(Artigo original publicado na íntegra em 29 de dezembro de 2021 em cadtm.org )
Neste estudo, Éric Toussaint percorre o período que vai do século 15 ao século 21, pondo em relevo os efeitos dramáticos da globalização capitalista.
O início da mundialização/globalização remonta às consequências da primeira viagem de Cristóvão Colombo, que em outubro de 1492 desembarcou no litoral de uma ilha do mar das Caraíbas [1]. É este o ponto de partida para uma intervenção brutal e sangrenta das potências marítimas europeias na história dos povos das Américas, região do Mundo que, até essa época, se mantivera arredada de relações regulares com a Europa, a África e a Ásia. Os conquistadores espanhóis, bem como os portugueses, britânicos, franceses, holandeses [2], conquistaram as terras que apelidaram Américas [3], provocando a morte da grande maioria da população indígena, a fim de explorarem ao máximo os recursos naturais (nomeadamente o ouro e a prata) [4]. Simultaneamente, as potências europeias partiram à conquista da Ásia. Mais tarde completaram o seu domínio na Australásia e por fim em África.
Em 1500, logo no início da intervenção brutal dos Espanhóis e Portugueses nas Américas Central e do Sul, esta região contava com pelo menos 18 milhões de habitantes (certos autores adiantam números muito mais elevados, indo até aos 100 milhões [5]). Um século depois apenas restavam 8 milhões de habitantes (incluindo os colonos europeus e os primeiros escravizados africanos). No caso da maior parte das ilhas do mar das Caraíbas, os indígenas foram exterminados na sua totalidade. Note-se que durante muito tempo os Europeus, apoiados pelo Vaticano [6], não consideravam os indígenas das Américas como seres humanos. [7] Este ponto de vista era muito conveniente para quem os queria exterminar e explorar.
Tabela 1. Comparação entre a evolução da população da Europa Ocidental e a da América Latina entre 1500 e 1820 (em milhões) | |||
1500 | 1600 | 1700 | |
Europa Ocidental | 57 | 74 | 81 |
América Latina | 18 | 8(*) | 12(*) |
(*) Estes dois números incluem os ameríndios, os colonos europeus e os escravizados levados à força de África. |
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Cálculos de Éric Toussaint, com base em Angus Maddison, 2001 |
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O Novo Mundo descoberto e ilustrado do nosso tempo», de André Thevet, 1575. Fonte: NYPL Library.
Na América do Norte, a colonização europeia começou no século 17, conduzida essencialmente pela Inglaterra e pela França, e entrou em rápida expansão no século 18, numa época marcada também pela importação massiva de escravizados africanos. As populações indígenas foram exterminadas ou empurradas para fora das zonas de implantação dos colonos europeus. Em 1700 os indígenas constituíam três quartos da população; em 1820 não chegavam a 3 %.
Até à integração forçada das Américas no comércio planetário, o eixo principal das trocas comerciais intercontinentais atravessava a China, a Índia e a Europa. [8] O comércio entre a Europa e a China fazia-se por vias terrestres e marítimas (via mar Negro) [9]. A principal via que ligava a Europa à Índia (tanto a região do Gujarat no Noroeste da Índia, como os portos de Calicute e Cochim na região de Kerala, no Sudoeste) passava pelo mar Mediterrâneo, Alexandria, Síria, Península Arábica (porto de Mascate) e por fim o mar Arábico. A Índia tinha também um papel activo nas trocas comerciais entre a China e a Europa.
Até ao século 15, os progressos técnicos realizados na Europa dependiam da transferência de tecnologia vinda da Ásia e do mundo árabe.
