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Nos meus embates quase cotidianos com a teoria política, sempre considerei “bonapartismo” um dos conceitos mais difíceis de mobilizar. Ele ingressa na tradição marxista a partir, obviamente, do 18 Brumário, referindo-se a uma situação em que a classe burguesa abre mão do exercício do poder político para garantir a perpetuação de sua dominação social. Mas Marx não o constrói formalmente como categoria; usa-o para a interpretação de uma situação concreta, mesclando-o sem moderação com sua indisfarçada repulsa por Napoleão III – que surge em seu livro como uma espécie de Eduardo Cunha pré-Belle Époque, um estafador barato alçado aos píncaros do poder.
Desde então, o bonapartismo é tratado às vezes como excepcionalidade, às vezes como forma padrão da dominação burguesa. Pode ser usado para caracterizar regimes tão distintos entre si quanto a Alemanha de Bismarck, os fascismos, a Argentina de Perón, as ditaduras militares sul-americanas do século XX, as tecnocracias, os “populismos” de direita de hoje…
Um excelente guia para entender o conceito é o recente livro de Felipe Demier, A teoria marxista do bonapartismo (Usina Editorial, 2021). Trata-se de uma reconstituição competente e minuciosa do entendimento do bonapartismo nos escritos de Marx, Engels, Trótski e Gramsci. Talvez até minuciosa em excesso no caso de Trótski, a quem é dedicado quase metade do livro, incluindo uma longa explicação da teoria do desenvolvimento desigual e combinado (muito útil, por sinal, para quem deseja conhecer o pensamento do revolucionário russo).
Um último capítulo enfrenta, de forma breve mas cuidadosa, a utilização do bonapartismo em obras de Poulantzas e de Losurdo. Embora reconheça méritos, Demier considera que os dois autores estendem demais a abrangência do conceito, fazendo com que perca pregnância – ao vê-lo como derivação quase automática da “autonomia relativa do Estado”, no caso de Poulantzas, ou como a resposta possível à incorporação das massas à política, no caso de Losurdo.
Eu me inclino para uma visão oposta. Tendo a julgar que, por caminhos diversos, Poulantzas e Losurdo apontam corretamente para a generalização de elementos bonapartistas como aspecto central da dominação política no capitalismo contemporâneo. Mas isto é próprio dos bons livros de teoria política: levam não necessariamente à concordância, mas a uma maior clareza e aprofundamento de nossas próprias visões.
Escrito em prosa elegante e clara, A teoria marxista do bonapartismo é, até onde conheço, a melhor síntese crítica de um debate complexo e importante. Merece a leitura.
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