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OPRESSÕES

Memória e resgate histórico do 20 de novembro e seus cruzamentos com ações afirmativas

Wellignton Luan Porto*, de Porto Alegre, SP

Oliveira Silveira, indicado ao título Doutor Honoris Causa pelo Movimento Negro

Alguns debates da questão racial se intensificaram nos últimos anos: o brutal assassinato de George Floyd nos EUA, a eleição da primeira bancada negra na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, o assassinato de João Alberto (Nego Beto) no Carrefour em Porto Alegre, o agravamento da insegurança alimentar que atinge diretamente a população negra, o aumento do genocídio do povo negro e indígena. Com o levante antirracista que iniciou nos EUA e que seguiram no Brasil, o Movimento Negro identificou a urgência de aprofundar e dar centralidade ao debate antirracista.

Este ano comemoramos o cinquentenário do 20 de novembro, que originou-se do Grupo Palmares com as contribuições de um dos idealizadores do grupo, Oliveira Silveira. Oliveira Ferreira da Silveira, nascido na gaúcha Rosário do Sul, no ano de 1941, faleceu em 2009 em decorrência de um câncer, graduou-se em Letras – Português e Francês pela UFRGS. Oliveira Silveira, entre outros livros, publicou Poema sobre Palmares, Banzo Saudade Negra, Pelo Escuro, Roteiro dos Tantãs, além da participação em várias antologias. 

Com isso, um questionamento sobre a emboscada dos Lanceiros Negros fez com que Oliveira se adentrasse na busca por protagonismo de mulheres e homens negros no Rio Grande do Sul em particular e no Brasil em geral. A partir disso, Oliveira teve a ideia de reunir um grupo de interessados, que tinham “insatisfação com 13 de Maio, achávamos que a comemoração, além de chapa branca, homenageava uma princesa “portuguesa” e não o povo negro. Daí percebi que era preciso encontrar uma data que fizesse justiça à luta continuada dos negros brasileiros”

Dessa forma, com a leitura de diversos livros sobre a importância do Quilombo dos Palmares, que iniciou por volta de 1595 na Serra da Barriga, Oliveira Silveira se deparou com a data que precisava: 20 de novembro de 1695 – dia e ano da morte do líder Zumbi dos Palmares. Com este importante achado histórico, Oliveira Silveira partiu para a ação. Em 1971, em plenos anos de chumbo, fundou o Grupo Palmares. “Na formação inicial estavam: eu, Ilmo da Silva, Antônio Carlos Cortes, Vilmar Nunes, Anita Leocádia Prestes Abdad e Nara Helena Medeiros Soares. Mais adiante, entraram Helena Victória dos Santos Machado e Marisa de Souza da Silva, grandes intelectuais”. O grupo se aprofundou num longo estudo a partir de personalidades negras, como do jornalista e historiador Luís Gama (1830-1882), seguido do abolicionista José do Patrocínio (1853-1905).

Desta maneira, foi realizada em 20 de novembro de 1971 uma homenagem a Zumbi dos Palmares com intenção e inflexão de exaltação da negritude, no Clube Náutico Marcílio Dias – um dos tantos clubes frequentados por negros em Porto Alegre. A data ainda não era chamada de Dia Nacional da Consciência Negra. O nome foi dado, sete anos depois, numa assembleia do Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial (MNUCRD), pelo ativista Paulo Roberto dos Santos. Nos anos que se seguiram, o desmanche do mito da democracia racial brasileira ganhou impulso e perpetua até hoje.

Com isso, militantes, ativistas, homens e mulheres, começam a assumir seus lugares nas salas de vistas. Populações de origem quilombola foram localizadas e valorizadas, organizações de mulheres negras levantaram a voz. Há muitas conquistas a serem celebradas pelo povo negro e brasileiro, por exemplo, as cotas. 

Desde o sancionamento da Lei 12.711 que prevê a reserva de 50% das vagas das universidades e institutos federais de Ensino Superior a estudantes de escolas públicas, o perfil de ingresso dos estudantes mudou drasticamente e tivemos também em âmbito acadêmico um significativo avanço em políticas de permanência estudantil, que merecem uma atenção para sua manutenção neste próximo período, além disso, alguns questionamentos se tornaram frequentes com relação à estrutura curricular dos cursos de graduação e pós-graduação na universidade, com isso, vários novos movimentos de luta se iniciam e tem o objetivo de resgatar reconhecer a memória como um campo de disputa. 

a negritude tem resgatado a história que a história não conta, com o povo negro como principal agente histórico e social do Brasil, denunciando a política de embranquecimento e o mito da democracia racial.

Portanto, a negritude tem resgatado a história que a história não conta, com o povo negro como principal agente histórico e social do Brasil, denunciando a política de embranquecimento e o mito da democracia racial. Um dos principais debates que cerca a nossa universidade é com relação ao epistemicídio que reflete no apagamento da história, cultura africana, afro-brasileira e indígena nos currículos de graduação e pós graduação em praticamente todos os cursos da UFRGS. O termo epistemicídio é um termo criado pelo sociólogo e estudioso das epistemologias do Sul Global, Boaventura de Sousa Santos, para explicar o processo de invisibilização e ocultação das contribuições culturais e sociais não assimiladas pelo ‘saber’ ocidental. 

A estimada Profa. Dra. Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva nos convida a relembrar que: “objetivo do movimento negro era propor a Educação das Relações Étnicorraciais como projeto de sociedade e não como temática de estudos. Relações são ações, não são temáticas. Enquanto tratarmos apenas como uma temática as coisas vão continuar como estão. O meio para alcançar esse projeto de sociedade é o estudo de história e cultura africana e afro-brasileira, mas esse não é o fim, o fim é a ação antirracista no cotidiano institucional”

Infelizmente, a literatura vem sofrendo, ao longo do tempo, a sua divulgação, se não inédita, perde-se nas prateleiras da vida, circulada por muitas vezes de forma restrita, em  pequenas edições ou suportes alternativos. Existe um apagamento com os modos e condições de existência dos afro-brasileiros, africanos, indígenas e quilombolas, em função do processo de miscigenação branqueadora que perpassa a trajetória desta população.

A partir disso, a indicação de título Doutor Honoris Causa ao Oliveira Silveira, proposto pelo Movimento Negro a partir do Centro de Estudantes de Letras, referendado pelo Conselho da Unidade da Letras e encaminhado ao Conselho Universitário é uma movimentação de extrema importancia pra avançarmos numa perspectiva de universidade que se comprometa com um projeto de sociedade, que seja de fato plural, democrática e antirracista. Portanto, é fundamental que toda comunidade da UFRGS conheça Oliveira Silveira e tantas outras referências negras que fazem parte do processo histórico do nosso estado.

 

*Wellignton Luan Porto é graduando em Letras/Espanhol, militante do coletivo Afronte e bolsista do NEAB.