Pular para o conteúdo
MUNDO

Com greve de fome de 141 dias, palestino consegue liberdade e questiona uso de “detenções administrativas”

Atos denunciam o uso do recurso da “detenção administrativa” por parte do Estado de Israel e a situação dos 4.500 palestinos em prisões israelenses

Roberto “Che” Mansilla*, do Rio de Janeiro, RJ

No último dia 04 de janeiro, o preso político palestino Hisham Abu Hawash decidiu pôr fim a sua longa greve de fome, que durou impressionantes 141 dias. Imagens de seu semblante frágil, quase esquelético (havia entrando em estado de coma) viralizavam nas redes sociais, depois de uma importante campanha entre ativistas de direitos humanos e de pessoas solidárias a causa palestina, mesmo com o silêncio costumeiro da mídia oligopolista.

Depois de uma negociação difícil que envolveu autoridades israelenses, egípcias e palestinas, os militares sionistas concordaram em libertar Hisham no próximo mês, não renovando, portanto, a ordem de detenção administrativa do preso palestino que, de forma dramática, mas decidida, optou em protestar durante quase cinco meses contra essa injusta prática de prisão prolongada sem acusação ou julgamento por parte do Estado colonialista e racista de Israel.

Abu Hawsh, de 40 anos, foi detido por Israel em outubro de 2020 durante um protesto na Vila de Dura, próximo a Hebron, na Cisjordânia, e imediatamente colocado sob detenção administrativa por seis meses. Sua ordem de detenção foi renovada mais de uma vez.

Mas o caso de Abu Hawash não é uma exceção. É uma das marcas da violência colonial israelense que já prendeu milhares de palestinos apenas por exercerem seu direito à resistência anticolonial1.

O que é a “prisão administrativa”?

É uma prática adotada para deter os palestinos por períodos intermináveis sem acusação formal nem julgamento, conforme pretextos de “ameaça à segurança pública” de Israel. Trata-se, na verdade, de um sequestro que o Estado sionista pratica para fazer os ativistas palestinos desaparecerem da vida pública por tempo indeterminado. Uma vez designadas as supostas evidências como “confidenciais”, a detenção pode ser renovada reiteradamente, ordens geralmente acatadas pelos tribunais israelenses.

Também é um exemplo gritante de violação de direitos humanos, agravada pela prática legalizada de tortura física ou psicológica no sistema prisional israelense. Os julgamentos ocorrem em cortes militares e têm altíssima taxa de condenações dos palestinos, na quase totalidade dos processos.

A detenção administrativa é indiscutivelmente uma das práticas que mais definem Israel e o que ele representa: a perpetuação da violência opressiva na qual os palestinos não têm direitos e qualquer reconhecimento de tais violações pela comunidade internacional requer representações na mídia de um prisioneiro palestino à beira de morte. Por isso, chama a atenção o fato de que essas constantes práticas de violações de direitos tenham a conivência de grande parte da comunidade internacional e da própria ONU, a suposta guardiã dos direitos humanos, que é omissa nesses crimes contra a Humanidade.

Vale lembrar que o uso de detenção administrativa indefinidamente renovável por Israel, assim como as leis utilizadas por Israel para lidar com os palestinos dos territórios ocupados após 1967 ou dos palestinos de Israel entre 1948 e 1966, foram copiadas e adaptadas das práticas utilizadas pelos britânicos no Mandato da Palestina e/ou em sua dominação pelo mundo.2

“Nossa decisão é liberdade… não à detenção administrativa”

Como uma decisão coletiva de resistência, os palestinos em detenção administrativa decidiram começar o ano novo recusando-se a comparecer às sessões judiciais. Iniciaram um boicote ao sistema judicial militar de Israel que mantem palestinos em injusta situação de encarceramento prolongado, sem julgamento ou acusação. Trata-se de um aspecto importante para a ocupação em seu sistema de opressão.

Sob o lema “Nossa decisão é liberdade… não à detenção administrativa”, os detidos administrativos disseram em um comunicado que sua ação vem como uma continuação dos esforços palestinos de longa data “para acabar com a detenção administrativa injusta praticada contra nosso povo pelas forças de ocupação”.3

Trata-se, portanto, de uma atitude consciente e determinada de denúncia à opinião pública internacional de mais uma política sistemática de violação de direitos perpetrados pelo Estado colonialista e racista de Israel contra os palestinos. Por sua vez, significa uma posição de solidariedade a Abu Hawash que se encontrava em sua dolorosa greve de fome e enfrentava um perigo iminente de morte.

Segundo o site Samidoun (Rede de Solidariedade com os Presos Políticos Palestinos), nesse momento há 500 presos palestinos submetidos a detenção administrativa e mais de 4.500 continuam a lutar por sua liberdade.4

Os presos também chamam a atenção para o fato de Israel ter expandido o recurso da detenção administrativa nos últimos anos, para incluir mulheres, idosos e crianças. Aliás, Israel é o único país do mundo a processar crianças rotineiramente em tribunais militares sem salvaguardar as condições básicas para um julgamento justo5. No dia 10 de janeiro, foi divulgada mais uma inacreditável notícia: a decisão das autoridades sionistas em prorrogar a detenção administrativa por mais seis meses de um menino palestino que tem distúrbio imunológico! Em uma prática terrível, de terrorismo de estado!6

Também na segunda (10) soubemos que o Exército israelense mais uma vez violou qualquer norma de legalidade e prendeu cinco líderes estudantis palestinos em frente ao campus da Universidade de Birzeit (na Cisjordânia) provocando protestos e indignação pelos ataques em andamento à vida estudantil palestina. As forças especiais da ocupação invadiram o campus com uma força combinada de unidades disfarçadas carregando revólveres e soldados bem armados, abrindo fogo contra estudantes palestinos. Trata-se de mais ação repressiva do Estado colonialista de Israel agora sobre o ativismo estudantil palestino que também é parte da resistência. (veja o vídeo da ação israelense)