Em finais do século 15 e ao longo do século 16, o comércio começou a percorrer outras vias. No momento em que o genovês Cristóvão Colombo, ao serviço da Coroa espanhola, abriu a rota marítima para as Américas [10] pelo Atlântico, dirigindo-se para oeste, Vasco da Gama, o navegador português, rumou para a Índia, também pelo oceano Atlântico mas rumando a sul. Bordeja as costas ocidentais de África do Norte e do Sul, dobra o cabo da Boa Esperança na ponta sul de África e depois segue para leste. [11]
Fernão de Magalhães ficou conhecido por ter planificado e dirigido a expedição espanhola de 1519 para as Índias Orientais, através do Pacífico, em busca de uma rota comercial marítima. Descobriu a passagem interoceânica à qual foi dado o seu nome (situada no extremo sul da Argentina) e efectuou a primeira navegação europeia de leste para oeste, do Atlântico em direção à Ásia. Esta expedição, no decurso da qual Magalhães foi morto na batalha de Mactan (actualmente Filipinas) em 1521, foi a primeira circum-navegação da Terra, quando um dos dois navios restantes da expedição, composta por cinco pessoas, regressou finalmente a Espanha em 1522.
A violência, a coerção e o roubo estão no cerne dos métodos empregues por Cristóvão Colombo, Vasco da Gama e Fernando Magalhães, a fim de servirem os interesses das coroas espanhola e portuguesa.
Nos séculos seguintes, as potências europeias e os seus servidores recorreram sistematicamente ao terror, ao extermínio e à extorsão, combinados com a procura de aliados locais dispostos a porem-se ao seu serviço. Numerosos povos da Terra veem o curso da sua história inflectir brutalmente sob os golpes dos conquistadores, dos colonos e do capital europeu. Outros sofreram um destino ainda mais terrível, pois foram exterminados ou reduzidos à situação de estrangeiros no seu próprio país. Outros ainda foram transplantados à força de um continente para outro e submetidos à escravatura.
É certo que os períodos históricos que precederam o século 15 da era cristã foram marcados em numerosas ocasiões por conquistas, pela dominação e pela barbárie, mas esses feitos não abarcavam o planeta inteiro. O que é notável ao longo dos últimos cinco séculos é que as potências europeias partiram à conquista do Mundo inteiro e em três séculos conseguiram estabelecer uma relação brutal entre (quase) todos os povos do Mundo. Ao mesmo tempo, a lógica capitalista conseguiu por fim dominar todos os outros modos de produção (sem necessariamente os eliminar por completo).
A partir do fim do século 15, a mercantilização capitalista do mundo teve uma primeira aceleração; outras se seguiram, nomeadamente no século 19, com a difusão da revolução industrial a partir da Europa Ocidental e a colonização «tardia» de África pelas potências europeias. As primeiras crises económicas internacionais ligadas ao ciclo do capital (na indústria, na finança e no comércio) explodiram a partir do início do século 19 e provocaram nomeadamente as primeiras crises da dívida. [12] O século 20 foi palco de duas guerras mundiais (com epicentro na Europa) e de várias tentativas infrutíferas de construção do socialismo. A viragem do capitalismo mundial em direcção ao neoliberalismo, a partir da década de 1970, e a restauração do capitalismo no ex-bloco soviético e na China voltaram a acelerar a mundialização/globalização.
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Moeda de 50 escudos que celebra os cinco séculos de Vasco da Gama, 1969 (by cgb is licensed under CC BY-SA 3.0)
Segunda viagem intercontinental de Vasco da Gama (1502)
Lisboa – cabo da Boa Esperança – África de Oriental – Índia (Kerala)
Após uma primeira viagem à Índia realizada com sucesso em 1497-1499, Vasco da Gama voltou a ser enviado pela coroa portuguesa em missão àquela região, com uma frota de 20 navios. Parte de Lisboa em fevereiro de 1502. Quinze navios fizeram a viagem de regresso e cinco (sob o comando do tio de Vasco da Gama) ficaram para trás, a fim de proteger as bases portuguesas na Índia e bloquear os barcos que partissem da Índia pelo mar Vermelho, para impedir o comércio entre essas duas regiões. Vasco da Gama dobra o cabo em junho e faz escala na África Oriental em Sofala, para comprar ouro. [13] Em Kilwa força o soberano local a aceitar o pagamento de um tributo anual pago em pérolas e ouro e a seguir parte para a Índia. Cruza-se ao largo de Cananor (a 70 km a norte de Calicute, hoje chamada Kozhikode) com navios árabes que regressavam do mar Vermelho. Apodera-se de um navio que regressava de Meca com peregrinos e uma carga de valor. Uma parte da carga é pilhada e o navio incendiado. A maior parte dos passageiros e da tripulação é morta. A seguir aporta a Cananor, onde troca presentes com o soberano local (oferece ouro e recebe em troca pedras preciosas), mas não estabelece negócio, pois parece-lhe demasiado alto o preço das especiarias. Faz-se à vela para Cochim (hoje chamado Kochi), ancora os seus navios diante de Calicute e exige ao soberano local que expulse toda a comunidade de negociantes muçulmanos (4.000 famílias) que utilizam o porto como base comercial com o mar Vermelho.
