e apoio de família e amigas/os, sendo que se registou um aumento em termos de ansiedade, preocupação e medo. O que a pandemia trouxe em termos de desigualdade de género implica um recuo gigante nos direitos, nas conquistas e nas possibilidades para várias gerações de mulheres – são as mulheres que mais facilmente abdicam dos seus empregos para cuidar, são as meninas que mais rapidamente abandonam os estudos, são as mulheres que mais sofrem perdas salariais e são despedidas, são elas que mais carregam os impactos psicológicos…

Os especialistas prevêem um recuo correspondente a cerca de 40 anos de lutas e avanços nos nossos direitos.

A extrema-direita ameaça os direitos das mulheres

As eleições legislativas e a nova configuração do parlamento português prevê uma escalada nos ataques dirigidos às mulheres, às pessoas racializadas, às pessoas imigrantes e aos setores LGBT+. A “família tradicional”, a mulher como mãe, o antifeminismo, o combate à “agenda gay”, enquanto incitam a divisão com base nos supostos “privilégios” (a subsídio-dependência que Ventura tanto fala) e veiculam abertamente o racismo e a exaltação do colonialismo, este discurso ganha cada vez mais espaço e tem agora uma bancada parlamentar para fortalecer o crescimento destas ideias. Os recentes ataques de Mário Machado às figuras públicas femininas de esquerda mostram esta escalada. Estes políticos e as suas ideias nefastas contribuem para uma normalização da violência; uma legitimação ainda maior dos ataques racistas e um clima de medo e insegurança, que podem tomar a forma de propostas de lei, políticas públicas e votações no parlamento. Vimos cenários semelhantes noutros países e sabemos que para nós a luta contra as ideias de extrema-direita e as suas figuras é uma luta pela nossa vida. Por isso, neste 8 de Março quando saímos à rua, quando fazemos greve, sabemos que somamos o combate à extrema-direita às nossas reivindicações e sabemos também que o combate se faz com todas, que ninguém fica esquecida e ninguém pode ficar para trás. Enchemos as ruas no dia 8 de Março e voltamos às ruas dia 12 de Março para afirmar que estamos Juntas/os do Luto à Luta, reclamamos Justiça para Daniel, Danijoy e Miguel.

A guerra

Não podemos deixar de referir as mulheres em contexto de guerra – as que recentemente viram as suas vidas destroçadas pelas bombas e também aquelas que há meses ou anos têm as suas vidas ameaçadas por conflitos armados. A guerra tem métodos específicos de acordo com o género – a violência é diferente quando se trata de mulheres, os crimes de guerra tem um filtro específico de violação, tráfico e assassinato arbitrário.Os comentários recentes sobre as mulheres ucranianas por parte de um político brasileiro evidenciam o vale tudo num clima de guerra – o áudio de Do Val descreve as filas de mulheres refugiadas como “fáceis porque são pobres” entre outras considerações machistas, xenófobas e nojentas.

A guerra também incita a xenofobia, o racismo e o ódio, como vimos nas imagens de refugiados racializados impedidos de saírem da Ucrânia, enviados constantemente para o fim da fila, negados vezes sem conta o direito a sobreviver. O mesmo acontece com as pessoas trans que vivem na Ucrânia, a quem é negado o direito ao refúgio. Um movimento contra a guerra é também uma tarefa feminista, um movimento independente das agendas dos Governos ― ocidentais e, claro, russo ―, internacionalista e contra todos os imperialismos.

Esta é uma tarefa que nos leva às ruas neste 8 de Março, em solidariedade com as mulheres afectadas quotidianamente pela guerra, em solidariedade com as pessoas racializadas impedidas de sair da Ucrânia e um grito anti-guerra internacional, unido e forte. Chamamos todas, todos e todes a somarem as manifestações do dia 8 de Março, em Lisboa (18h30, Praça do Camões), no Porto (18h30, Praça dos Poveiros), em Coimbra (17h30, Praça 8 de Maio) e nas várias cidades em Portugal e pelo mundo.

Vamos juntas!

*Publicado originalmente em Semear o Futuro