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Quatro pontos sobre o desemprego no Brasil

Fernando Frazão / Agência Brasil

Setor de Serviços é responsável pelo aumento das vagas

Economia para os 99%

É difícil afirmar que o capitalismo deu certo vivendo em um país onde mais de um quarto da população vive abaixo da linha da pobreza. Mas se você fizer parte do “1%” mais rico por que não achar que está “tudo bem, obrigado”? Esta coluna se preocupa com temas econômicos do cotidiano: desemprego, renda, passagem de ônibus, inflação, aposentadoria e um longo etc., mas sempre na perspectiva dos 99%, afinal de contas, nenhuma análise econômica é neutra.

Eric Gil Dantas é economista do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (IBEPS) e doutor em Ciência Política. É militante da Resistência/PSOL.

O IBGE publicou no dia 30 de novembro o resultado da PNAD Contínua com os dados sobre o emprego e renda no Brasil. É o primeiro trimestre que está inteiramente dentro do período de recrudescimento dos casos e mortes no país devido à pandemia, de julho a setembro, e por isto mesmo um trimestre de “recuperação” no mercado de trabalho, principalmente por conta do setor de serviços, de maior empregabilidade no país.

Neste texto, levantaremos quatro pontos para discutir o quadro do trabalho no Brasil: (i) a taxa de desemprego em nosso país e seu tamanho diante de outras economias; (ii) o aumento de trabalhadores por conta própria; (iii) a subutilização da força de trabalho brasileira; e (iv) como a renda média vem caindo com a inflação e a crise.

1 – A taxa de desemprego no Brasil

O principal dado que mostra o efeito do maior retorno às atividades econômicas do cotidiano é a taxa de desocupação de 12,6%, inferior aos 14,9% do 1º trimestre deste ano. Apesar de ainda ser bastante alto, é o nível de desemprego no qual a economia brasileira orbita desde o final de 2016, como podemos ver no Gráfico 1.

Gráfico 1 – Taxa de desocupação no Brasil por trimestre (%)

Grafico de linha, com a taxa de desocupação, destacando os seguintes dados. 1tri/2012 - 8%, 1tri/2014 - 6,3%, 3tri2017/13,9, 1tri/2021, 14,9, 1tri/2021, 12,6%

Fonte: Pnad-Contínua/IBGE

Em termos internacionais, o Brasil tem a 8ª maior taxa de desemprego das Américas (dentre 31 países com dados disponíveis) e a 3ª maior do G-20 (20 maiores economias do mundo), perdendo apenas para a África do Sul e Espanha.

2 – Menos assalariados, mais trabalhadores por conta própria

Para além do número em si da taxa de desemprego, é importante qualificarmos o que está sendo o emprego e a renda no Brasil.

Como já se vem discutindo nos últimos anos, a proporção de trabalhadores por conta própria vem crescendo significativamente no Brasil, ao mesmo tempo a proporção de trabalhadores com carteira assinada na iniciativa privada cai. Se em 2012 apenas 22% dos trabalhadores trabalhavam por conta, esta proporção cresceu 5,4 pontos percentuais até 2021. Por outro lado, a proporção de trabalhadores da iniciativa privada caiu 3,3 pontos percentuais. O restante do aumento do trabalho por conta própria vem da diminuição dos trabalhadores domésticos e dos trabalhadores familiares auxiliares (um tipo de trabalho informal e descontínuo). Uma transferência de assalariados para trabalhadores que têm que “se virar”.

Gráfico 2 – Distribuição percentual das pessoas de 14 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, segundo a posição na ocupação do trabalho principal – Brasil – 2012-2021

Fonte: Pnad-Contínua/IBGE

A mudança no trabalhador por conta própria parece ser o dado que melhor capta o aumento da informalidade na economia brasileira, pois se considerarmos a proporção de trabalhadores sem carteira assinada na iniciativa privada (dentro da classificação no gráfico anterior “Setor Privado”), este número não mudou muito entre 2012 e 2021. Entre o 1º trimestre de 2012 e o 3º trimestre de 2021 a proporção de trabalhadores sem carteira de trabalho variou ao longo do tempo entre o mínimo de 22% e o máximo de 26%, a depender do trimestre analisado. Hoje, esta proporção é de 26%.

