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A classe trabalhadora é um gigante social

@crisvector

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

O que tem de ser tem muita força
Sabedoria popular portuguesa

A classe trabalhadora brasileira é um gigante social. Quando se colocou em movimento, nos anos oitenta, fez tremer os pilares de sustentação da ditadura. Um véu de invisibilidade hoje encobre sua potência, e diminui a influência que pode exercer sobre os destinos do país, mas não esconde a robustez de sua força social de choque. 

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Ela não saiu às ruas em 2021, infelizmente, na campanha Fora Bolsonaro, por variadas razões objetivas e subjetivas, mas voltará a lutar. Não sabemos quando, mas ela será protagonista das lutas que o futuro nos reserva. 

   

Uma premissa marxista é que devemos conhecê-la: (a) permanece superexplorada através de salários baixos, embora seja a maioria da nação; (b) está muito concentrada, em mais de vinte cidades e regiões metropolitanas com um milhão ou mais de habitantes; (c) o peso da juventude diminuiu, quando comparada há quatro décadas, mas um em cada três têm menos de trinta anos; (d) passou por uma intensa feminização, nos últimos trinta anos, sendo esta a sua camada mais oprimida; (e) há um peso imenso, em muitas regiões, majoritário, de negros, portanto, vítimas do racismo; (f) tem, em 2022, menos homogeneidade interna que em 1979, mas a escolaridade média dobrou; (g) exerce e sofre a pressão do peso do semiproletariado, mas tende a arrastar para o seu campo a maioria pobre e popular das cidades e do campo; (h) não tem organização, salvo raras exceções, nos locais de trabalho; (i) sofre, em especial nas empresas privadas, com um índice baixo de sindicalização. 

São mais de 12 milhões de operários industriais, mais sete milhões na construção civil, quase cinco milhões nos transportes, e dezesseis milhões de funcionários públicos.

A fragilidade da organização independente, sindical e política dos trabalhadores, e a imaturidade dos níveis de consciência que ainda prevalecem não deve nos desencorajar. As ilusões reformistas não morrem sozinhas. Só a experiência prática de dezenas de milhões de trabalhadores pode abrir o caminho na luta de classes. Reconhecer a grandeza objetiva, mas, também, os limites subjetivos do movimento da classe na atual etapa da luta de classes não deve diminuir nossa confiança estratégica na revolução brasileira.

A degradação das condições materiais explicam, mas só parcialmente, que o nível médio de consciência tenha retrocedido, quando em comparação com o impulso classista dos anos oitenta, quando a classe trabalhadora brasileira foi uma das que mais lutaram no mundo. É impossível compreender as expectativas limitadas, em grande medida rebaixadas, sem considerar, também, o papel das organizações e lideranças como o PT que, sendo majoritárias, desencorajaram e deseducaram a classe apostando em acordos com a burguesia para garantir a governabilidade durante treze anos. 

Ainda assim podemos observar que: (a) ao tamanho do proletariado corresponde força e esperança quando se coloca em movimento, mas, em função dos baixos níveis de organização, também, medo de represálias dos patrões e do Estado; (2) à juventude da classe trabalhadora corresponde audácia, ou seja, coragem, mas, também, tendência a reações impetuosas e até, também, explosivas [1] ; (3) à feminização da força de trabalho corresponde obtusidade machista, mas, ao mesmo tempo, reação feminista [2]; (4) à concentração em gigantescas regiões metropolitanas corresponde impacto da força social de choque quando em luta, mas pesam as diferenças regionais entre nordeste e sudeste, entre sul e norte, e entre setores profissionais da classe, com impulsos corporativos; (5) ao peso da afrodescendência corresponde a pressão pela unidade contra os preconceitos [3], mas também, as pressões da herança racista; (6) à superexploração corresponde ressentimento social e disposição de luta, mas, também, uma estrutural insegurança diante do medo da miséria; (7) à heterogeneidade social corresponde preconceitos internos e dificuldade de união, em especial, entre o funcionalismo público e trabalhadores do setor privado; (8) à pressão do semiproletariado corresponde alento e vigor e, em outro nível de análise, do lumpen, incerteza e desalento; (9) à desorganização na base corresponde insegurança, e também dificuldade de vigilância sobre os dirigentes, ou alguma tolerância com o personalismo; (10) à fragilidade de organização sindical corresponde a tendência à burocratização de suas organizações e movimentos; (11) à despolitização correspondem as ilusões reformistas, ou seja,  enganos sobre as possibilidades de mobilidade social individual [4]; (12) à pouca instrução corresponde autodidatismo, forte influência religiosa [5], mas, também, anti-intelectualismo.        

