Pular para o conteúdo
BRASIL

A greve das professoras e professores de Maracanaú e os limites da lei do piso nacional do magistério

Rafael Rabelo
Divulgação/Prefeitura

Município de Maracanaú

As professoras e professores do município de Maracanaú, no Ceará, se erguem novamente em luta contra o descaso da prefeitura municipal com a educação e a valorização do magistério. Desde o dia 04 de fevereiro as professoras e professores estão em Estado de Greve, com uma intensa agenda de paralisações e mobilizações no sentido de enfrentar a intransigência do prefeito Roberto Pessoa em relação ao pagamento do reajuste do Piso Nacional do Magistério e outras pautas. 

Maracanaú tem o segundo maior PIB do Ceará, perdendo apenas para a capital, Fortaleza , com uma forte concentração industrial. É governada pelo mesmo grupo político, o do prefeito Roberto Pessoa, há pelo menos 14 anos. Seguindo uma linha política que ficou muito conhecida nas eleições de 2018, a “BolsoDória”, já que o prefeito é filiado ao PSDB, mas é, ao mesmo tempo, um reconhecido bolsonarista. Sendo Maracanaú, por exemplo, um dos primeiros municípios do Ceará a aderir ao programa de militarização de escolas do governo federal. 

Toda a pujança econômica do distrito industrial não se converte em qualidade de vida para a população, já que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do município é menor do que o de outras cidades do estado com menor desenvolvimento econômico, ao mesmo tempo em que o GINI do município indica uma alta concentração de renda. Maracanaú também sofre com graves problemas relacionados à violência urbana, sendo um dos municípios com as maiores taxas de letalidade de jovens vítimas de violência urbana do estado. 

Nesse contexto, a educação municipal passa longe de ser prioridade. As professoras e professores estão com os salários congelados desde 2020 e sem acesso às progressões por titulação em suas carreiras. Some-se a isto o fato da prefeitura praticamente não ter investido no ensino remoto durante o fechamento das escolas devido à pandemia de COVID-19, sem a distribuição de equipamentos, chips ou qualquer condição mínima de aulas online para a maioria absoluta dos estudantes e professores.   

Da mesma forma, o reajuste imposto pela gestão municipal referente à aplicação do Piso Nacional do Magistério é o segundo pior entre os municípios do estado, de apenas 14,5%. A prefeitura mente em propaganda oficial ao afirmar que o reajuste imposto à categoria cobre o piso nacional por que se utiliza de um recurso de retórica, de uma brecha na lei, que trata do piso apenas no início de carreira, como se “nenhum professor e professora ganhasse um valor menor do que o piso”. Se mostra intransigente, seguindo o modelo de “gestão” bolsonarista ao se recusar minimamente a negociar com o sindicato. 

Ora bolas, o objetivo central da lei do Piso Nacional do Magistério, aprovada em 2008, não é criar um “salário mínimo” para profissionais do magistério e sim a valorização do trabalho docente. Isso fica muito claro quando a lei, bem como suas complementações futuras, trata da reestruturação das carreiras de professores no Brasil, para além da questão dos salários. Prefeituras como a de Maracanaú fazem uma leitura atravessada dessa legislação exatamente por que não tem no seu horizonte a qualidade da educação municipal, bem como a valorização das professoras e professores. 

A única linguagem entendida por gestões como a do prefeito Roberto Pessoa é a da greve e da luta, exatamente o caminho traçado pela categoria em Maracanaú a partir do dia 16/02, quarta feira. A greve neste município e em outros, como Iguatu, que impôs um reajuste ainda menor, merece toda a solidariedade, já que se trata da defesa de um direito conquistado em um contexto de muitas lutas, mas negado através de mentiras e subterfúgios por prefeitos e governadores por todo o Brasil. 

PRECISAMOS FALAR SOBRE A LEI DO PISO NACIONAL DO MAGISTÉRIO NO BRASIL

A lei 11.738/08, que trata do Piso Salarial Nacional dos Profissionais do Magistério Público da Educação Básica foi uma grande conquista. Pela primeira vez haveria uma referência para a remuneração docente em um país profundamente marcado por diversas formas de desigualdade, entre elas a desigualdade educacional. Antes da Lei do Piso, era comum,principalmente nos municípios, que professores com nível superior tivessem salários até 70%, 80% menores do que profissionais com o mesmo tempo de escolaridade, não havia critério para as remunerações do magistério. 

A grande questão é que, historicamente, o investimento em educação pública no Brasil sempre foi, para dizer o mínimo, insuficiente e profundamente desigual. A Educação Pública só foi considerada um direito  a partir da constituição de 1988. 

Sentimos este “atraso educacional” cotidianamente no chão da sala de aula, mas também na organização da legislação que regulamenta a educação no país. Boa parte dela trata de direitos, mas não regulamenta como garanti-los ou torna esta regulamentação discricionária às administrações locais. 

Um bom exemplo do que foi dito é a Lei do Piso. Os legisladores entenderam como necessário criar uma remuneração mínima para docentes no país, até citaram a regulamentação das carreiras docentes, mas não vincularam a aplicação dos índices de reajuste nas carreiras. Deixando “a critério” das gestões locais “interpretar” se os reajustes são vinculados ou não a todos os níveis de cada carreira, municipais ou estaduais. 

Não nos enganemos, caso não houvesse luta constante no magistério desde 2008, a interpretação dominante Lei do Piso seria a que a transforma em um “salário mínimo docente”. Tudo que foi conquistado referente a esta legislação até hoje, só o foi a partir de muita luta. 

É necessário, com urgência, vincular os índices de reajuste do Piso Nacional às carreiras docentes e iniciar o debate sobre a criação de uma Carreira Nacional para professoras e professores no Brasil.