Leher: Universidades e Institutos Federais devem seguir a Ciência contra o despacho do pastor e ministro da Educação, Milton Ribeiro

Ministro da Educação emitiu despacho "proibindo" a exigência do passaporte vacinal no ensino superior


Publicado em: 30 de dezembro de 2021

Brasil

Roberto Leher, do Rio de Janeiro, RJ

Esquerda Online

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O governo Bolsonaro segue em sua cruzada de morte e desconstituição de tudo o que é público, motivado pela guerra cultural concebida pela extrema direita estadunidense. Em 23/12, o ministro da Saúde, em sintonia com o negacionismo antivax, estabeleceu um boicote à vacinação de crianças de 5 a 11 anos ao determinar a obrigatoriedade de um inacessível atestado médico. Como em uma competição pelo negacionismo, em 29/12/21, o pastor e ministro da Educação publicou um exótico e inconstitucional “Despacho” proibindo, expressamente, as universidades federais e as instituições federais de ensino de exigirem o “passaporte de vacinação”. As medidas poderiam compor o roteiro de “Não olhe para cima”, filme dirigido por Adam McKay, tudo isso em um contexto em que o número de casos de Covid bateu o recorde mundial: 1.730.636 casos em 29/12 com perto de 8 mil mortos.

A pergunta óbvia é como as instituições universitárias e os institutos federais irão se portar frente à mais esse ataque à ciência, à vida e à autonomia universitária. Como instituições de educação, ciência e cultura seria extremamente perigoso se, por temor ou por conivência, dirigentes instarem suas comunidades a bradar: “não olhem para cima”. Seguindo a tradição crítica – a despeito do medo decorrente das reais coerções estatais e da agência da extrema direita neofacista – o Despacho do ministro-pastor pode ser um deflagrador da insubmissão coletiva das instituições frente ao negacionismo, ao desmanche orçamentário das instituições e aos termos da guerra cultural, confirmando, assim, a força do agir ético das instituições federais de educação.

Considerando que a matriz dessa investida provém da extrema direita estadunidense, é necessário pontuar alguns termos dos embates nos EUA que podem ajudar a encaminhar o debate e as lutas contra o negacionismo.

Breves notas sobre as ações da extrema direita estadunidense contra o “passaporte da vacina”

Apesar de inexistir falta de vacina, nos EUA apenas 62% da população está plenamente vacinada com duas doses. A força do movimento antivax é acentuada em diversos estados. Governadores republicanos, em sua maioria, aprovaram leis impedindo o “passaporte” e, também, o uso obrigatório de máscaras de proteção nas escolas e universidades. A magnitude do negacionismo provoca drásticas consequências. O recorde americano de casos diários de coronavírus foi quebrado à medida que duas variantes altamente contagiosas – Delta e Ômicron – se espalharam por todo o país. A média de sete dias de casos novos nos EUA chegou a 267.000 no dia 28/12, de acordo com um banco de dados do New York Times e, no dia 29/12, ultrapassou 300 mil novos casos. Em todo o mundo, Grã-Bretanha, Dinamarca, França, Grécia e Itália estabeleceram recordes de novos casos diários esta semana.

 No plano federal, o governo Biden aprovou norma estabelecendo o prazo de 8/12/21 para que todos os contratados federais estivessem totalmente vacinados. Contudo, a estrutura federativa introduz conflitos entre defensores de referências científicas (processualmente) comprovadas e, de outro lado, os negacionistas que, imbuídos da guerra cultural, pretendem ampliar o apoio às medidas de cariz neofascista. O governador Greg Abbott, do Texas, renovou sua proibição da aplicação de vacinas e máscaras no final de julho. Atualmente, 20 estados liderados por republicanos proíbem de alguma forma mandatos de vacinas.

Por isso, as mais de 500 instituições educacionais que exigiram a obrigatoriedade da comprovação da vacinação estão sob forte tensão. Até o presente, tem prevalecido nas Cortes Superiores a legalidade e a pertinência do passaporte, a exemplo da universidade de Indiana1. A juíza Amy Coney Barrett recusou o pedido de um grupo de alunos de frequentar as aulas sem a vacinação. As Universidades de Rutgers, Brown e Cornell já disseram que exigirão prova de vacinação para os alunos neste outono2.

