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BRASIL

Se não a COP, então o quê? Sobre a necessidade do ecossocialismo e do internacionalismo

Com o fim de mais um COP é reforçada a noção de que marchamos para um futuro sombrio. Em meio a uma pandemia, eventos extremos e um relatório do IPCC que apresenta o grau de perigo em que nos encontramos, os líderes mundiais gastam 14 dias para no final não apresentarem qualquer solução real. Não podemos mais esperar que negociem nossas vidas. Precisamos agir e construir, por nossas próprias forças, a solução para a emergência climática. Mas como?

Matheus Hein*, de Porto Alegre, RS
Faixa em protesto: There is no Planet B
EPA

Protesto em Londres, durante a COP 26

A percepção sobre o significado de uma crise parece ter se alterado com a nossa imersão no biênio pandêmico. Desde o início da pandemia, a principal cobrança dirigida a líderes mundiais é a de soluções rápidas e eficientes para contenção desta crise sanitária que já ceifou mais de 5 milhões de vidas. A palavra de ordem se tornou “adaptação”: acelerar processos científicos, alterar dinâmicas de trabalho, instituir novos procedimentos médicos e preparar o mundo para o “novo normal”. Sabemos que, na verdade, a ação não é orientada para a solução da crise — isto é, agir nas causas — e, sim, para a mitigação dos seus efeitos. O capitalismo é um sistema conhecido por não poder lidar com as causas como causas, já que a causa da maioria dos problemas e crises está diretamente ligada ao próprio funcionamento do sistema. Superar os problemas estruturais, significaria superar o próprio capitalismo. Ainda assim, é notável a rápida resposta — ao menos no centro do capitalismo — ao novo contexto aberto pela pandemia.

De todo modo, a pandemia é apenas um capítulo de uma crise muito maior. Autores como Rob Wallace1 e Andreas Malm2 nos apontam a conexão entre pandemias (sim, no plural) e o modo em que gerimos nossa produção de alimentos e, especialmente, sua relação com a crise climática. Neste sentido, a própria pandemia do coronavírus está ligada às extremas alterações ocorridas no contexto de emergência climática. Ano após ano se torna mais evidente o quão catastrófico é o futuro da humanidade se seguirmos marchando cegamento no atual caminho. A demanda por ações efetivas e soluções reais é urgente, exigindo não apenas uma adaptação da humanidade ao novo contexto, mas que encontre, de fato, uma solução. Entretanto, os esforços para isso são profundamente frustrantes.

A COP26 e o velho blá blá blá

Somado à pandemia, diversos países atravessaram duros períodos de eventos extremos nestes dois anos, registrando centenas de mortes e milhares de afetados por incêndios, inundações, tempestades e ondas de calor. Em conjunto com isto tudo, a divulgação da primeira parte do último relatório do IPCC aponta para uma curva ascendente de catástrofes ocasionadas pelas mudanças climáticas. Já vivemos os efeitos desta crise e, caso nada seja feito, sofreremos a cada ano com mais eventos extremos. Por esta razão, espaços como a COP são altamente aguardados, já que se propõe a ser o momento no qual planos arrojados de cooperação internacional são apresentados. De todo modo, 26 edições se passaram e o mundo queima ainda mais rápido. Por quê?

Como mencionado anteriormente, o capitalismo não pode reconhecer as causas como causas, caso contrário, seria o seu próprio fim. Com o consenso científico sobre o fator antropogênico nas mudanças climáticas, é preciso destacar exatamente o que é este fator: os interesses capitalistas em ação. Não são os humanos, em sentido genérico, que causam a mudança climática. De norte a sul do planeta, a devastação ecológica está diretamente ligada com os processos produtivos do capitalismo. A indústria fóssil, a emissão de C02 em todo o setor produtivo, o desmatamento causado pela mineração e agronegócio, a poluição dos mares e oceanos, a contaminação de corpos de água potável… tudo está relacionado com os imperativos do capital. Por consequência, um espaço de negociações que opere sob a lógica reinante do sistema só pode terminar em fracassos. A COP é, em última instância, uma mesa de negociações como qualquer outra.

Na edição deste ano fica evidente o compromisso destes encontros em encontrar caminhos para lucrar diante da atual crise. Independentemente dos claros sinais destrutivos do tempo em que vivemos, o que guia a ação é a perspectiva de acumulação privada de capital. Por conta disso, qualquer proposta ou medida só pode ser aceita se aprovada no crivo seletivo do capitalismo. O mais lógico e sensato seria submeter qualquer projeto ao parecer científico sobre o mesmo, mas estando sob o domínio do capital, tudo está submetido à lógica capitalista — mesmo que isto signifique o fim da sociedade humana como conhecemos. Apesar dos discursos sobre a responsabilidade diante dos incontestáveis fatos científicos relacionados às mudanças climáticas e a necessidade de agirmos imediatamente para evitarmos os piores cenários possíveis, não encontramos qualquer solução clara para o problema. Como ressaltou Greta Thunberg, não passa de um grande blá blá blá. Ainda mais grave, é a aposta em saídas de mercado para a crise.

Todo debate da COP26 girou em torno de velhas apostas, como o “mercado de carbono” e os “fundos de investimento verde”. A grande saída apontada pelos capitalistas é a financeirização da natureza. São medidas aplicadas a décadas que jamais demonstraram qualquer resultado palpável no combate às mudanças climáticas, se tratando apenas de um mecanismo para o lucro privado às custas da nossa própria existência. Mais do que isto, são uma forma do centro do capitalismo seguir poluindo e destruindo o planeta, elaborando novas modalidades de imperialismo e dominação das periferias do capitalismo.

