Em artigo publicado nesta quinta-feira, 06, no jornal Folha de S. Paulo, o jurista e professor Silvio Almeida defendeu a revogação da reforma trabalhista, aprovada pelo Congresso Nacional em 2017 e criticou o ex-presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia, que saiu em defesa da reforma. O debate foi suscitado pela revisão de parte da reforma trabalhista espanhola, enviada pelo governo do Partido Socialista ao parlamento espanhol, e, principalmente, por declarações de Lula e de lideranças da esquerda, comemorando o envio e defendendo medidas semelhantes ao Brasil, desde a revisão de pontos até a revogação completa da reforma.
No artigo “Quando as diferenças aparecem”, Almeida afirma a necessidade de debate sobre medidas que enfrentem a desigualdade e o legado bolsonarista, para além da “unidade superficial” formada para derrotar o governo Bolsonaro e suas medidas genocidas. “Não se reergue um país arrasado apenas com o slogan ‘Fora Bolsonaro’”, afirma. Ele considera que, à medida em que as eleições se aproximam, não é mais possível aos presidenciáveis se esconder no “emaranhado de frases feitas” e que estes devem apresentar as alternativas com nitidez. “Será em debates como a reforma trabalhista que as diferenças entre os presidenciáveis começarão a aparecer”.
“Aproxima-se a hora de dizer o que seria um país pós-Bolsonaro para além da falação. E só quando as diferenças se apresentarem é que ficará evidente quem quer de fato romper com as mazelas que levaram ao bolsonarismo ou quem quer simplesmente dar sequencia à destruição que o atual governo não conseguiu ultimar, seja pela força da contingência histórica, seja por pura incompetência”.
O artigo de Almeida teve como principal alvo Rodrigo Maia, que criticou a sinalização dada por Lula sobre as medidas levadas adiante no Estado Espanhol. Em entrevista no mesmo jornal, Maia havia criticado as declarações petistas e afirmado que revogar o conteúdo da reforma trabalhista provocaria o “engessamento” do mercado de trabalho.
Almeida criticou especialmente as falas de Maia que apontam como solução, em vez de anular a reforma, “uma melhor qualificação dos trabalhadores”, com foco na igualdade de gênero no mercado de trabalho e na qualificação formal da população negra. Almeida acusa Maia de defender a reforma que é base de sustentação do governo Bolsonaro, e de, usando o discurso da falta de qualificação, tentar “colocar na conta do trabalhador o seu próprio desemprego”. O professor ataca especialmente a parte da fala de Maia que propõe um olhar atento às minorias como se isso fosse capaz de resolver o desemprego:
“A inegável dimensão racial e de gênero da economia politica não é um problema que se resolve com compaixão. O que mais dificulta a vida de negros e mulheres no mercado de trabalho é justamente a precarização, a informalidade e o desemprego, tudo que a reforma potencializou.
Negros e mulheres formam o grande contingente de trabalhadores desempregados, informais, terceirizados e sem proteção social neste país. Se há de fato uma preocupação com a situação “estrutural” da economia, como disse o deputado, este grande monumento ao fracasso nacional denominado reforma trabalhista precisa ser revisto. É por aí que será possível ver quem de fato quer se diferenciar da arquitetura da destruição bolsonarista não apenas na aparência, mas especialmente no conteúdo.”
Silvio Almeida está mais do que correto ao afirmar que “a reforma trabalhista é uma tragédia”. De fato, a reforma não criou os empregos prometidos por figuras como Maia, Temer e Rogério Marinho, e aumentou a desigualdade e a precarização, a exemplo da Espanha, onde atualmente 26% dos contratos de trabalho são temporários. A tragédia brasileira se abateu com mais força sobre mulheres negras e sobre a juventude, com o avanço do trabalho por plataforma e a uberização do trabalho. O portal Alma Preta cita a Pesquisa do Perfil dos Entregadores Ciclistas de Aplicativo, que aponta que 71% dos entregadores ciclistas são negros, que, em 2019, precisavam trabalhar cerca de 14 horas por dia para receber, em média, R$ 963 por mês.
Breque dos entregadores, em Niterói (RJ).
Não há defender a reforma trabalhista de 2017, como farão Maia, Doria e Alckmin, e tampouco reformá-la ou revisá-la. Aprovada em 2017, a reforma compõe, juntamente com a Lei do Teto de Gastos e a reforma da Previdência, o pilar de sustentação dos governos pós-golpe e do avanço do capital sobre os direitos. Almeida está correto ao afirmar que o momento é de apresentar com nitidez as propostas para reconstruir o Brasil e as diferenças entre os presidenciáveis. Neste sentido, mesmo as posições defendidas por Lula e o PT ainda não são nítidas e precisam avançar para a defesa da revogação da reforma trabalhista e das demais contrarreformas, e não apenas uma revisão pontual ou remendos sobre este ataque histórico à classe trabalhadora brasileira. Ao mesmo tempo, é preciso avançar em medidas que reconheçam a relação trabalhista e os direitos de entregadores e motoristas de aplicativo, hoje uma mão de obra descartável e principais vítimas da pandemia. Como defende o PSOL, é necessário derrotar Bolsonaro, o que não está garantido apesar das pesquisas, e uma unidade da esquerda precisa, ao mesmo tempo, assumir um programa que de fato mude o país, enfrentando a desigualdade e enterrando o legado do bolsonarismo e do golpismo, sem conciliação.
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