3 – O brasileiro não consegue trabalhar o suficiente para sobreviver

Mas mesmo as pessoas que estão empregadas não conseguem trabalhar tudo aquilo que necessitam. Um dado que mensura tal problema é a chamada “taxa composta de subutilização”. Este número é a quantidade de trabalhadores “Subocupados por insuficiência de horas” + “desocupados” + “força de trabalho potencial” dividido pela força de trabalho ampliada do país. Como podemos ver no Gráfico 3, desde 2015 este número vem aumentando, chegando ao ápice em 2020 por conta da pandemia e da crise. Mesmo em 2021 já é a 2º maior proporção de subutilização da força de trabalho brasileira desde 2012, quando o IBGE começou a disponibilizar este dado.

Gráfico 3 – Taxa composta de subutilização (trimestres de julho a setembro) Brasil – 2012 a 2021 (%)

Fonte: Pnad-Contínua/IBGE

4 – A crise e a inflação vêm diminuindo a renda do trabalhador

Trabalhar menos do que necessita e estar em trabalhos mais precários vêm afetando o rendimento médio dos trabalhadores brasileiros. O trabalhador por conta própria recebe um rendimento médio, hoje, de R$ 1.879, renda 21% inferior ao assalariado (formal ou não) – que recebe uma média de R$ 2.385. Já o rendimento médio real do trabalho principal geral (aí também incluso empregadores, setor público, etc.) é hoje de R$ 2.459. Se comparado ao mesmo trimestre do ano anterior, esse rendimento real médio caiu 11%.

No gráfico abaixo optamos por mostrar a série histórica de rendimento especificamente dos trabalhadores da iniciativa privada e de trabalhadores por conta. Para ambas as categorias, hoje o rendimento real é um dos menores da série histórica do IBGE.

Gráfico 4 – Rendimento médio real do trabalho principal, habitualmente recebido por mês, pelas pessoas de 14 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, com rendimento de trabalho (Reais)

Fonte: Pnad-Contínua/IBGE

Para além da própria crise econômica e a pandemia, esta diminuição da renda do trabalho advém também da inflação, pois o dado do IBGE se refere à renda real (ou seja, ajustada à inflação). Em setembro (último mês a que se refere estes dados da PNAD), o IPCA fechou em 10,25%. Para o mês de setembro especificamente, a inflação foi a maior desde 1994. Se a inflação subiu 10,25% a renda média do trabalho caiu 11%, quer dizer que houve uma estagnação de renda e a inflação corroeu o poder de compra da população.

Para os trabalhadores formais, o dado de reajustes salariais do DIEESE para o mês de setembro dá a tônica do que está acontecendo. Segundo a entidade, 49,4% dos reajustes entre janeiro e setembro deste ano foi abaixo do INPC. E apenas 17,1% havia sido acima da inflação.

Infelizmente a atual situação da economia brasileira e a política econômica da dupla desastrosa Bolsonaro/Guedes fazem com que o horizonte não seja nada animador. O IBGE acaba de publicar o crescimento do PIB para o 3º trimestre, uma retração de 0,1%. O PIB hoje está no mesmo nível do final de 2019 e o início de 2020, e ainda 3,4% abaixo do pico histórico (1º trimestre de 2014). O próprio mercado (a partir do Boletim Focus) já prevê um crescimento de 0,58% para o ano que vem (estagnação), inflação de 10,5% para este ano e de 5% para o ano que vem.

É urgente uma política econômica para recuperar a dignidade da classe trabalhadora brasileira, para aumentar o emprego e a renda de quem vive do seu próprio trabalho. Ou acabamos com este governo e tiramos sua trupe de lá, ou eles nos matarão de fome.