Decisões como a de Indiana e de outros estados estão referenciadas em uma decisão da Suprema Corte de 1905 de que os estados podem exigir que os residentes sejam vacinados contra a varíola. “Uma comunidade tem o direito de se proteger contra uma epidemia de doença que ameace a segurança de seus membros”, escreveu o juiz John Marshall Harlan no caso Jacobson v. Massachusetts.

Estudo realizado por especialistas em saúde pública em Yale concluiu que as escolas que atingem taxas de vacinação muito altas – 90 por cento ou mais – podem retornar às operações normais desde que com um mínimo de distanciamento social e com testes sistemáticos e massivos. A síntese de um dos autores do estudo, A. David Paltiel, é precisa: os líderes universitários que não exigem vacinas são culpados de negligência no cumprimento do dever3.

Contexto no Brasil

O citado Despacho é mais um ato de um longo e pernicioso enredo de ataques à autonomia universitária do governo Bolsonaro. Com efeito, o leque de investidas é largo, abrangendo nomeações ilegítimas de reitores, programas como o Future-Se e o Reuni Digital, passando por ingerências governamentais na CAPES e nos órgãos de fomento. Com a referida medida alcança o que é mais precioso nas universidades e institutos: sua dignidade acadêmica, os valores democráticos e o compromisso com os direitos humanos.

A correta manifestação da UFBa é um balizamento necessário:

A Universidade Federal da Bahia informa então que sua Administração Central tem dado continuidade às gestões necessárias para fazer cumprir o disposto no § 1o. do Art. 8o. da Resolução No. 07/2021 do Conselho Universitário da Universidade Federal da Bahia, a saber: “As atividades presenciais nos campi da UFBA deverão ser realizadas somente por pessoas com esquema vacinal completo contra a COVID-19, cujo procedimento de controle será regulado por ato próprio da Administração Central”.4

Interditar a comprovação da plena vacinação de sua comunidade é interditar o retorno presencial das universidades e institutos. A queda orçamentária, superior a 45% nos últimos oito anos, e a virtual extinção dos recursos de investimento (atualmente residuais) impossibilitaram que muitas instituições pudessem ter empreendido imperiosas reformas das salas de aula, gabinetes de trabalho e laboratórios, em conformidade com as exigências de proteção à vida.

 Desse modo, a vacinação efetiva de toda comunidade é a única medida que pode ser capaz de permitir o retorno presencial, sempre em conformidade com os indicadores epidemiológicos que requerem outras lutas. Está claro que o governo Bolsonaro sonha com universidades sem aulas presenciais, pois sabe que os estudantes, os docentes, os técnicos e administrativos não irão silenciar diante do negacionismo e do desmanche das instituições.

Nesse sentido, Andes-SN, Fasubra, Sinasefe, UNE, ANDIFES, SBPC e todas as entidades afins, junto com partidos comprometidos com a democracia e os movimentos sociais, devem estar irmanados na unidade de ação pela derrogação do inacreditável Despacho. Mas não apenas. Urge um novo ciclo de lutas em prol de verbas públicas para a manutenção e desenvolvimento das instituições federais, ampliando, assim, as bases da luta estratégica em favor da liberdade de cátedra e da esfera pública não mercantil!

NOTAS

1  Adam Liptak, The Supreme Court won’t block Indiana University’s vaccine mandate. NYT, 12/8/21 https://www.nytimes.com/2021/08/12/us/supreme-court-indiana-university-covid-vaccine-mandate.html

2  https://www.nytimes.com/2021/04/06/us/politics/vaccine-passports-coronavirus.html

3  https://www.nytimes.com/2021/08/12/us/delta-variant-colleges-vaccines.html

4 . https://www.ufba.br/ufba_em_pauta/ufba-escolhe-vida-nota-da-universidade-federal-da-bahia

 

ANEXO

Nota Técnica do ANDES-SN sobre Despacho MEC – exigência de passaporte vacinal


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