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Uma (nova) “hegemonia às avessas”? Um comentário sobre as aproximações entre Lula e Alckmin

Ricardo Stuckert / Divulgação

Lula e Alckmin em jantar neste domingo (19), promovido pelo grupo de advogados Prerrogativas.

Felipe Demier

Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É autor, entre outros livros, de “O Longo Bonapartismo Brasileiro: um ensaio de interpretação histórica (1930-1964)” (Mauad, 2013) e “Depois do Golpe: a dialética da democracia blindada no Brasil” (Mauad, 2017).

O pífio desempenho de Alkckim no último pleito presidencial se constituiu em uma expressão eleitoral da crise de hegemonia que aflige a burguesia brasileira nos últimos anos. Não se traduzindo, assim, em votos à porfia na candidatura de Lula, uma opção pelo nome do golpista tucano como vice-presidente diria mais sobre o que um eventual novo governo petista pretende ser do que propriamente sobre as chances de êxito no escrutínio em si.

Assim, uma aliança petisto-tucana (e Alckmin, não importa em que legenda estiver, será sempre muito mais tucano do que Dória e outros subprodutos rebeldes do bolsonarismo) parece ser uma tentativa de reconstruir a hegemonia burguesa que trouxe relativa estabilidade – enquanto que essa própria estabilidade contribuía para produzir aquela hegemonia – política ao país entre 1995 e 2013. Em uma palavra, uma chapa Lula-Alckmin terá por fito acenar com a possibilidade de recuperação dos tempos áureos da democracia blindada, como que fazendo o relógio da História retroagir ao l’âge d’ôr das instituições, quando a ala direita e esquerda do neoliberalismo davam a impressão de que poderiam se alternar no poder ad eternum, relegando para o museu da política a própria política, isto é, a própria possibilidade de transformação radical da ordem (“houve história, não há mais”).

Esta aliança dos antigos adversários nas contendas do outrora estável regime contrarreformista de 1988 não é senão um sintoma gritante de sua própria crise, da qual o bolsonarismo, que humilhou nas urnas Alckmin e a burguesia há aproximadamente três anos, é a manifestação mais cabal e letal. A contradição da coisa – e onde há coisa há contradição, e aqui vale lembrar a provocativa análise de Chico de Oliveira quando da primeira vitória de Lula, em 2002 – é que parece caber justamente ao maior líder da classe trabalhadora brasileira, atacado, odiado e aprisionado pela burguesia brasileira, o papel de, flertando com seus carrascos de ontem, tentar recuperar amanhã a hegemonia dessa própria burguesia, a despeito desta e, até o momento, mesmo contra esta, que ainda não deu sinais de que possa vir a apoiar o seu ex-detento nas próximas eleições.

Para aqueles os quais os últimos noventa anos não causam nenhum incômodo para suas fórmulas políticas, a chapa de Lula com Alckmin poderá ser apresentada como “progressiva”, posto que uma “frente popular contra o fascismo”, e as diferenças entre os direitos sociais mal ou bem ofertados por León Blum (ainda que ofertados para conter a luta dos trabalhadores) e um eventual crédito consignado para alimentar, ao mesmo tempo, a financeirizacao e a população empobrecida não serão vistos como nada além do que meros e inconvenientes detalhes do real. Já para aqueles da esquerda que consideram que a aliança com Alckmin é, pasmem, um “golpe de mestre” de Lula, já que garantiria a sua vitória, e que, depois, aí sim, convenceríamos Fausto a não ceder a Mefistófoles uma segunda vez, vale endereçar os tristes e sinceros versos de Rimbaud: “Não te matarão mais, pois já seres cadáver”.