Enquanto investe nessas alternativas como “possibilidade imediatas”, o capitalismo também aplica o canto da sereia em relação a possibilidades tecnológicas de solução para a crise. A geoengenharia é a panaceia favorita dos capitalistas, uma forma de curar a nossa atmosfera sem precisar alterar qualquer coisa no funcionamento da nossa sociedade. De todo modo, estamos longe de qualquer tecnologia eficiente em larga escala para o combate às mudanças climáticas e, mesmo quando as tivermos, diversos especialistas apontam para os perigosos efeitos colaterais de tais medidas. Isto é, não apenas a geoengenharia não é imediatamente aplicável, mas os efeitos dela podem somar perigos, não subtraí-los. No fim das contas, é como se a nossa casa estivesse em chamas e estivessem optando por tentar apagar com um copo d’água ao invés do extintor de incêndio. O capital e seus representantes são incapazes de oferecer uma saída real ao labirinto climático. Não faz sentido esperar que aqueles que lucram com a destruição façam algo para que ela pare. Enquanto for possível lucrar com a catástrofe, a catástrofe continuará. Isto, é claro, se largarmos o nosso futuro nas mãos dos que o colocam em risco.

Que fazer?

Tudo o que podemos fazer é assistir atônitos ao nosso mundo padecer? De forma alguma. A tarefa colocada diante de nós é extremamente desafiadora, possivelmente a mais complicada que a humanidade já teve. Temos pouco tempo, muito a mudar e inimigos poderosos que se opõem a qualquer mudança. Ainda assim, a tarefa é realizável. Mais e mais pessoas se dão conta de que a crise climática não se trata apenas de uma geleira distante derretendo, mas de que o perigo se avizinha. Todos nós já sentimos, em maior ou menor grau, os efeitos da atual emergência. A fome, a falta de água, as catástrofes “naturais”, todo o emaranhado catastrófico das mudanças climáticas está plenamente presente na nossa sociedade. O aumento desta consciência tem gerado reações, movimentos, protestos. No mundo todo uma nova geração de ativistas se joga na luta contra a crise climática, dedicando suas vidas a enfrentar o fim do mundo. São sinais positivos em um contexto negativo. Agora, precisamos avançar.

A lógica da crise climática é, por óbvio, uma lógica global. Todos os países contribuem com a crise e todos são afetados por ela — alguns, especialmente na periferia do capitalismo, mais do que os outros. Portanto, qualquer resposta deve ser dada nas mesmas proporções do que o problema. A luta contra a crise climática e o capitalismo só pode ser internacional. Não importa se é um negro ou latino nos EUA, um refugiado climático na Europa, um ribeirinho no Brasil ou um morador das quase submersas ilhas Kiribati, a nossa luta é a mesma: derrotar de uma só vez a crise climática e o sistema que a origina. Por isso, é importante termos claro quem é o sujeito desta transformação necessária: a classe trabalhadora na sua diversidade e os povos oprimidos de todo o mundo. Qualquer saída real, solução efetiva e planejamento concreto irá surgir das lutas contra a destruição do nosso futuro. Mas nada ocorre sem organização e planejamento. Precisamos agir, mas precisamos agir juntos e de forma coordenada.

Se nenhuma COP pode nos dar soluções, precisamos das nossas próprias “COPs”. Conectar lutas do sul ao norte, em campanhas que deem conta de fato do problema. Precisamos entender o fio que conecta a nossa exploração e a exploração da natureza. A única cooperação internacional que pode dar resultados é a nossa. Isto significa construir potentes articulações locais, regionais e nacionais que possibilitem avançar a luta ecológica nos nossos países, mas também encontrando pontes com movimentos ao redor do mundo. A tradição marxista vem de um longo histórico de luta internacionalista, de união da classe trabalhadora e de experiências de convergências internacionais, algo que potencializa as lutas nacionais e locais. Hoje em dia, isto é ainda mais essencial, já que no mundo altamente globalizado temos os nossos destinos intimamente conectados. Um projeto de exploração de petróleo em Uganda afeta o mundo todo. Uma mina de carvão na Alemanha afeta o mundo todo. Uma derrubada de floresta no Brasil afeta o mundo todo. A nossa luta deve afetar o mundo todo.

Por fim, precisamos de uma alternativa sistêmica ao problema sistêmico que temos. Se o capitalismo é a causa dos nossos males, o ecossocialismo precisa ser nossa solução. Uma outra forma de nos relacionarmos com a natureza, mas também enquanto sociedade, superando as amarras dos imperativos do capital e colocando as necessidades concretas da classe trabalhadora e povos oprimidos como fator central do nosso metabolismo social. Esta outra sociabilidade só pode ser alcançada com muita luta. Precisamos enfrentar os interesses ligados ao setor fóssil, ao agronegócio, à especulação imobiliária, entre tantos outros. Precisamos fortalecer nossas comunidades, criar uma outra perspectiva de mundo do trabalho, lutar por uma outra vida nas cidades e superar a lógica de separação que exclui e precariza o campo. Precisamos unir as lutas de quem está na fábrica, na roça e na floresta. Como dito anteriormente, a tarefa é extremamente desafiadora. Mas com organização, planejamento e um projeto estratégico de superação do capitalismo, é inteiramente realizável.

Organize-se. Ainda há tempo.

Notas

1  Pandemia e Agronegócio. Elefante, 2020.

2  Corona, Climate, Chronic Emergency. Verso, 2020.

 

*militante do Afronte RS.

 

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