No último final de semana, rolou a segunda edição do estrondoso Rep Festival em terras cariocas. Já reconhecido como o mais celebrado festival de Rap brasileiro, o evento também tem o mérito de enaltecer a cena urbana brasileira que sempre foi potência e espaço para o marginalizado expurgar suas aflições.
Artistas do norte ao sul do Brasil realizaram shows épicos e marcantes, mas dentre eles, um acontecimento reverberou: a expulsão do vereador do PSD Gabriel Monteiro por parte da Mainstreet. Conhecido nas redes sociais por ser uma figura bolsonarista, fervoroso na defesa da violência e do armamento, ouviu um coro de “ih fora” da plateia que apoiou a atitude dos rappers que se recusaram a continuar o show enquanto o mesmo estivesse ali. O ex-policial se retirou do REP Festival, e mais tarde, se defendeu dizendo que não havia compreendido tal atitude dos mesmos e que era um aliado da cultura do hip-hop, e que lutaria para que o “Estado respeitasse o Rap”.
Isso por si só é controverso, visto que quando Sabotage afirmou que o “Rap é compromisso!”, ele queria sobretudo dizer que, o Rap tem compromisso com a verdade, com a realidade social dos mais pobres no país, com a realidade dos corpos que são alvos de truculências policiais, com quem ‘tá’ com a geladeira vazia. O Rap tem compromisso em denunciar a miséria, em denunciar o sistema e consequentemente o Estado que alimenta as desigualdades. O Rap em sua raiz deveria abominar o que o Gabriel Monteiro representa.
O Rap em sua raiz deveria abominar o que o Gabriel Monteiro representa.
Contudo, devemos nos questionar em que momento os organizadores do evento acharam razoável convidar o Gabriel Monteiro para colar lá, e ainda além disso, o que faz alguém como ele se sentir representado por essa cultura que vai na contramão de tudo que o mesmo defende? Ou será que não? Será que o seu discurso de meritocracia têm sido reproduzido no Rap nacional atualmente? Refleti muito à respeito disso e percebi que o Rap falhou consigo mesmo. Devíamos cantar sobre lutar contra o capitalismo que oprime e joga nas margens o povo, e não preferir acreditar que talvez a solução seja jogarmos o seu jogo, ao seu modo.
Com um álbum que já nasceu sendo clássico, Don L convocou com um tom político esmagador todos para a luta. Quando suas letras ecoam o límpido “a única luta que se perde é a que se abandona e nós nunca, nunca abandonamos a luta” nós sabemos que o lugar certo é onde reivindicamos nossos direitos, onde reivindicamos justiça social. Não à toa Don L não foi chamado para estar na line-up do REP Festival. Entre muitas suposições de internautas, estavam as de que o rapper brasiliense não se enquadraria no evento por ter letras com mensagens políticas muito pungentes para o momento, assim como outros, à exemplo de Sant. Na realidade, sabemos que é apenas porque eles cantam o que nós realmente devemos ouvir.
*Maria Eduarda Ichida é militante do Afronte- RJ.
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