As pesquisas do DataFolha sinalizam que o lulismo ainda tem imenso apelo de massas. A experiência foi importante, em especial, nos setores organizados, mas a ruptura foi incompleta. O desgaste do PT nunca atingiu Lula com a mesma intensidade. Os elementos “messiânicos” das ilusões reformistas estão vivos. Mesmo os que romperam com Lula mantêm ilusões em negociações com a classe dominante. 

A conclusão que se impõe, quando pensamos em perspectiva este ciclo histórico de quatro décadas, é que a experiência da classe trabalhadora é lenta. Em situações defensivas, os trabalhadores, mesmo nos setores mais organizados e com tradição de luta, fazem cálculos de risco antes de se expor na luta frontal. Desde 2016, a evolução desfavorável da relação de social de forças forçou a classe a fazer um recuo, preservando suas energias, esperando condições mais animadoras. Mas ela permanece a esperança de que é possível mudar o Brasil. Nada nem ninguém podem substituí-la. Sem ela não é possível impor derrotas aos capitalistas. Sem a sua mobilização não é possível e não vale a pena a luta pelo poder.

Mas ser marxista é ter a certeza que a luta de classes abrirá o caminho.

Mais do que nunca devemos depositar confiança na classe trabalhadora.

 

NOTAS
[1] Segundo a pesquisa Datafolha, a maioria (63%) dos brasileiros começou a trabalhar antes dos 16 anos de idade: cerca de metade (48%) começou a trabalhar com idade entre 10 e 15 anos e 15% afirmam que começaram a trabalhar antes de completarem dez anos de idade; entre os trabalhadores do setor agropecuário essa taxa chega a 42% e entre os trabalhadores da Construção Civil atinge 22%.Os brasileiros começam a trabalhar com 14 anos, em média (sendo que os homens começaram aos 13 e as mulheres aos 14), a mesma idade com que seus pais deram início à vida no trabalho. As mães dos brasileiros começaram a trabalhar aos 14 anos, em média. Entre os trabalhadores do setor agropecuário a média de idade com que começaram a trabalhar é de onze anos. O Datafolha também perguntou aos brasileiros qual é ou foi a profissão ou o principal trabalho de seus pais. Cerca de um terço (32%) tem ou teve como pai um agricultor ou lavrador. Pesquisa disponível em: http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2002/01/1223882-os-brasileiros-e-o-trabalho.shtml
[2] O brasileiro tende a ser mais conservador em códigos morais. Pesquisa do Datafolha sobre o posicionamento ideológico da população em contraste com o dos parlamentares, realizadas em 2014 e 2015, traziam contrastes importantes. O cidadão tende à direita em variáveis de comportamento –55% contra 17% entre os parlamentares– e à esquerda em aspectos econômicos –43% contra 32%. O Congresso fica mais à esquerda em valores e mais à direita, economicamente. Pesquisa disponível em:  http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/04/1762545-votacao-revela-mais-sobre-eleitores-do-que-sobre-deputados.shtml
[3] Na pesquisa Datafolha: 37% dos negros e 25% dos pardos ou mulatos afirmam que se sentiram discriminados ao procurar por trabalho, e citam a rejeição pura e simples (resposta de 16% dos mulatos e de 14% dos negros), o fato da vaga ser destinada a pessoas de uma determinada cor (resposta de 19% dos negros) e mesmo a obrigatoriedade de declarar a cor no momento de preenchimento de ficha (situação mencionada por 3% dos negros; idêntico percentual de brancos reclamou dessa obrigatoriedade). Afirmam ter sido vítimas de piadas ou insultos no trabalho em virtude da cor 24% dos pardos e mulatos e 14% dos negros. Pesquisa disponível em: http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2002/01/1223882-os-brasileiros-e-o-trabalho.shtml.  
[4] Segunda pesquisa Datafolha, 77% dos brasileiros têm vontade de ter um negócio próprio. A grande maioria dos que atualmente não possuem um negócio próprio gostariam de ganhar dinheiro comercializando e produzindo produtos ou prestando serviços. Indagados a respeito 77% disseram que têm vontade de ter um negócio próprio; 23% não sentem vontade de iniciar seu próprio negócio. Pesquisa disponível em: http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2002/01/1223882-os-brasileiros-e-o-trabalho.shtml.  
[5] De acordo com o Datafolha, quando indagados sobre a existência de Deus, 97% dos brasileiros afirmam acreditar totalmente; 2% dizem ter dúvidas e 1% não acreditam. Mesmo entre os que não têm religião, 81% acreditam que Deus existe. A crença na existência do Diabo é menor, embora também seja compartilhada pela maioria: 75% acreditam totalmente, 9% têm dúvidas e 15% não acreditam que ele exista. Entre os católicos, essas taxas ficam dentro da média registrada nacionalmente. Pesquisa disponível em: http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2007/05/1223861-97-dizem-acreditar-totalmente-na-existencia-de-deus-75-acreditam-no-diabo.shtml

 

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