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BRASIL

Liberação de autotestes de covid-19 no Brasil: o jeito errado de se fazer a coisa certa

*Coletiva SUS- DF
Reprodução/Youtube CNN Brasil

No último dia 28 de janeiro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) divulgou a aprovação da venda de autotestes de antígeno para COVID-19 no Brasil. A liberação dos autotestes foi pedida pela pasta do ministro Marcelo Queiroga diante da explosão do número de casos com a chegada da variante Ômicron.

O autoteste de antígeno busca a presença de anticorpos produzidos pelo organismo na presença do vírus Sars-CoV-2, causador da COVID-19. É parecido com o teste rápido, mas pode ser feito por indivíduos que não são profissionais da saúde, em casa, utilizando o kit que vem com um dispositivo de teste, um tampão de extração (solução líquida que reage quimicamente com a amostra para detecção dos anticorpos), filtro e o swab (espécie de cotonete usado para a coleta nasal). O teste de antígeno é diferente do teste RT-PCR, considerado padrão ouro, pois este detecta, diretamente, a presença de material genético do vírus no organismo. 

Esse tipo de teste é recomendado para pessoas sintomáticas e pode ser realizado entre o 3º e o 7º dias de sintomas. No Brasil, a aprovação da ANVISA libera a venda de autotestes para farmácias e estabelecimentos de saúde licenciados à comercialização de dispositivos médicos. Aqui, o resultado do autoteste não terá valor oficial e o resultado positivo não será considerado caso confirmado; seu uso será para triagem e monitoramento de casos. Países como a França iniciaram a implementação dos autotestes com este mesmo sentido; contudo, a circulação da variante Ômicron e a sobrecarga do sistema de testagem levou o governo francês a assumir o resultado do autoteste como oficial mediante assinatura de declaração de honra pelo cidadão. 

A decisão da ANVISA tem sido postergada há algum tempo e os principais questionamentos dos diretores giram em torno de elementos cruciais para a condução da política de saúde no tocante à pandemia. Antes da aprovação, os diretores criticaram a falta de uma política pública do Ministério da Saúde para testagem ampla da população, visto que a pasta coloca os autotestes comprados como suficientes por si só, em um cenário de falta de orientação sobre como se dará a notificação; ou seja, se os casos positivos autodiagnosticados serão incluídos no balanço oficial; além da ausência de esforços para que os testes sejam distribuídos gratuitamente. 

Mediante a aprovação, não significa que os autotestes de antígenos estejam já disponíveis para compra, mas que a ANVISA, a partir de agora, aceita pedidos de regulamentação por parte de empresas que os produzam para análise e, só então, liberação do registro e comercialização – espera-se que tenham as primeiras aprovações já em fevereiro. A medida permite, também, que empresas criem sistemas com QRCode para registro dos resultados, além de manter sob responsabilidade de cada uma as orientações acerca do método de coleta.  

Para o Ministério da Saúde, a autotestagem servirá como triagem, afirmando que orientará a busca por atendimento nos serviços de saúde – atualmente sobrecarregados – para quem testou positivo no autodiagnósitico. A pasta se comprometeu junto à ANVISA a incluir orientações sobre o uso do autotestes em uma atualização do Plano Nacional de Expansão de Testagem para COVID-19 – o PNE Teste.  

POR QUE ESSE É O JEITO ERRADO? 

O valor epidemiológico dos autotestes é um elemento de suma importância, mas há ambivalência, por parte do MS, na adoção da medida.

A principal finalidade do autoteste deve ser agilidade: detectando resultado positivo, o indivíduo pode se isolar e avisar seus contatos, além de ter mais segurança no encerramento dos períodos de isolamento. Ademais, pode-se utilizar esse dispositivo pós-pico da pandemia, com testagem regular da população em vez de ater a mensuração da transmissão comunitária estritamente às taxas de internação, novos casos e óbitos. Contudo, para que a autotestagem funcione dessa forma contributiva à condução da pandemia, é necessário que sua implantação seja melhor organizada.O autoteste enquanto medida de saúde pública é potencialmente importante para o monitoramento e prevenção. Depreende-se isto do cenário atual dos estabelecimentos de saúde, onde, devido à sobrecarga, o indivíduo precisa enfrentar horas de fila em algumas localidades ao buscar testagem, submetendo-se à contaminação caso não esteja doente. 

O Ministério da Saúde não encara a aprovação dos autotestes pela ANVISA com o devido compromisso. O valor epidemiológico dos autotestes é um elemento de suma importância, mas há ambivalência, por parte do MS, na adoção da medida. Os casos suspeitos de doença transmissível devem ser notificados para fins de consolidação dos dados epidemiológicos; entretanto o MS deixa a cargo do voluntarismo das empresas e da responsabilidade individual do cidadão a notificação dos resultados.

Isto significa assumir o risco de subnotificação, principalmente quando se considera a possibilidade de falsos negativos no autodiagnóstico; além da irresponsabilidade de deixar sob as empresas a logística de dados que, por sua sensibilidade, precisam ser armazenados em bases do Estado. 

COMO FAZER DO AUTOTESTE UMA MEDIDA EFICAZ NA POLÍTICA DE SAÚDE?

A falta de definição sobre a operacionalização da autotestagem pode fazer com que se percorra o trajeto inverso do pretendido: aliviar a sobrecarga do sistema de saúde e monitorar os casos de COVID-19. 

O acesso à autotestagem como algo restrito a quem pode comprar gera iniquidades em saúde; ao passo que fornece a quem pode pagar a segurança do monitoramento de seu tempo de isolamento e da notificação de seus contatos, quem não pode pagar – independente do custo que venham a ter os autotestes de antígeno – continua dependente das unidades de saúde e do número insuficiente de testes atualmente ofertado à população. 

Para que a autotestagem seja uma medida sanitária eficaz, com vistas à diminuição da transmissão, monitoramento de casos e consolidação epidemiológica, é necessário que os autotestes de antígeno façam parte do PNE Teste não apenas como objeto de orientação, mas como política pública concreta. O Ministério da Saúde deve subsidiar estados e municípios para o fornecimento de autotestes de antígeno que sejam distribuídos amplamente para a população SUS-dependente, mediante a devida orientação de como realizar, interpretar o resultado e, principalmente, dar seguimento. 

A distribuição dos autotestes deve ser acompanhada, também, do aumento de oferta dos testes de RT-PCR, já que os autotestes positivos precisarão de confirmação através do padrão ouro. Para mais, é indispensável o maior aporte de recursos humanos, materiais e tecnológicos às unidades de saúde, viabilizando o monitoramento dos casos suspeitos, a fim de que se retire dúvidas, trie os casos que demandem confirmação por RT-PCR e, sobretudo, possibilite a devida notificação dos casos nos sistemas já regulamentados no SUS.

Por fim, mas não menos importante, as orientações devem abranger, também, o descarte dos resíduos em saúde gerados pelos autotestes. A população deve ser orientada ao descarte do kit de autotestagem em farmácias e unidades de saúde, para a devida destinação dos resíduos e segurança dos trabalhadores da limpeza urbana. 

A autotestagem no Brasil será, portanto, uma medida sanitária eficaz quando se tornar uma política pública inserida em um programa de saúde para sua execução, com ampla distribuição, definição dos meios de notificação e seguimento dos casos – garantindo acesso a todas as pessoas e não se restringindo apenas a quem pode pagar. 

 

*A Coletiva SUS é um coletivo em defesa da saúde pública, universal, integral e equitativa no DF, atualmente formado por profissionais de saúde. Acesse o perfil no Instagram: @coletiva.sus