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Máquina de Fake News: uma ameaça à democracia

Nesta semana eu fui o alvo.

Iza Lourença, mulher negra de cabelos escuros, usa máscara e segura um megafone.
Reprodução

Politiza

Jovem e mãe, Iza Lourença é feminista negra marxista e trabalhadora do metrô de Belo Horizonte. Eleita vereadora em 2020 pelo PSOL, com 7.771 votos. Também coordena o projeto Consciência Barreiro – um cursinho popular na região onde mora – e é ativista do movimento anticapitalista Afronte e da Resistência Feminista.

Invenções para manipular a opinião pública, atacar opositores e atuar pela polarização da sociedade a partir de um inimigo comum. Essas são as características da indústria da desinformação. Isso não é uma opinião pessoal. As melhores universidades do mundo seguem pesquisando a prática política das notícias falsas.

Estudo da Universidade de Oxford, por exemplo, classifica que, no Brasil, existe uma “tropa cibernética” dedicada a atacar opositores do governo federal. Entre suas táticas, estão muito presentes as fake news e os famosos “robôs”, perfis falsos. Qualquer pessoa hoje no Brasil já ouviu falar que as fakes existem, mas ainda sim elas são poderosas e seguem crescendo, construindo uma verdadeira guerra que molda as informações e desenvolve uma indústria lucrativa e politicamente perigosa para qualquer ideia de democracia. Ainda segundo o estudo, em 2020, um grupo de empresas privadas atuou em 48 países para manipular informação em prol de determinado ator político.

A manipulação de fatos e informações cria a chamada pós-verdade, ou seja, a realidade objetiva tem menos importância para a formação da opinião pública do que o apelo às crenças e emoções. Uma consultoria internacional chamada Trend Micro publicou, ainda em 2017, o estudo sobre essa indústria da desinformação ou “máquina de fake news”. Esse estudo estimou que uma campanha de manipulação custa cerca de 200 mil dólares.

Nos últimos anos, com o avanço do debate na sociedade e a utilização da desinformação para manipular grandes temas ao redor do mundo como o Brexit na Inglaterra, a eleição de Trump nos EUA e a de Bolsonaro no Brasil ou mesmo a pandemia de COVID-19, a pós-verdade se tornou uma realidade na política.

Essa semana fui uma das vítimas da manipulação de informações, que foi criada e disseminada por uma pessoa de carne e osso. A parte perigosa das notícias falsas e factóides é que eles criam uma ilusão fácil de espalhar e difícil de desmentir.

Essa semana fui uma das vítimas da manipulação de informações, que foi criada e disseminada por uma pessoa de carne e osso. A parte perigosa das notícias falsas e factóides é que eles criam uma ilusão fácil de espalhar e difícil de desmentir. Dois fatos, independentes um do outro, transformaram a minha manifestação contra um ato racista, que foi a tortura e o assassinato de Moïse no Rio de Janeiro, em um ataque às minhas redes sociais e posterior ameaça de cassação ao meu mandato.

Na noite de domingo comecei a receber diversas mensagens: “analfabeta”, “trem do demônio”, “doente”, “lixo”. Havia um vídeo circulando nas redes sociais criticando o protesto que pedia justiça por Moïse e denunciando uma ação de um grupo de manifestantes que queimaram fotos de políticos. Até aí estamos na arena do debate. Porém, ao final do vídeo, relata que a minha presença no ato teria relação direta com a ação de queima de fotos, me colocando como responsável por apoiar a violência contra figuras públicas.

Dois fatos: houve a queima de fotos de políticos e eu estive no ato. Mas por que isso me tornou responsável pela ação e, logo, teria incorrido em quebra de decoro parlamentar e devo ser punida e até cassada? A grande prova é uma curtida e um comentário no qual escrevi “justiça” em um álbum de fotos nas redes sociais em que entre dez fotos, uma era de um vereador pegando fogo. Não estava presente neste momento da manifestação, não queimei foto alguma, não publiquei esta imagem e nem mesmo notei, quando comentei, que a imagem do vereador estava entre as fotos da publicação. Mas para a tática da pós-verdade esses fatos não importam.

O que importa é criar um grande alvoroço para manipular a opinião pública. O parlamento foi utilizado para endossar a denúncia infundada e confundir a população e a Câmara Municipal em ano eleitoral. Tenho convicção de que o pedido de cassação do meu mandato será arquivado pela Corregedoria, já que não tem qualquer validade jurídica ou lastro na realidade. Mas minha caixa de mensagens segue recebendo mensagens como “Marielle presunto”, “vai arder no inferno”, “fraca e nojenta”, “asquerosa”, “imunda”.

Eu sigo fazendo luta social dentro do parlamento, com respeito ao regimento e à ética das relações. Sabemos que desviar a atenção – uma cortina de fumaça – de mais um caso bárbaro de racismo e tentar deslegitimar a indignação popular frente à execução de Moïse é o objetivo dessa campanha de intimidação política. Como disse Marielle Franco, não serei interrompida!

 

*Artigo publicado no jornal O Tempo em 11/02/2022.