Pular para o conteúdo
MUNDO

Eleições presidenciais francesas: Quem é a extrema-direita de Eric Zemmour?

Por Christina Ziakka, da Grécia. Tradução de Tiago Castelhano, de Semear o Futuro (Portugal)
Cartazes de rua com a foto do candidato e abaixo a frase Zemmour Président. Ele usa terno casaco preto sobre uma camisa azul clara. é um homem branco, em torno de 60 anos, calvo.

Apenas cinco meses antes das eleições presidenciais francesas [a primeira volta será em 10 de abril e a segunda em 24 de abril], o jornalista televisivo e escritor Eric Zemmour – embora não tenha partido político, nunca tendo sido eleito para nenhum cargo público nem sequer mesmo anunciado oficialmente a sua candidatura – tornou-se o centro do debate. Na verdade, é visto por muitos como o “foguete” que desafiará Emmanuel Macron, que ainda está à frente nas pesquisas, na crucial segunda volta das eleições.

Histórico das pesquisas

O seu histórico nas pesquisas é realmente impressionante. Sua possível candidatura foi testada pela primeira vez numa pesquisa do IFOP (Institut Français d’opinion publique) em junho de 2021, imediatamente após as eleições regionais e ganhou a preferência de 5,5% dos eleitores. Na pesquisa de agosto da Ipsos, 21,7% dos eleitores escolheram-no, apesar de ainda ser um hipotético candidato e não um candidato anunciado. Em setembro, em sucessivas sondagens semanais da Harris Interactive, estava a subir continuamente, de 10% na sondagem de 14 de wetembro, para 11% a 21 de setembro e para 13% a 29 de setembro. No 1º de outubro, em uma nova pesquisa da Ipsos, alcançou 15% e ficou apenas a 1% do Rassemblement National (anteriormente Frente Nacional) de Marine Le Pen. Até então, Le Pen era a única candidata à segunda volta na disputa da presidência com Emmanuel Macron.

A 6 de outubro, houve uma reviravolta nas pesquisas que permanece até hoje. Na sondagem Harris Interactive para a revista financeira Challenges, Macron estava à frente com 24% e Zemmour com 17%, empurrando Marine Le Pen para o terceiro lugar, com 15%. O mesmo quadro refletiu-se em mais duas pesquisas, a 13 de outubro e a 7 de novembro, publicadas no Le Figaro, com Zemmour a receber firmemente 17% dos votos.

Mudança de cenário

Na primavera de 2021, dificilmente se pensaria que as coisas tomariam este rumo, e julgaríamos que Marine Le Pen, do Rassemblement National, seria quem desafiaria Macron pela direita. Este é o partido que domina ideológica e eleitoralmente a extrema-direita francesa há mais de quarenta anos e que por duas vezes conseguiu chegar à segunda volta das eleições presidenciais – em 2002, liderado pelo pai, Jean-Marie Le Pen, e em 2017, liderado pela filha. Marine Le Pen aspirava estar na disputa com Macron, obtendo uma segunda oportunidade na segunda volta das eleições presidenciais de abril de 2022.

Parte dessa estratégia foi a nova tática que ela tem adotado nos últimos anos para desconectar o partido do passado fascista do seu pai. Isso é para convencer a classe dominante francesa e os capitalistas europeus de que o Rassemblement National é uma opção de governo confiável e sólida.

Mas as eleições regionais de junho marcaram um momento muito difícil para Le Pen. O Rassemblement National não ganhou nenhum dos 13 círculos eleitorais e Le Pen viu-se encurralada. Na véspera das eleições regionais, Zemmour interpretou o fracasso desastroso da seguinte forma: “Na verdade, não há mais diferença… Marine Le Pen fala como Emmanuel Macron, Emmanuel Macron fala como Marine Le Pen, eles já agem como se estivessem na segunda volta, pois para eles nada importa exceto esta segunda volta, e é claro que os eleitores recusam-se a ceder a esta chantagem.”

Após a sua reeleição como presidente no congresso do partido no início de julho, houve um aceleramento das saídas de delegados, quadros e membros eleitos.

As duras críticas às suas escolhas também encontraram lugar no espaço público. As declarações feitas no “Le Monde” pelo ex-chefe da organização provincial de Deux-Sèvres RN são reveladoras: “A lacuna está a ficar maior ao longo do tempo. Fomos proibidos de participar na ‘Manif pour tous’ [uma manifestação organizada contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o direito ao aborto, etc.]. … Marine Le Pen declarou que a ‘Grande Substituição’ é uma teoria da conspiração e que o Islã é compatível com a Constituição francesa, e que ela não se retirará do Tratado de Schengen ou da Convenção Europeia para os Direitos Humanos … Ela é uma esquerdista que cresceu numa torre e herdou o nome Le Pen. ” O caminho estava assim pavimentado para Zemmour invadir a cena política.

Desmascarando Zemmour…

Desde o lançamento de seu último livro, em setembro de 2021, “A França ainda não disse sua última palavra”, que parece um manifesto eleitoral, Zemmour tem percorrido o país ao encontro de potenciais apoiadores, mas também de manifestantes que o denunciam como fascista e racista. Embora rejeite estas alegações, as suas declarações e escritos contam outra história.

Uma mulher mostra o dedo para Zemmour, em agenda em Marselha, em novembro, onde foi recebido com protesto antirracista.