Perante a recusa do samudri, o soberano local hindu, Vasco da Gama manda bombardear a cidade, como de resto já tinha feito em 1500 Pedro Álvares Cabral, outro navegador português. Levanta âncora para Cochim no início de novembro, onde compra especiarias em troca de prata, cobre e têxteis roubados ao navio que tinha afundado. Estabelece um entreposto comercial permanente no Cochim e deixa lá cinco navios, para proteger os interesses portugueses.
Antes de abandonar a Índia, de regresso a Portugal, a frota de Vasco da Gama foi atacada por mais de 30 navios financiados pelos negociantes muçulmanos de Calicute. São derrotados após um bombardeamento português. Em consequência, uma parte da comunidade comerciante muçulmana de Calicute decide estabelecer-se noutro lugar. Estas batalhas navais mostram claramente a violência e o carácter criminoso das ações de Vasco da Gama e da frota portuguesa.
Vasco da Gama regressa a Lisboa em outubro de 1503 com 13 dos seus navios e perto de 1.700 toneladas de especiarias, ou seja, uma quantidade semelhante à que Veneza trazia anualmente do Médio Oriente em finais do século 15. As margens de lucro do comércio português eram bastante maiores que as dos Venezianos. A maior parte das especiarias desembarcava na Europa via Anvers, principal porto dos Países Baixos espanhóis e, nessa época, o porto europeu mais importante.
As expedições marítimas chinesas no século 15
Os europeus não foram os únicos a realizar longas viagens e a descobrir novas rotas marítimas, mas, manifestamente, foram os mais agressivos e conquistadores.
Algumas décadas antes de Vasco da Gama, entre 1405 e 1433, sete expedições chinesas rumaram em direção a oeste e visitaram nomeadamente a Indonésia, o Vietname, a Malásia, a Índia, o Ceilão, a Arábia (estreito de Ormuz e mar Vermelho), as costas orientais de África (nomeadamente Mogadíscio e Melinde).
Os europeus não foram os únicos a descobrir novas rotas marítimas, mas foram os mais belicosos e conquistadores
No reinado do imperador Yongle, a marinha da dinastia Ming «abrigava aproximadamente um total 3.800 navios, dos quais 1.350 navios-patrulha e 1.350 navios de combate adstritos aos postos de vigia e às bases insulares, uma frota principal de 400 grandes navios de guerra ancorados perto de Nanquim e 400 navios de carga para transporte de cereais. Havia ainda 250 navios-tesouro de grande raio de acção» [14]. Eram cinco vezes maiores que qualquer dos navios de Vasco da Gama, com 120 metros de comprimento e 50 metros de boca. Os navios maiores tinham pelo menos 15 compartimentos estanques, de modo que um rombo num compartimento não fazia afundar o navio e podia ser reparado em alto mar.
As suas intenções eram pacíficas, mas tinham força militar suficiente para fazer frente a qualquer ataque, o que apenas aconteceu em três ocasiões. A primeira expedição teve por destino as Índias e suas especiarias. As outras tiveram por missão explorar a costa oriental da África, o mar Vermelho e o golfo Pérsico.
