Recentemente Lula encontrou-se com Aloysio Nunes, importante nome do PSDB. O encontro marca mais um dos vários passos que Lula tem dado em direção às representações tradicionais da burguesia brasileira e do imperialismo norte-americano. Nunes não é apenas um nome histórico dos tucanos, na sua história recente foi o candidato à vice-presidência em 2014 com Aécio Neves, um dos articuladores do golpe de 2016, líder do governo Temer no senado e posteriormente ministro do governo. Tudo isto deveria carimbá-lo como uma das figuras mais abjetas da direita brasileira, sem que houvesse qualquer perspectiva de aliança com o que ele representa. Infelizmente, não é o caso para Lula. Sob o discurso de garantir uma governabilidade para o seu possível governo e estabilidade para o Brasil depois de 4 anos de caos e destruição promovidos por Bolsonaro, Lula tem pesado a mão em acenos aos partidos e políticos que representam os interesses da burguesia. Se com uma mão acena à esquerda e com outra à direita, sem dúvidas a mão direita tem sido a mais usada.
As pesquisas eleitorais demonstram um cenário que não justifica os afagos de Lula aos representantes da direita. Há um bom tempo os números do ex-presidente apontam para uma posição confortável no primeiro turno
As pesquisas eleitorais demonstram um cenário que não justifica os afagos de Lula aos representantes da direita. Há um bom tempo os números do ex-presidente apontam para uma posição confortável no primeiro turno — em alguns casos indicando até vitória — e um quadro seguro para o segundo. Assim, Lula parece sacrificar as possibilidades de construção de um programa de reformas estruturais para o país em nome de uma aliança que não encontra respaldo ou necessidade diante da população. Ao procurar um ponto comum de diálogo com a burguesia, Lula não faz com que a direita avance em direção a um programa de esquerda, mas faz com que o seu possível programa recue em direção aos interesses da direita. Entre as pautas colocadas de lado em nome da conciliação, a questão ambiental é uma das que mais sofre. No encontro com Aloysio Nunes, Lula destacou momentos no qual os petistas e tucanos atuaram em conjunto e conseguiram encontrar interesses em comum na sua atuação política. Um destes momentos destacados pelo ex-presidente foi a aprovação do Código Florestal em 2012 [1].
Com o grau de devastação promovida pelo atual governo é até difícil recordar coisas ruins que o antecederam, mas o Código Florestal aprovado durante o governo Dilma foi duramente criticado por especialistas e ativistas. O código abriu brechas para o desmatamento, anistia aos que desmataram, redução das APPs e outros diversos pontos polêmicos, como a possibilidade de repor áreas desmatadas em outras regiões, ocasionando a destruição de biomas sem qualquer consequência para os desmatadores. O que Lula aponta como uma vitória da unidade, na verdade foi uma grande derrota para a preservação ambiental no país e uma demonstração de submissão aos interesses ruralistas em detrimento da proteção dos nossos biomas e dos povos que deles dependem diretamente. Em última instância, é uma derrota para todos nós na medida em que somos todos afetados pela destruição da natureza e estamos sentido isto claramente com os diversos eventos extremos que impactam o mundo nos últimos anos. Se é verdade que hoje a situação está muito pior, não devemos esquecer que antes não era nenhum paraíso e que muitas portas foram abertas no passado para que a situação chegasse ao extremo que hoje encontramos.
Antes da reunião com o líder do PSDB, Lula havia se encontrado — em reunião articulada pelo próprio Aloysio Nunes — com grandes empresários do agronegócio e representantes da bancada ruralista. Lula fez questão de ressaltar que o agronegócio cresceu durante seus governos e que ele é o melhor nome para mediar os interesses antagônicos entre os ruralistas e movimentos como o MST, reivindicando uma missão de “pacificar” o país [2]. Se existe algo que aprendemos durante todos os governos desde a redemocratização é que não há possibilidade de conciliar os interesses campesinos e os interesses dos latifundiários, além de que os grandes ruralistas representam a violência no campo, a opressão sofrida por pequenos agricultores em todo o país e a destruição dos nossos biomas. Não é possível construir um programa de transformação do Brasil em aliança com o que há de mais atrasado no nosso país.
Por último, é válido ressaltar um dos movimentos mais infames de Lula recentemente: o namoro político com Alckmin. A possibilidade do ex-tucano como vice é a mais eloquente declaração de que Lula vê a possibilidade de conciliar os interesses das classes dominantes e das classes oprimidas. Alckmin é um tradicional representante da burguesia e um histórico inimigo da classe trabalhadora. Não é preciso ir longe para recordar os seus feitos enquanto governador de São Paulo, sendo o responsável pela criminosa desocupação de Pinheirinho e bárbaras repressões aos professores, estudantes e trabalhadores em greve.
o ex-governador [Alckmin] foi o primeiro padrinho político de Ricardo Salles, fazendo dele seu secretário particular e depois o colocando como Secretário de Meio Ambiente.
Também é preciso recordar que Alckmin defendeu a prisão de Lula e reafirmou diversas vezes que o encarceramento do ex-presidente era um avanço para o país. Além de todas estas questões, Alckmin também representa um tipo particular de negacionismo e destruição da natureza. Os seus governos foram marcados pelo sucateamento de órgãos de proteção ambiental, perseguição a servidores públicos responsáveis pela fiscalização, precarização de parques estaduais e privatizações. Entretanto, a sua maior marca na questão ecológica foi a catastrófica gestão da água. Alckmin foi diretamente responsável pela crise hídrica que atingiu São Paulo entre os anos de 2014 e 2016, omitindo informações importantes sobre a real situação da crise com a intenção de manter uma boa imagem para a reeleição [3]. No meio da crise, Alckmin afirmou que ninguém havia ficado sem água [4], o que diz muito sobre o ex-governador, já que as comunidades pobres e periféricas de São Paulo passaram longos períodos com falta de água ou com o fornecimento extremamente precarizado e insalubre. Para completar o papel anti-ecológico de Alckmin, o ex-governador foi o primeiro padrinho político de Ricardo Salles, fazendo dele seu secretário particular e depois o colocando como Secretário de Meio Ambiente. Hoje conhecemos Salles como a principal face do ecocídio em marcha no país, mas já no governo de São Paulo o ex-ministro mostrava suas verdadeiras cores ao envolver-se em escândalos com perseguição a servidores públicos e falsificação de documentos, visando favorecer mineradoras da região [5].
Não há dúvida de que Lula é o melhor nome para derrotar Bolsonaro. Na verdade, é o único que pode derrotá-lo. Entretanto, isto não pode significar carta branca para que qualquer aliança e concessão seja feita. Precisamos de um programa que desfaça toda a barbárie a qual estamos submetidos desde 2016 e que passou por um vertiginoso aprofundamento desde 2019. Não é possível fazer o programa e governo que precisamos em aliança com aqueles que conspiraram contra nós. É impossível aplicar as reformas estruturais necessárias em conjunto com os setores que se beneficiam com a precarização da vida da classe trabalhadora. Não há possibilidade de projetar um futuro para o país sem tomar como central a preservação ambiental. Precisamos de um programa voltado aos trabalhadores, mulheres, negros e negras, indígenas, LGBTQIA+. Um programa profundamente ecológico. Nada disso pode ser feito de mãos dadas com Alckmin e a direita.
*Matheus Hein Souza é Mestrando em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)
[1] https://br.noticias.yahoo.com/lula-busca-figuras-hist%C3%B3ricas-psdb-120500371.html
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