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OPRESSÕES

A importância do feminismo negro para o movimento feminista brasileiro

Brenda Marques*, de Teresina, PI
Januário Garcia

Ato público na Cinelândia, Rio de Janeiro, em 1983. Lélia Gonzalez discursa pelo Movimento Negro Unificado (MNU)

Ao recorrermos a história veremos que é a partir dos anos 1970 que as organizações de mulheres negras ganharam força no Brasil, reivindicando duplamente o movimento negro e o feminismo. A partir desse período, os movimentos de mulheres negras procuraram explicitar a diferença entre as formas das mulheres e homens negros sentirem a discriminação racial, assim como a das mulheres brancas vivenciarem a descriminação de gênero. O movimento de mulheres negras denunciava, por um lado, posturas machistas na militância negra e, por outro, as desigualdades e o racismo presentes no movimento das mulheres. Seja em partidos políticos, coletivos de mulheres, produções acadêmicas, elas apontavam a necessidade não só do fim do racismo, como também do sexismo e capitalismo, para garantir a vida das mulheres negras. Não a toa podemos afirmar que o feminismo negro nos permite pensar “um novo marco civilizatório”.

O feminismo negro ascendeu em sua trajetória no Brasil a partir da fundação de diversos coletivos de mulheres negras e na atuação de intelectuais negras que estavam tanto nos movimentos sociais como na academia. Essas intelectuais vão refletir sobre as particularidades das identidades femininas negras no Brasil e vão apontar em seus discursos a invisibilidade de mulheres negras nas pautas de reivindicações do movimento feminista e trazer questionamento como: Por que as mulheres negras são marginalizadas e subalternizadas? Onde estão as mulheres negras na História brasileira contada? Por que a questão racial foi isenta do feminismo? Por que as mulheres negras não são humanizadas? Por que no capitalismo brasileiro, o homem branco se encontra no topo e a mulher negra na base? Esses questionamentos feitos já demonstram as diferenças com o chamado feminismo “clássico”, onde as reivindicações eram construídas a partir principalmente da experiência de mulheres brancas e de classe média, ou seja, de uma minoria.

Luiza Bairros, Beatriz Nascimento, Lélia Gonzalez, Sueli Carneiro, Edna Roland, Jurema Werneck, Nilza Iraci, Matilde Ribeiro, entre outras são participantes fundamentais no desenvolvimento do feminismo negro no Brasil. Essas mulheres nos anos de 1980-1990 provocaram confrontos e contribuíram intensamente para o debate e a visualização das desigualdades sofridas pelas mulheres negras e são a prova de que o feminismo negro não é um puxadinho do feminismo branco, ao contrário, para mim, ele se originou no reconhecimento crescente da necessidade da análise de gênero dentro dos projetos ativistas negros. Não seria possível libertar as mulheres negras sem levar tanto raça quanto gênero em conta, ou mesmo seria possível para o feminismo pensar o fim das desigualdades raciais na sociedade sem o feminismo negro.

Se voltarmos ao questionamento de Sojourner Truth – “e não sou eu uma mulher?” – no seu discurso proferido em 1851, na Convenção dos Direitos da Mulher em Akron, Ohio, iremos compreender que as mulheres negras sempre denunciaram o fato de constantemente serem estereotipadas como sendo a mulher bestializada, desumanizada, promíscua e lasciva, além de feias, dotadas de sobre-força e trabalhadoras adequadas para serviços desumanizados, enquanto que a mulher branca sempre foi retratada com aspectos como delicadeza, fragilidade e pureza. Para sustentar a universalização, o discurso feminista hegemônico uniformiza experiências e apaga a diversidade, tomando a mulher branca como paradigma da identidade feminina, o que, evidentemente, tem um efeito colonizador.

Para o feminismo negro as opressões sofridas pelas mulheres negras são resultantes da intersecção de opressões de gênero, de raça e de classe que colocam a maioria das mulheres negras à margem do poder e da representação, expostas a violência racial e de gênero, imersas na marginalidade econômica e invisibilizadas em diferentes contextos. A interseccionalidade é uma ferramenta teórica e metodológica utilizada pelas feministas negras para refletir acerca da inseparabilidade estrutural entre patriarcado, capitalismo e racismo em suas articulações, que implicam em múltiplas situações de opressão sofridas pelas mulheres negras.

A importância de pensar a partir das ferramentas metodológicas que o feminismo negro nos traz é entender que o movimento de mulheres negras não atua para separar, mas para ampliar. Atua para mostrar que não tem como legitimar um discurso de poder feminino quando ele ainda está pautado pela branquitude, eurocêntrica e colonizadora. Por isso, o feminismo negro é muitíssimo potente, por trazer essa importância de que não tem como lutar contra o machismo e alimentar o racismo, porque seria alimentar a mesma estrutura. Deve ser papel do feminismo fazer esses questionamentos, não podemos normalizar qualquer movimento que seja majoritariamente branco e detentor do discurso da maioria branca, enquanto mulheres negras continuam sendo invisibilizadas.

Há que se dizer com todas as letras: os movimentos feministas que não fazem recorte de raça tendem a ser racistas e classistas, por isso faz-se urgente que mulheres pretas continuem avançando e que existam políticas práticas e teorias, que abarque suas especificidades. O movimento de mulheres negras é ancestral e sua resistência apesar de invisibilizadas pelo movimento feminista hegemônico já se estabelecia antes mesmo de existir o termo feminismo. Ao nos aprofundarmos na História será possível encontrar registros de mulheres negras que praticavam abortos como forma de luta para não verem seus filhos nascerem escravizados. Se olharmos com mais atenção para a história das mulheres negras no Brasil e em outros países onde houve escravização, podemos constatar que elas já desempenhavam um papel importante de luta e sobrevivência do povo negro.

Por isso é muito importante citar a já clássica frase de Jurema Werneck – “Nossos passos vêm de longe” – para ressaltar nossa ancestralidade e até mesmo para falar sobre os nossos avanços, que apesar de poucos, têm sido muitos significativos. Desde o início dos anos 80, há um crescimento contínuo e um fortalecimento do ativismo das mulheres negras que contribuíram de forma crucial para a ampliar sua visibilidade no debate público, na pauta das agendas socioeconômica e políticas. Nos últimos anos foram lançadas obras de Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento e a biografia de Sueli Carneiro, também foram traduzidas para o português autoras negras consagradas como Ângela Davis, Patrícia Hill Collins, bell hooks, Audre Lorde, dentre outras.

As feministas negras trouxeram para o cenário nacional a força de sua ancestralidade e nossas vitórias são fruto de muita luta, elas sabiam que, sem luta e vigilância, nenhum de seus direitos seriam assegurados por qualquer outro movimento social, resistiram dentro e fora de movimentos sociais para que suas vozes fossem ouvidas e reconhecidas e para que nós estivemos aqui se inspirando no legado de quem veio antes e construindo um futuro para todas nós. Mesmo após décadas de seu nascimento o feminismo negro continua a mostrar sua importância para o movimento de mulheres brasileiras e para todo o feminismo.

Viva o feminismo negro brasileiro!

*do Afronte Piauí e da coordenação nacional do Afronte!