A China adiantou-se incontestavelmente à Europa Ocidental em numerosos pontos
O objectivo principal destas viagens era o estabelecimento de boas relações, com a oferta de presentes e a escolta de embaixadores ou soberanos que se dirigiram à China ou de lá partiram. Não foi feita qualquer tentativa de estabelecer bases com fins comerciais ou militares. Os Chineses procuravam novas plantas medicinais e uma das missões trouxe consigo 180 membros da profissão médica. Em contraste, na primeira viagem de Vasco da Gama à Índia a tripulação era composta por cerca de 160 homens, alguns deles artilheiros, além de músicos e três intérpretes árabes. Depois de 1433 os Chineses desistiram das suas expedições de longo curso e dedicaram-se ao desenvolvimento interno.
Em 1500 os níveis de vida eram comparáveis
Quando as potências europeias se lançaram à conquista do resto do mundo, no fim do século 15, o nível de vida e o grau de desenvolvimento dos Europeus não eram superiores a outras grandes regiões do Mundo. A China ultrapassava incontestavelmente a Europa Ocidental em numerosos aspectos: condições de vida dos habitantes, nível científico, trabalhos públicos, [15] qualidade das técnicas agrícolas e de produção. A Índia encontrava-se mais ou menos em pé de igualdade com a Europa, nomeadamente do ponto de vista das condições de vida dos seus habitantes e da qualidade dos produtos manufacturados (os seus têxteis e o seu ferro eram de melhor qualidade que os europeus) [16]. A civilização inca, nos Andes da América do Sul, e a dos Astecas, no México, eram também elas muito avançadas e florescentes.
Os Europeus não viviam melhor que os povos das outras grandes regiões do Mundo antes de se lançarem à conquista
É preciso usar muita prudência quando se trata de definir critérios de desenvolvimento e evitar a limitação dos cálculos ao produto interno bruto por habitante. A esperança de vida, o acesso à água potável, as condições de segurança, a qualidade da saúde, o respeito pelas diferenças, a relação entre homens e mulheres, os mecanismos de solidariedade colectiva constituem no seu conjunto critérios de comparação mais importantes que o PIB por habitante. Dito isto, mesmo que apenas nos limitemos a este último critério e lhe juntemos a esperança de vida e a qualidade da alimentação, os Europeus não viviam melhor que os povos das outras grandes regiões do Mundo antes da conquista.
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Colombo ao largo da costa setentrional de Cuba. Fonte: NYPL Library
O comércio intra-asiático antes da intromissão das potências europeias
Em 1500 a população asiática era cinco vezes superior à da Europa Ocidental. A população indiana só por si representava o dobro da europeia ocidental [17]. A região representava por isso um vasto mercado, com uma comunidade de negociantes asiáticos que operava entre África e a Índia e entre as Índias Orientais e a Indonésia. A leste do estreito de Malaca o comércio era dominado pela China.
Os negociantes asiáticos conheciam bem a direcção sazonal dos ventos e os problemas da navegação no oceano Índico. Havia numerosos navegadores experientes na região e tinham à sua disposição um conjunto de estudos científicos sobre astronomia e navegação. Os seus instrumentos de navegação não ficavam muito atrás dos instrumentos portugueses.
Da África Oriental a Malaca (no estreito apertado que separa Sumatra da Malásia), o comércio asiático era efectuado por comunidades de mercadores que desenvolviam as suas actividades sem navios armados nem ingerência assinalável dos governantes.
As coisas mudaram radicalmente com os métodos empregues pelos Portugueses, Holandeses, Ingleses e Franceses ao serviço dos respectivos estados e comerciantes. As expedições marítimas lançadas pelas potências europeias em direcção a vários lugares da Ásia aumentaram consideravelmente, conforme mostra o quadro abaixo (extraído de Maddison, 2001). Maddison indica claramente que Portugal foi sem qualquer dúvida a potência dominante na Ásia durante o século 16. Foi substituído no século seguinte pelos Holandeses, que se mantiveram dominantes ao longo do século 18, com os Ingleses a ocuparem a segunda posição.
