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MUNDO

França: uma esquerda apagada diante da renovação da extrema direita

Patrícia A. G. de Souza
Mélenchon. Ele usa um casaco preto sobre o terno. é um homem branco, usa óculos e cabelos grisalhos. Tem a expressão séria.

Jean-Luc Mélenchon

Na França, a direita se renova e Marine Le Pen não reina mais sozinha entre os que ostentam orgulhosamente o racismo e defendem uma absurda identidade francesa não miscigenada.1 Aparentemente, Le Pen é desafiada por não ser suficientemente racista. Ela é contra imigrantes, mas, de acordo com o líder da extrema direita outsider, Eric Zemmour, não chega a defender a teoria da conspiração de que os muçulmanos vão tomar o poder no país e, por isso, devem ser expulsos. Monsieur Zemmour não é uma figura muito difícil de entender para os brasileiros: um jornalista que fala barbaridades “politicamente incorretas”, se coloca como novo, fora do sistema, e sequer tem um partido.

Os métodos da extrema direita francesa também renovam-se inspirando-se em métodos já bastante conhecidos nas Américas. Nesta segunda-feira (20/12), o jornal Le Monde falava do medo de uma “trumpização” (poderíamos chamar também de “bolsonarização”) das eleições presidenciais que ocorrerão ano que vem. Esteve entre os principais tópicos do twitter francês, desde o dia 10 de dezembro, #JeanMichelTrogneux, em referência a uma fake news de caráter claramente misógino e homofóbico, que afirmava que a esposa do presidente Emmanuel Macron, Brigitte Macron, teria sido um homem (Jean Michel) e feito uma cirurgia de redesignação sexual.

Valérie Precesse é candidata da direita “moderada” do partido de Sarkozy. De acordo com as últimas pesquisas eleitorais, provavelmente será a rival do atual presidente em um segundo turno. Ela tem 21% dos intenções de votos, enquanto ele tem 25%. Le Pen tem 16% de intenção de votos e Zemmour 12%.2 O centrista liberal Macron, que reprimiu duramente manifestações, nesse quadro quase nem soa tão mal… Mas o que acontece com a esquerda?

Jean Luc-Mélenchon, candidato da França insubmissa que teve 19% dos votos na última eleição, hoje aparece com apenas 10%. A recusa de setores progressistas de se unirem a ele em 2017 e o evidente encolhimento de sua influência política não é difícil de entender.

O candidato vem de uma tradição stalinista3, é o representante principal de sua agremiação política, na qual não parece haver muito espaço para outras figuras públicas. Seu discurso raramente toca em questões de gênero, raça (mesmo que se coloque em defesa dos imigrantes) e na questão ambiental. Olhando-o não se vê além de um homem branco da esquerda pré-68. Sua atuação, desde a sua derrota eleitoral, também evidencia suas limitações políticas, parecendo estar mais preocupado em demarcar posição do que em ter um programa.

No segundo turno de 2017, igualou a racista Le Pen e Macron, ignorando o que representaria para a população francesa de descendência africana a ascensão daquela que abertamente defende uma identidade nacional que os exclui. Diante da ascensão dos gilets jaunes (movimento que de certa maneira é possível comparar com junho de 2013, dada sua amplitude e diversidade) ignorou suas ambiguidades, chegando a falar de uma “revolução cidadã”, mesmo que muitos de seus participantes guinassem à extrema direita.

No decorrer da pandemia, sua política se definiu por ser contrária a proposta governista – seja ela qual fosse. Se Macron defendia o confinamento, isso era opressivo; se defendia a abertura, era descaso com a saúde pública; se defende a vacinação e viu como meio efetivo a cobrança do “passaporte da vacina” (o que de fato aumentou largamente a taxa de vacinados na França) esse era um atentado à liberdade individual (a mesma liberdade individual de contaminar a todos defendida por Bolsonaro).

No início da pandemia, diante da falta de recursos essenciais como álcool gel, foi solicitado às grandes empresas de perfumaria que vendessem esses produtos (o que foi feito), mas Mélenchon criticou a medida, pois na realidade todas as empresas deveriam ser nacionalizadas imediatamente (óbvio que não seria aqui defensora da propriedade privada dos meios de produção, mas é sério que o início da pandemia sem nenhum levante socialista seria o momento ideal para a revolução?). Resumindo: não parece ser possível ver Mélenchon como um candidato sério nem com um programa para a presidência.

Anne Hidalgo – descendente de republicanos espanhóis que foram para a França durante o franquismo, atual prefeita de Paris, candidata do partido socialista e frequentemente atacada por Mélenchon – realmente sob o aspecto econômico soa demasiadamente moderada, mas, ainda assim, dialoga mais com o presente, toca em importantes questões identitárias, tem uma grande preocupação ambiental, porém só é conhecida na capital francesa e marca meros 4%.

Ainda existem o Partido Comunista, que provavelmente se unirá à Mélenchon, e o trotskista Nouveau Parti Anticapitaliste (NPA), que apareceu em 2010 como uma novidade que uniria diversos agrupamentos de esquerda, mas que nunca conseguiu sair de sua bolha e acaba por ter dificuldade de ultrapassar 1% dos votos.

Assim, é notável que a esquerda francesa, que tantas vezes esteve na vanguarda, hoje necessita urgentemente de renovação, enquanto a direita cresce assustadoramente.

 

*Este artigo não representa, necessariamente, a posição do Esquerda Online. Somos um portal aberto aos debates e polêmicas da esquerda socialista.

 

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Notas


1  Ignoram um país fundado já sob o signo do hibridismo cultural entre gauleses, francos e romanos, que ao longo da Idade Média teve contato constante com o mundo islâmico e que deve seu lugar como potência econômica mundial à exploração imperialista de colônias africanas nos séculos XIX e XX.

2  Pesquisa publicada no Jornal Les Echos em 20 de dezembro de 2021.

3 Nota da Redação: Jean Luc-Mélenchon jamais foi stalinista. Sua militância sempre foi nas correntes trotskistas.

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