As últimas semanas de 2021 e o início de 2022 estão marcadas por uma movimentação política que trouxe perplexidade e muitas reflexões para uma parcela significativa do ativismo e militância da esquerda brasileira, que desde 2016 tem enfrentado as consequências do golpe jurídico, parlamentar e midiático que levou o Brasil ao pesadelo do governo Bolsonaro: as tratativas entre Lula e Alckmin para a chapa presidencial de 2022.
Muitos aspectos políticos desta possível aliança (confirmada recentemente pelo ex-presidente em sua página no twitter) já foram abordados em textos anteriores aqui em nosso portal e trata-se de um debate muito importante, central, para o conjunto da esquerda, considerando que a luta em curso para a derrota de Bolsonaro deve ser o centro das organizações da esquerda e dos movimentos sociais neste ano que recém se inicia.
A necessidade de derrotar o projeto neofascista do governo Bolsonaro, que está muito enfraquecido, mas para nada pode ser desprezado, e a unidade das organizações da classe trabalhadora para colocar em marcha a disputa de uma alternativa política que se enfrente com o movimento neofascista que dá sustentação à Bolsonaro, e também contra a direita tradicional, que busca construir uma “terceira via”, não pode significar a ausência de um debate profundo entre as organizações e o ativismo para estabelecer parâmetros sobre quais alianças são necessárias para impulsionar a luta e quais criam confusão em nossas fileiras. Por isso, o debate sobre quais alianças são aceitáveis e quais são desnecessárias, é uma discussão central para que tenhamos condições de reverter a correlação de forças desfavorável para a classe trabalhadora, que muito perdeu ao longo dos últimos seis anos em todos os terrenos da vida social em nosso país.
Geraldo Alckmin, ex-governador tucano de São Paulo por quatro mandatos, é um nome que cumpriu um papel determinante para o projeto neoliberal no país, não apenas pela globalidade das políticas implementadas em São Paulo, inclusive no apoio ao golpe de 2016, à prisão de Lula e à agenda do capital financeiro ao longo destes seis anos, que foi o pano de fundo para o rompimento das elites com o pacto de conciliação de classes dos governos petistas. Alckmin esteve longe de ser um “democrata” ou alguém “comprometido com os interesses do povo”.
Vamos analisar a seguir o passado recente de Alckmin, num ponto que figura entre as maiores preocupações do povo brasileiro e que tem sido sistematicamente atacado pelo governo Bolsonaro: a educação pública.
Alckmin esteve à frente do governo paulista entre 2001 e 2006 e 2011 e 2018. Ao longo destes períodos, foi o principal responsável pela implementação de uma gestão da educação pública no estado mais rico da nação, que tem como principal característica o retrocesso dos direitos dos profissionais da educação pública de São Paulo e o ataque aos direitos educacionais dos estudantes da rede estadual através do sucateamento e da privatização crescente das escolas estaduais, impondo seus planos, inclusive, com muita truculência e repressão.
Dentre os legados do tucano arrependido está o fechamento das salas do ensino médio noturno, a superlotação das turmas que permaneceram abertas, a aprovação automática de estudantes, a baixa qualidade da merenda escolar, a falta de estrutura nas escolas, medidas que seguem afetando a realidade de estudantes e profissionais da educação
Dentre os legados do tucano arrependido está o fechamento das salas do ensino médio noturno, a superlotação das turmas que permaneceram abertas, a aprovação automática de estudantes, a baixa qualidade da merenda escolar, a falta de estrutura nas escolas, medidas que seguem afetando a realidade de estudantes e profissionais da educação em São Paulo, evidenciadas de forma dramática durante a pandemia. Tudo isso para garantir que o governo respeitasse a lei de responsabilidade fiscal e seguisse enchendo os bolsos dos banqueiros com o pagamento da dívida pública e as isenções fiscais para os grandes empresários financiadores das campanhas do PSDB em São Paulo.
Essa política educacional teve resultados trágicos para a juventude trabalhadora paulista, em particular para a juventude negra e periférica, que é a ampla maioria de estudantes da rede de ensino paulista. De acordo com o Censo Escolar 2016, a rede estadual abrigava 84% do total dos alunos que estão no Ensino Médio no estado de São Paulo. Cerca de 26% não concluíram os estudos e abandonaram a escola antes do fim do curso. Ao mesmo tempo que não garantiu a permanência e conclusão dos estudos para uma parte significativa de estudantes, a política de segurança pública colocou essa parcela da população como maior vítima da letalidade policial.
O ponto alto desta política de ataques ao direito dos estudantes foi a proposta de reorganização da rede estadual de ensino, que aprofundaria o fechamento de turnos e salas. O ataque do então governador foi respondido pelo movimento de ocupação pelos estudantes de quase 200 escolas em todo o estado e, como era a prática da gestão do ex-tucano, a resposta à legítima reivindicação dos estudantes foi a repressão pela PM seja nas mobilizações de rua impulsionadas pelos secundaristas nas regiões da cidade, seja com a invasão e truculência da PM em algumas escolas ocupadas.
Alckmin também atuou muito ativamente para desagregar as trabalhadoras e trabalhadores em educação e sempre foi muito duro no tratamento às mobilizações e greves em defesa de nossas reivindicações. Além de impor uma política de congelamento salarial, foi em sua gestão que a lógica meritocrática de carreira deu um salto com a imposição de provas, Prova Mérito, para qualquer reajuste salarial com critérios que atendiam apenas a uma parcela minoritária da categoria, criando, assim, um ambiente de competitividade entre professoras e professores, a serviço de aprofundar a divisão em nossas fileiras para melhor ter condições de impor seus ataques.
Aliás, outro legado do ex-governador foi a criação de uma fragmentação na carreira dos servidores e servidoras estaduais que hoje estão divididos em distintas categorias, que significam distintas situações funcionais marcadas por uma profunda precarização, que é nefasta, principalmente, para as trabalhadoras e trabalhadores temporários com menos direitos e muito mais suscetíveis ao assédio moral por parte das chefias.
Diante da necessidade de defender a educação pública tão duramente atacada pelo governo Bolsonaro ao longo dos últimos anos e, em particular durante a pandemia, um projeto da esquerda precisa reverter todo o legado neoliberal na educação, como o Teto dos Gastos, e investir de forma maciça nos próximos anos na área para recuperar o que perdemos e para dar uma perspectiva para a juventude trabalhadora que se encontra nas escolas públicas.
Isso significa investir 10% do PIB na educação pública, atacar o apartheid educacional, que divide o país entre um ensino privado e de qualidade para os ricos e setores médios e melhor remunerados e uma educação básica pública e sucateada para as filhas e filhos da classe trabalhadora, e garantir a valorização das trabalhadoras e trabalhadores da educação. Para isso é necessário romper com as políticas neoliberais, que colocam os interesses dos banqueiros e grandes capitalistas à frente das necessidades e interesses do povo trabalhador. Pelo seu histórico passado e recente, Geraldo Alckmin, não é um aliado para que avancemos no caminho. O que precisamos é uma frente de esquerda, sem Alckmin, a direita e os golpistas e um programa a serviço da maioria.
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