Tabela 2. Número de navios enviados para a Ásia por sete países europeus, 1500–1800 | |||
1500-99 | 1600-1700 | 1701-1800 | |
Portugal | 705 | 371 | 196 |
Países Baixos | 65* | 1770 | 2950 |
Inglaterra | 811 | 1865 | |
França | 155 | 1300 | |
Outros países | 54 | 350 | |
Total | 770 | 3161 | 6661 |
* ano de 1590 | |||
Fontes: Portugal 1500-1800, dados de Vitorino Magalhães Godinho, em Bruijn Gaastra (1993), pp. 7 e 17; outros dados extraídos de Bruijn Gaastra (1993), pp. 178 e 183. Os «outros países» designam barcos das companhias de comércio dinamarquesas e suecas e da companhia de Ostende. |
Notas da parte 1
[1] Este artigo tem múltiplas origens. A versão actual foi apresentada a 28 de outubro de 2021, numa conferência em linha organizada pela Universidade de CEBU, nas Filipinas, no âmbito de um seminário intitulado «Perspectivas Coloniais: Reclamemos os Nossos Direitos Enquanto Povos do Sul Global» (Decolonial Perspectives: Reclaiming our rights as People from the Global South). É uma versão largamente aumentada da conferência dada pelo autor em Kerala (Índia) a 24 de janeiro de 2008, com o título «Impactos da Globalização sobre os Camponeses Pobres». As partes acrescentadas foram redigidas em 2017 e 2021.
[2] Há que juntar-lhes os Dinamarqueses, que fizeram algumas conquistas no mar das Caraíbas, não esquecendo, mais a norte, a Groenlândia («descoberta» alguns séculos antes). Recordemos que os Noruegueses já tinham chegado à Groenlândia e ao «Canadá» muito antes do século 15. Ver nomeadamente a viagem de Leif Ericsson no início do século 11 até às «Américas» (onde se deslocou do Labrador até à extremidade setentrional da Terra Nova), onde foi estabelecida uma breve colonização, por muito tempo esquecida, na Anse aux Meadows.
[3] O nome América provém de Américo Vespúcio, navegador italiano ao serviço da coroa espanhola. Os povos indígenas dos Andes (Quechuas, Aymaras, etc.) chamam ao seu continente Abya-Yala.
[4] Na lista dos recursos naturais convém incluir os novos recursos biológicos levados pelos Europeus para os seus países e depois difundidos pelas restantes terras que conquistaram. Contam-se entre eles o milho, a batata, a batata-doce, a mandioca, os pimentos, o tomate, o amendoim, o ananás, o cacau e o tabaco.
[5] Os números relativos à população das Américas antes da conquista pelos europeus são objecto de estimativas muito diferentes. Borah calcula que a população das Américas chegava aos 100 milhões em 1500, Biraben e Clark, em estudos separados, falam de cerca de 40 milhões. Braudel avalia a população das Américas entre 60 e 80 milhões em 1500. Maddison adopta uma estimativa muito inferior, calculando que a população da América Latina era de 17,5 milhões em 1500, ficando reduzida a menos de metade um século depois do início da conquista. No caso do México, calcula ele que a população passou de 4,5 milhões em 1500, para 1,5 milhões um século mais tarde (ou seja, um despovoamento de dois terços dos habitantes). Neste artigo, por prudência, opto pela hipótese mais baixa. Mas mesmo nesta hipótese, a invasão e a conquista das Américas pelos Europeus são claramente comparáveis a um crime contra a Humanidade e a um genocídio. As potências europeias que conquistaram as Américas exterminaram povos inteiros e os mortos contam-se aos milhões, provavelmente dezenas de milhões.
[6] As realezas espanhola e portuguesa, que dominaram durante três séculos a América do Sul, a América Central e uma parte das Caraíbas, serviram-se, enquanto potências católicas, do apoio do papa para perpetrarem os seus crimes. Juntemos a isto que a coroa espanhola expulsou no final do século 15 os muçulmanos e os judeus (que não se converteram ao cristianismo) durante e após a Reconquista (que é concluída em 12 de janeiro de 1492). Os judeus que foram expatriados e não renunciaram à sua religião judaica encontraram refúgio principalmente nos países muçulmanos, no seio do Império Otomano, muito tolerante em relação a outras religiões.
[7] Deste ponto de vista, a mensagem do papa Bento XVI, aquando da sua viagem à América Latina em 2007, é particularmente injuriosa para com a memória dos povos vitimados pela dominação europeia. De facto, longe de reconhecer os crimes cometidos pela Igreja Católica contra as populações indígenas das Américas, Bento XVI quis fazer crer que estes aguardavam a mensagem de Cristo levada pelos Europeus a partir do século 15.
