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MUNDO

Mortes nos EUA: Não há nada de natural neste desastre

Lucro acima da vida das pessoas mata trabalhadores no Meio-Oeste dos Estados Unidos

Thomas Hummel*. Tradução: Wilma Olmo Corrêa.
Reprodução

Centro de distribuição da Amazon foi destruído pelo tornado. Telhado foi arrancado e paredes de concreto desabaram. Seis trabalhadores morreram.

Seis trabalhadores em um depósito da Amazon perto de St. Louis, em Edwardsville, Illinois, e oito trabalhadores em uma fábrica de velas da Mayfield Consumer Products na pequena cidade de Mayfield, no oeste do Kentucky, foram mortos por um tornado em 10 de dezembro que afetou grande parte do meio-oeste dos Estados Unidos.

Não houve nada de “natural” nesse desastre. Embora seja difícil atribuir qualquer tornado diretamente à mudança climática, os tornados em dezembro são extremamente raros, já que o ar quente é o que lhes fornece o combustível. O clima na região afetada tem sido excepcionalmente quente. Victor Gensini, professor associado de ciências atmosféricas da Northern Illinois University comentou: “Lembro-me de acordar, olhar os mapas meteorológicos e dizer: ‘Nossa, isso parece muito mais com o final de abril do que com meados de dezembro.”

A mudança climática causou um aumento na frequência de tornados nos últimos vinte anos.

Esse desastre não foi natural em outro aspecto. As mortes de todos os 14 trabalhadores eram absolutamente evitáveis. Com a piora do tempo, os trabalhadores de ambas as localidades pediram para voltar para casa, temendo por sua segurança. Em ambas as empresas, eles foram informados de que, se saíssem, seriam demitidos.

Diálogo de uma das vítimas do tornado, Larry, com sua namorada, pouco antes do desabamento.

É espantoso que alguém seja capaz de conciliar a ideia de que nossa sociedade é baseada na liberdade mais irrestrita do mundo e o fato de que os trabalhadores podem ser comunicados de que, se insistirem em se manter seguros no presente imediato, não serão capazes de alimentar a si e a suas famílias em breve. Este é, de fato, o tipo mais terrível de tirania e é a realidade do trabalho precarizado e de baixa remuneração.

Longe de ser uma situação pontual para a Amazon, a empresa tem um histórico de colocar o lucro acima da segurança de seus trabalhadores durante desastres climáticos. No Noroeste Pacífico, os funcionários da Amazon foram forçados a trabalhar durante uma onda de calor recorde durante o verão, com temperaturas em seus depósitos chegando a 32o. A empresa até fez “competições de produtividade” durante as ondas de calor. Da mesma forma, durante o furacão Ida, na cidade de Nova York, os funcionários da Amazon foram forçados a permanecer no emprego enquanto a cidade experimentava as piores enchentes de sua história.

Empresas como a Amazon carregam uma grande parcela da responsabilidade pelas mudanças climáticas. Tendo implementado nada além de medidas simbólicas para minimizar seu impacto climático, ela agora está forçando seus funcionários a arriscar suas vidas em meio a desastres climáticos para que possam continuar a gerar enormes lucros para a empresa. Esses lucros alcançaram 20,33 bilhões de dólares em 2020. Suponho que os funcionários podem ficar tranquilos sabendo que seu sofrimento ajuda a contribuir para os sonhos megalomaníacos de Bezos de deixar uma Terra que ele envenenou para colonizar o espaço.

É realmente inacreditável que isso seja legal. Houve tentativas de tornar ilegal a demissão de trabalhadores por não comparecerem ao trabalho durante um desastre “natural”, mas a Amazon lutou contra a legislação que teria evitado que essa catástrofe acontecesse.

