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Lula-Alckmin: a arquitetura de um erro estratégico

Lula e Alckmin, lado a lado, em jantar. Alckmin é homem branco, usa óculos, máscara preta, é calvo. Lula é homem branco, cabelos grisalhos, e máscara branca. Alckmin é mais alto que Lula. Os dois usam terno. Alckmin não usa gravata.
Ricardo Stuckert

Carlos Zacarias

Carlos Zacarias é doutor em História e pesquisador do Centro de Estudos e Pesquisas em Humanidades (CRH) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde leciona desde 2010. Entre 1994 e 2010 foi professor da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), onde dirigiu a Associação Docente (ADUNEB) entre 2000 e 2002 e entre 2007 e 2009. Colunista do jornal A Tarde de Salvador, para o qual escreve artigos desde 2006, escreve às quintas-feiras, quinzenalmente, sobre temas de história e política para o Esquerda OnLine. É autor de Os impasses da estratégia: os comunistas, o antifascismo e a revolução burguesa no Brasil (1936-1948) (São Paulo, Annablume, 2009) e no ano passado publicou De tédio não morreremos: escritos pela esquerda (Salvador, Quarteto, 2016) e ainda organizou Capítulos de história dos comunistas no Brasil (Salvador, Edufba, 2016). É membro da Secretaria de Redação da Revista Outubro e do Conselho Editorial das revistas Crítica Marxista, História & Luta de Classes, Germinal, entre outras.

A discussão sobre a eventualidade da formação de uma chapa entre Lula e Alckmin não é uma discussão menor. O PSDB foi, ao longo das últimas duas décadas, o principal partido de oposição ao PT. Durante boa parte do tempo, essa oposição foi leal, dentro das regras do jogo, mesmo na dureza da luta política. Desde 2014, contudo, o PSDB começou a flertar com o golpismo, primeiro embarcando na onda lavajatista, depois questionado o resultado da eleição e, no momento seguinte, assumindo a posição da “escolha difícil”, quando Bolsonaro e Haddad foram para o segundo turno.

Não é preciso ser muito inteligente para saber que o partido de FHC e Geraldo Alckmin é parte importante do fosso civilizacional que nos enfiamos. Por isso não é coisa fácil convencer os progressistas e o eleitorado fiel do PT, muito especialmente aquele que travou as lutas contra o golpe, que uma aliança com Alckmin é uma necessidade. E é claro que o dado importante não é que o Picolé de Chuchu está saindo do PSDB, porque este partido nunca sairá de Alckmin.

Mas a questão mais importante, contudo, é tentar saber o que uma chapa tendo Alckmin como vice acrescenta ao PT. Lula, ao que parece, raciocina para atrair setores do empresariado e para acalmar o mercado, que permanece reticente à virtual volta do PT ao poder. Mas esse movimento de aproximação com Alckmin, além de confirmar que Lula é obcecado por conciliação e que muitos acreditam que ele é quase um demiurgo, diz pra gente o que já sabemos: que não importa o que Lula diga, não importa o que Lula faça: as contradições entre ter um ex-operário metalúrgico à frente de um Partido dos Trabalhadores comandando o Brasil e as classes dominantes de um país, que até outro dia foi escravista, são irreconciliáveis.

Por último, mas não menos importante, tem o componente do peso eleitoral que Alckmin adiciona à candidatura de Lula, qual seja: nenhum! Alckmin não fez dois dígitos percentuais de votos na eleições de 2018, nem mesmo quando estava no poderoso PSDB. Alckmin é de São Paulo, mesmo estado de Lula, o que não ajuda a ampliar o alcance nacional. Também não vai trazer os partidos fisiológicos, que estarão com o candidato que estiver na frente das pesquisas em 2022. Para completar, Alckmin é também um homem branco, hétero, cis e conservador, que não faz nenhum aceno para a diversidade do país e nem por isso parece ser capaz de acrescentar um único voto dos tios e tias do zap que acham que a única família tradicional é a sua, porque ninguém vai pagar pra ver o ex-condenado da Lava Jato, que anda cercado de jovens rebeldes, de feministas, de negros e negras, de LGBTs e que têm relações íntimas com a CUT, os sem-terra e os sem teto, mandar no país.

Por tudo isso não tem nenhum sentido os movimentos feitos por Lula para confirmar uma chapa com Alckmin, que em nada acrescenta a sua escalada ao Palácio do Planalto, ainda mais quando parte dos países da América Latina, como o Chile, que é o exemplo mais recente, estão fazendo o caminho de volta para governos de esquerda.

Lula e o PT não podem perder a oportunidade de liderar esse processo que se apresenta como uma imensa janela de oportunidade para derrotar a extrema direita no país, ainda mais porque os desafios transcendem, e muito, a necessidade de uma vitória eleitoral. Isso porque, depois de derrotar Bolsonaro nas urnas, parece evidente que teremos que derrotar o bolsonarismo nas ruas. E isso não será feito em nome ou com a ajuda de Alckmin ou dos poucos setores das classes dominantes que eventualmente se alinhem a esse projeto. A derrota do bolsonarismo, o protofascismo brasileiro, ocorrerá em nome da gente pobre, preta, e periférica desse país; em nome dos desempregados, da juventude e dos milhões de trabalhadores cujos direitos foram dilapidados; em nome das mulheres, dos LGBTs e dessa gente toda que tem comido o pão que o diabo amassou também em função das escolhas do PT e dos vícios de conciliação que outrora puseram o empresário José de Alencar, a IURD e depois o golpista Michel Temer no governo e agora pretendem nos empurrar goela abaixo o Picolé de Chuchu como alternativa de Frente Ampla.

A discussão sobre a formação de uma chapa entre Lula e Alckmin é uma discussão estratégica. Ela define um pouco o horizonte de expectativas quanto ao país que sonhamos e que precisamos construir. Desdenhar da importância das nossas expectativas e subjetividades diante da possibilidade de um novo governo popular, é preparar as bases para maiores e ainda mais dramáticas derrotas no futuro próximo.