Na manhã dessa terça-feira (12), palestinos organizaram vários comícios na Cisjordânia ocupada em uma demonstração de solidariedade aos prisioneiros palestinos em Israel. Um dos principais protestos foi em frente ao escritório do Comitê Internacional da Cruz Vermelha na cidade central de Al-Bireh7. Os participantes pediram a grupos internacionais de direitos humanos que intervenham para libertar Nasser Abu Hamid, prisioneiro palestino que luta contra o câncer na detenção. De acordo com ONGs palestinas, entre os mais de 4.500 presos palestinos em prisões israelenses, pelo menos 600 são prisioneiros doentes.

Esses fatos mostram como a política sionista continua a mesma, buscar dominar o máximo do espaço da Palestina, com o mínimo possível de direitos e da própria presença dos habitantes originários da terra. Somente mudam sua intensidade e seus métodos de acordo com a resistência enfrentada e com a pressão dos movimentos sociais do mundo.

2022: continuar a necessária solidariedade ao povo palestino

2021 para a Palestina ocupada – não obstante a contínua violação de direitos mais básicos dos palestinos pelo Estado sionista (casas demolidas, terras roubadas, grande número de civis mortos, violência generalizada de colonos paramilitares, elevadíssimo aumento de prisões administrativas etc.) – foi o ano em que a causa palestina cresceu, mostrou como pulsa em toda a Palestina e no exílio, tendo se legitimado. Por seu lado, o Estado de Israel, mesmo mantendo sua incontestável supremacia econômica e militar – apoiada no inabalável apoio dos governos das potências ocidentais – avançou para um isolamento e uma deterioração globais perante as maiorias exploradas e oprimidas do mundo, talvez como nunca antes.

De fato, no ano que passou tivemos uma decisão há muito esperada, em que o Tribunal Penal Internacional finalmente abriu uma investigação sobre crimes de guerra cometidos por Israel; e que a principal organização israelense de direitos humanos (B’Tselem), e a mais importante internacionalmente (Human Rights Watch), publicaram relatórios consistentes acusando Israel de ser um regime de apartheid e de cometer crimes humanitários. 

A jornalista Yumna Patel afirmou, corretamente, que 2021 foi “um ano divisor de águas para os palestinos8, pois mesmo com sua fragmentação forçada, a solidariedade e unidade global entre os palestinos (dentro e fora dos territórios ocupados) foi multitudinária. Foi, portanto, um ano de “lutas e vitórias” políticas, de reafirmação da sua unidade por sobre fronteiras, arames farpados e muros. Ao mesmo tempo, os levantes do mês de maio mostraram a dramática incapacidade e mesmo conivência da direção palestina com o regime israelense. A voz da Autoridade Palestina não foi escutada enquanto as tropas sionistas reprimiam os manifestantes em Jerusalém Oriental e na Cisjordânia, ao mesmo tempo que bombardeavam Gaza. Isso tornou mais aguda e urgente a criação de uma nova direção nacional e social palestina a partir da nova geração que entrou em luta.

Em 2022 no ano em que se completam 74 anos da ocupação da Palestina nos encontremos novamente nas ruas e nas redes para abraçar com solidariedade a causa de um povo que ousa desafiar um dos maiores aparatos militares e repressivos do mundo. E que o determinado protesto de Abu Hawash possa também fortalecer ainda mais uma campanha internacional para a libertação de todos os presos políticos palestinos (que são parte fundamental da resistência palestina) para derrotar o único apartheid do século XXI.

 *Professor de História da rede municipal do RJ e militante da Resistência/PSOL.

NOTAS


1  Ver artigo de Ramona Wadi “Greves de fome destacam detenção injusta de prisioneiros políticos por Israel” in https://www.middleeastmonitor.com/20201029-hunger-strikes-highlight-israels-unjust-detention-of-political-prisoners/ (Consultado em 09.01.2022)

2  Agradeço a Waldo Mermelstein por essa importante observação, além de outras feitas ao longo do presente artigo.

3  https://www.aljazeera.com/news/2022/1/4/palestinian-prisoners-launch-boycott-of-israeli-military-courts (Consultado em 09.01.2022)

4  https://samidoun.net/es/2022/01/victoria-para-hisham-abu-hawash-tras-141-dias-de-huelga-de-hambre/ (Consultado em 09.01.2022)

5  https://www.middleeastmonitor.com/20201029-israel-is-subjecting-palestinian-children-to-physical-and-psychological-abuse/ (Consultado em 09.01.2022)

6  https://www.middleeastmonitor.com/20220110-israel-extends-detention-of-sick-palestinian-boy-held-without-charge/ (Consultado em 11.01.2022)

7  https://www.middleeastmonitor.com/20220111-palestinians-rally-in-support-of-prisoners-held-by-israel/ (Consultado em 11.01.2021)

8  Yumna Patel “2021 em revista: um ano de lutas e vitórias para a causa palestina” (28.12.2021) in https://mondoweiss.net/2021/12/2021-in-review-a-year-of-struggle-and-victories-for-the-palestinian-cause/?utm_content=bufferb5195&utm_medium=social&utm_source=facebook&utm_campaign=buffer&fbclid=IwAR07PFZzEF4evGB7M2BfYWtI6Jn-DGt0uTD1T4b7pMWKns7LT1jxzHcFUS8 (Consultado em 11.01.2021)

Marcado como:
Israel / palestina