A grande mídia liberal tem uma atitude ambivalente em relação à Amazon. Por um lado, eles celebram seu sucesso e eficiência como um símbolo brilhante do poder do livre mercado. Por outro lado, a Amazon se tornou uma espécie de bicho-papão. Eles apontam para algumas das práticas predatórias da Amazon como uma aberração, um monstro em cuja ausência o sistema funcionaria de acordo com sua utópica imaginação. Mas a realidade é que a Amazon existe dentro de um sistema competitivo e essa competição significa que ela é pressionada a adotar práticas como essas. É verdade que a Amazon “superou o monopólio” dos monopólios, mas na medida em que as empresas adaptam suas práticas de negócios para se assemelhar às da Amazon, esta tem que se esforçar cada vez mais para manter sua posição. São seus trabalhadores os que sofrem as consequências disso. A empresa garante a entrega em dois dias, prática que cada vez mais empresas estão copiando e, se não conseguirem, correm o risco de perder fatias do mercado. Essa dinâmica é agravada durante a temporada de férias, quando os trabalhadores são pressionados com mais intensidade do que em qualquer outra época do ano. As mortes em Mayfield e Kentucky destacam ainda mais como este não é apenas um problema da Amazon, mas um problema sistêmico, sendo o capitalismo sua raiz.

Tudo isso destaca a necessidade premente de os trabalhadores formarem sindicatos. Um bom sindicato pode proteger os funcionários de demissões quando uma empresa ameaça excluí-los se eles agirem racionalmente para se manterem seguros. O sindicato poderia informá-los sobre os direitos existentes e dar-lhes a confiança de que não teriam que enfrentar a empresa sozinhos se os defendessem. Ter um sindicato permitiria que os trabalhadores opinassem sobre sua segurança no trabalho, em vez de esperar que os donos ​​de sua empresa que não são responsabilizados por suas ações adotariam as medidas corretas em seu interesse. A experiência mostra que, a menos que sejam forçadas, as empresas não tomarão essas medidas.

Protesto em março de 2021, em solidariedade com os trabalhadores da Amazon de Bessmer.

A Amazon gastou quase US$ 10.000 por dia com consultores para derrotar a campanha de sindicalização em Bessemer, Alabama. Mas o Conselho Nacional de Relações Trabalhistas determinou que a Amazon havia adotado práticas de combate aos sindicatos durante a campanha sindical e que haverá outra votação na unidade. Em condições mais equitativas, há esperança de que os trabalhadores, desta vez, possam votar a favor da formação de um sindicato. Independentemente de suas táticas de combate aos sindicatos, a Amazon também tem uma alta rotatividade em seus armazéns, com três por cento da força de trabalho demitindo-se todas as semanas devido a condições de trabalho desumanas e inseguras, que tornam qualquer esforço para organizar um sindicato logisticamente difícil. Desnecessário dizer que ainda há um longo caminho a percorrer para sindicalizar a empresa, mas há sinais encorajadores, como o recém-eleito presidente dos Teamsters1 ter afirmado que sindicalizar a empresa é uma de suas principais prioridades. As iniciativas sindicais bem-sucedidas também têm o potencial de se influenciarem mutuamente e os trabalhadores podem olhar para a vitória dos trabalhadores da Starbucks em Buffalo, Nova York, e a forma como o êxito já se espalhou, mostrando-lhes que faz sentido lutar por um sindicato para melhorar suas próprias vidas.

A relação entre capital e trabalho é como a relação entre lobos e ovelhas. Você pode construir uma cerca e contratar um pastor para manter as ovelhas seguras, mas não há como mudar a essência desse relacionamento, que é inerentemente predatório. A ideologia do capitalismo faz todos os esforços para disfarçar a natureza dessa relação. Mas a morte dos trabalhadores em Edwardsville e Mayfield é uma evidência para milhões sobre a natureza dos lobos. Formar um sindicato é como construir uma cerca e contratar um pastor, mas, no final das contas, os trabalhadores da Amazon terão que usar esse poder para ir além, para pressionar por um tipo totalmente diferente de relacionamento, onde as ovelhas podem ficar em pé e se tornarem humanas.

*Thomas Hummel é membro do Tempest Collective e do DSA (Democratic Socialists of America) com sede em Nova York e nasceu em Buffalo, Nova York. Artigo publicado originalmente em Tempestmag.org. 

 

NOTAS

1  International Brotherhood of Teamsters – IBT (Irmandade Internacional dos Caminhoneiros) é um sindicato nos Estados Unidos e Canadá. Formado em 1903 pela fusão de várias organizações locais e regionais de caminhoneiros, a união agora representa uma diversa coletividade de trabalhadores manuais e outros profissionais tanto públicos quanto privados. O sindicato tinha aproximadamente 1,4 milhão de membros em 2007 (https://pt.wikipedia.org/wiki/Teamsters).