[8] Ao longo dos tempos, os Europeus trouxeram da Ásia, nomeadamente, a produção têxtil de seda, o algodão, a técnica do vidro soprado, a cultura do arroz e a cana-de-açúcar.
[9] Nomeadamente a famosa Rota da Seda entre a Europa e a China, percorrida pelo veneziano Marco Polo em finais do século 13.
[10] Oficialmente Cristóvão Colombo procurava chegar à Ásia (nomeadamente à Índia) fazendo rota para oeste, mas sabe-se que ele esperava encontrar novas terras desconhecidas dos Europeus.
[11] A partir do século 16, a utilização do oceano Atlântico para rumar da Europa para a Ásia e Américas marginalizou o Mediterrâneo durante quatro séculos, até ser escavado o Canal de Suez. Até finais do século 15 os principais portos europeus (Veneza e Génova) situavam-se no Mediterrâneo. A partir daí os portos do Atlântico foram ganhando predominância – Anvers, Londres, Amsterdam.
[12] Ver Éric Toussaint, A Bolsa ou a Vida. A Dívida Externa do Terceiro Mundo: As Finanças contra os Povos, cap. 7. Fundação Perseu Abramo, Brasil, 2002, 416 p. A primeira crise internacional da dívida ocorreu no primeiro quartel do século 19, afectando simultaneamente a Europa e as Américas (está ligada à primeira crise mundial de superprodução de mercadorias). A segunda crise internacional da dívida explodiu durante o último quartel do século 19 e as suas repercussões afectaram todos os continentes.
[13] Nas cidades costeiras do Leste de África aglomeravam-se comerciantes – árabes, indianos do Gujarat e de Malibar (= Kerala) e persas – que importavam tecidos de seda e algodão, especiarias e porcelanas da China, e exportavam algodão, madeiras preciosas e ouro. Aí se encontravam também pilotos de costa que conheciam bem as condições das monções no mar Árabe e no oceano Índico.
[14] Needham, 1971, p. 484.
[15] No século 15 Pequim estava ligada às suas zonas de abastecimento alimentar pelo Grande Canal, que se alongava por 2.300 km e no qual navegavam facilmente as barcaças, graças a um engenhoso sistema de comportas.
[16] A comparação entre os produtos internos brutos por habitante dos Europeus e do resto do Mundo é assunto de grande controvérsia. As estimativas variam fortemente consoante as fontes. Outros autores que não Paul Bairoch, Fernand Braudel e Kenneth Pomeranz consideram que em 1500 a Europa não tinha um PIB por habitante superior ao de outras regiões do Mundo como a China. Maddison opõe-se radicalmente a esta opinião (acusando-os de subestimarem o desenvolvimento da Europa Ocidental) e calcula que o PIB por habitante da Índia em 1500 era igual a 550 dólares (de 1990) 1990) e o da Europa Ocidental de 750 dólares. O que devemos reter de toda esta polémica entre autores é que em 1500, antes de as potências europeias partirem à conquista do Mundo, tinham um PIB por habitante que representava entre 1,5 e 2 vezes o da Índia, ao passo que 500 anos mais tarde essa relação é 10 vezes superior. É razoável deduzir que o recurso à violência e à extorsão por parte das potências europeias (às quais se juntaram mais tarde os EUA, o Canadá, a Austrália e outros países de emigração europeia dominante) constitui em boa parte a base da sua vantagem económica presente. O mesmo raciocínio se aplica ao Japão, com algum desfasamento de tempo, pois o Japão, que entre 1500 e 1800 tinha um PIB por habitante inferior ao da China, apenas se transformou numa potência capitalista e conquistadora em finais do século 19. A partir desse momento, a progressão do seu PIB por habitante foi fulgurante: multiplicou-se por 30 entre 1870 e 2000 (a crer em Maddison). É durante esse período que se distancia verdadeiramente da China.
[17] Ver Maddison, 2001, p. 260.
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