Ele descreve rotineiramente a França como um país sob a ameaça de “invasão” de imigrantes muçulmanos que visam, ostensivamente, transformá-la num estado islâmico.

Esta é uma reprodução da teoria da “Grande Substituição” do teórico de extrema direita Renaud Camus.

Em nome de evitar esta “ameaça”, Zemmour afirmou que se fosse presidente, fecharia a fronteira francesa e deportaria dois milhões de imigrantes durante os cinco anos do mandato. Também tornaria ilegal o uso público da burca das mulheres muculmanas e o batismo de crianças com nomes muçulmanos.

Delineando sua visão para o país de hoje, promete um renascimento da velha Grande França de Joana d’Arc, Napoleão e Charles de Gaulle.

A mesma linha ultra-nacionalista e imperialista perpassa as suas ideias sobre a política externa do país: denuncia o tratamento desigual de França pelo imperialismo americano (especialmente após a conclusão do acordo AUKUS); defende um reequilíbrio das relações do país com a Rússia de Putin; sugere que o país abandone a OTAN e coloque limites aos poderes extremos da direção europeia para restaurar a soberania francesa; expressa também a sua simpatia pelo primeiro-ministro nacionalista húngaro, Victor Orban, e pelo ex-presidente americano demagogo, sexista e racista, Donald Trump. As opiniões extremas de Zemmour estendem-se por todo o espectro social.

Conscientemente anti-feminista e homofóbico, ele defende o restabelecimento da pena de morte e a abolição dos limites de velocidade nas estradas nacionais.

Embora seja um judeu religioso, ele é denunciado pela comunidade judaica por anti-semitismo. Isso deve-se às suas declarações provocatórias. Só para citar algumas, questionou a inocência do capitão Alfred Dreyfus, o oficial do exército judeu acusado de espionagem pró-alemã e que acabou absolvido em 1906. Afirmou ainda que o governo do colaborador nazi Philippe Petain supostamente protegeu os judeus franceses durante a ocupação nazista.

Batalha pela hegemonia na extrema direita

Até agora Zemmour está a emergir como o favorito no confronto com a extrema direita na corrida presidencial, pelo menos nas sondagens. Até já ganhou o apoio do pai de Marine Le Pen, Jean-Marie Le Pen, 93 anos, que disse ao Le Monde: “Marine abandonou as suas posições mais fortes e Eric assumiu o seu campo… Se Eric é o candidato mais bem colocado no campo nacionalista, é claro que o apoiarei… a minha única diferença com Eric é que ele é judeu. Portanto, é difícil chamá-lo de nazi ou fascista. E isso dá-lhe mais liberdade.”

Mas isto não significa que a batalha já tenha terminado.

Pescar o voto de protesto

O combustível para o “foguete” de Zemmour não é obtido apenas no tanque da extrema direita.

Ele está igualmente a tentar pescar nas águas turvas da votação de protesto das eleições gerais, dado o atrito de Macron e os fatores agravantes da pandemia, a crise econômica e a grande raiva pelo aumento dos preços do gás, petróleo, eletricidade e produtos alimentares básicos.

De acordo com Jean-Yves Camus, chefe do Radical Politics Observatory: “O verdadeiro problema do cidadão médio francês é que chega ao fim do mês e o dinheiro é cada vez menor… Zemmour baseia toda a sua campanha num único assunto: imigração e identidade nacional… Então encontrou algo para ‘falar’ para todos os franceses. De acordo com uma sondagem recente, 61% acreditam na ‘Grande Substituição’ de Zemmour.”

E a esquerda?

A situação seria bem diferente se o vácuo à esquerda do espectro político não fosse o pior e mais profundo dos últimos anos.

Nas mesmas pesquisas que Zemmour está a varrer, os partidos que falam em nome da esquerda, tanto anticapitalistas quanto reformistas, estão literalmente ofegantes.

Nathalie Arthaud, da trotskista “Lutte Ouvrière”, alcança 0,5-1%, Philippe Poutou, do trotskista “Nouveau Parti Anticapitaliste”, também está preso nos 0,5-1%, Fabien Roussel, do “Parti Communiste Français”, não atinge mais de 1,5-2% e Jean-Luc Melanchon, de “La France Insoumise”, está nos 9-10%, apenas metade de seu resultado nas eleições presidenciais de 2017, quando obteve 19,58%!

Mesmo assim, uma cooperação eleitoral na forma da frente única feita pelos partidos acima poderia balançar o barco. Isto não significa que estas forças anticapitalistas devam “diluir” o seu próprio programa radical independente. No entanto, infelizmente, essa perspectiva não é colocada no horizonte. O momento já está maduro; afinal, o próprio Zemmour só apareceu na cena política há cinco meses. Ao contrário, se as forças de esquerda se concentrarem cada uma na sua campanha eleitoral, voltarão a ficar muito aquém das necessidades dos trabalhadores, da juventude e das camadas populares. A esquerda francesa, como tantas outras forças de esquerda em diversos países, em algum momento precisam descobrir o caminho simples, mas tão importante, da cooperação, tanto no movimento como no plano eleitoral.

*Artigo publicado originalmente em https://xekinima.org/ a 11 de Novembro, quando Eric Zemmour ainda não era oficialmente candidato presidencial. Edição EOL: Gustavo Sixel.

 

VÍDEO
Acompanhe a conversa de Valerio Arcary com Bernard, representante de Lutte Ouvriére, sobre as próximas eleições presidenciais na França, transmitida em 23/10/21.