A Organização Mundial de Saúde (OMS) acaba de nomear uma nova variante do coronavírus, identificada no dia 11, como ômicron. O grupo de pesquisadores da OMS a classificou como uma “variante de preocupação”, não apenas pela capacidade mais alta de contágio mas principalmente por características que a distinguem das demais variantes, incluindo a Delta.
A variante preocupa pois apresenta 50 mutações, sendo que pelo menos 30 foram identificadas na proteína “spike”, a “chave” que o vírus usa para entrar nas células e que é o alvo da maioria das vacinas contra a Covid-19. Por isto, cientistas investigam se a variante conseguiria tornar ineficazes as atuais vacinas, principal responsável por reduzir a escalada da covid-19 no mundo. A proteína “spike” da variante é dramaticamente diferente daquela do coronavírus original, na qual os imunizantes são baseados.
A variante foi sequenciada na África do Sul e identificada em outros países da Àfrica, como Botsuana, Eswatini, Lesoto, Namíbia e Zimbábue. Casos também foram identificados na Bélgica, Israel e Hong Kong, em viajantes que estiveram em países como Egito, Malaui e África do Sul.
Países da União Europeia, como Reino Unido, Alemanha e Itália, suspenderam voos com os seis países africanos e impediram desembarque de turistas que estiveram nos países. O governo sul-africano considerou a decisão precipitada. No Brasil, a Anvisa mitiu uma nota técnica, recomendando o mesmo e a quarentena para brasileiros que tenham estado nestes locais. No final da tarde, Bolsonaro se pronunciou, negando o pedido e a proposta de exigência de passaporte sanitário para turistas, diante da alta de casos na Europa. Afirmou que irá tomar “medidas racionais”. A declaração contrasta com a do diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres que, em entrevista ao UOL, não descartou a possibilidade da presença da variante no Brasil.
Em coletiva nesta sexta-feira, 26, especialistas da OMS destacaram a gravidade, mas afirmaram que ainda se conhece pouco sobre a variante e que não é motivo para pânico. Destacaram a variante Delta, que possui uma quantidade grande de subtipos em análise. “O vírus tem muito espaço para mudar”, afirmou a médica Maria Van Kerkhove que, assim como o epidemiologista Mike Ryan fez questão de agradecer à equipe científica da África do Sul pela rapidez em sequenciar a variante e pela divulgação dos casos. “Devemos ser gratos aos colegas da África do Sul, que estão fazendo um trabalho científico excepcional”, afirmou. Ryan apelou para evitar um “clima de punição” contra os países. Ele afirmou que, para combater o vírus, é necessário ter um ambiente onde os países possam agir com transparência e divulgar os casos, sem temer punições.
Outra face do genocídio negro
A situação na África do Sul e nos demais países é de aumento alarmante do contágio. No início de novembro, o número de novos casos da covid-19 girava em torno de 100 e nesta quinta, 25, 2.500 casos foram identificados, a maioria na província (estado) de Gauteng, a mais populosa e que inclui Pretória e a capital, Johannesburgo. Especialistas apontam que 90% dos novos casos podem ser da variante ômicron, ou B.1.1.529, como inicialmente foi nomeada.
A expansão do vírus revela como a vacinação foi desigual no mundo, assumindo um caráter racista, condenando as população dos países mais pobres e na periferia do sistema a sua própria sorte. Enquanto países como os Estados Unidos adquiram vacinas em quantidade maior que a de sua população, nações pobres ainda clamam por vacina. A África do Sul tem apenas 24% de sua população totalmente imunizada, diante de 61,7% no Brasil, mesmo diante do negacionismo de Bolsonaro.
No final de outubro, enquanto vários países caminhavam para a terceira dose, o continente africano enfrentava um déficit de 275 milhões de vacinas da Covid-19 e havia imunizado 77 milhões de pessoas, apenas 6% de sua população. Nesse ritmo, apenas 6 países conseguiriam vacinar 40% de sua população até o fim do ano. Segundo especialistas, a baixa vacinação está diretamente ligada a possibilidade de surgimento de variantes da covid. Ao ignorar o continente africano, os países ricos não apenas condenaram as suas populações, como também criaram as condições para esta nova variante.
Com essa baixa vacinação, e as características da variante, estamos diante da possibilidade de uma grande tragédia nos países africanos, que deve ser motivo de toda a atenção e solidariedade mundial, para além de doações pontuais e marcadas por uma falso sentimento humanitário.
Neste momento, mesmo com a necessária suspensão da entrada de passageiros destes países, para evitar o contágio, é fundamental que se tenham medidas de apoio às populações africanas, com imediata ajuda financeira e sanitária, para que possam enfrentar a nova variante, salvar vidas e evitar graves crises sociais nestes países, diante dos efeitos na economia global, com a queda nas bolsas de valores de todo o mundo, em especial de empresas com negócios nestes países.
Ao mesmo tempo, a exigência de quebra de patentes e garantia de vacinas para todos se mostra ainda mais decisiva, para não repetir a desigualdade na primeira onda da covid, que protegeu os países mais ricos.
No Brasil, sem alarmismo, é necessário adotar as recomendações da Anvisa, manter as medidas preventivas como o uso de máscara e evitar aglomeração, e, ao mesmo tempo, ampliar a vacinação em regiões que estão distantes da meta, em especial por desigualdades socioeconômicas, e em populações vulneráveis, e ao mesmo tempo iniciar a imunização do público de 5 a 12 anos. Mais do que nunca, a presença de um negacionista como Bolsonaro à frente do governo mostrará o seu efeito cruel diante da luta pela vida, aqui e no mundo, pois a demora na vacinação e a destruição do meio ambiente tornam o país também candidato a novas variantes.
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