Tese da III Internacional sobre a Questão Parlamentar

Protesto de mulheres na Revolução Russa

Introdução

Como parte de reflexões internas sobre a atuação dos marxistas no parlamento burguês, decidimos publicar no Esquerda Online este conhecido texto de 1920. 

As teses sobre a questão parlamentar foram aprovadas no II Congresso da III Internacional, discutidas no dia 02 de agosto, na oitava sessão do Congresso. Sendo um texto de 101 anos, é preciso entender seu contexto e refletir coletivamente para que ele tenha alguma utilidade nos tempos atuais. Não trabalhamos com a ideia de que existem escritos sagrados, mas sabemos que não existe política revolucionária sem teoria revolucionária, portanto o estudo de documentos como este tem enorme importância programática para que, de modo crítico, possamos refletir sobre nosso tempo. Por um lado, sentimos o peso da distância que nos separa daqueles grandes partidos revolucionários de milhares de militantes, todos com influência de massas nos seus países. Por outro lado, a leitura atenta, os detalhes das polêmicas travadas naquele tempo, o próprio formato do Congresso são muito familiares, muitas bases teóricas das teses guardam plena atualidade, pois foram confirmadas pelas experiências dos movimentos da classe trabalhadora nesses 101 anos. 

Incluímos notas e fizemos ajustes de tradução comparando com a versão original em russo para facilitar a compreensão do leitor do século XXI. 

Boa leitura!


Teses Sobre a Questão Parlamentar

Internacional Comunista
Julho de 1920

Tradutor: desconhecido.
Revisão de Tradução: Henrique Canary
Notas e Introdução: Equipe de Articulação dos Mandatos da Resistência/PSOL

I — A nova época e o novo parlamentarismo

A atitude dos partidos socialistas em relação ao parlamentarismo consistia, inicialmente, na época da I Internacional (1), em utilizar os Parlamentos burgueses para a agitação. A participação no Parlamento tinha como objetivo desenvolver a consciência de classe do proletariado na sua luta contra as classes dominantes.

Sob a influência do desenvolvimento político, e não da teoria, esta atitude foi se modificando. Em virtude do aumento contínuo das forças produtivas e do alargamento do domínio da exploração capitalista, o capitalismo e, com ele, os Estados parlamentares adquiriram uma maior estabilidade. Daí a adaptação da tática parlamentar dos partidos socialistas à ação legislativa “orgânica” nos Parlamentos burgueses e a importância cada vez maior da luta pela introdução de reformas no quadro do capitalismo, o predomínio do programa mínimo dos partidos socialistas, a transformação do programa máximo numa plataforma destinada às discussões sobre o objetivo final, longínquo. Foi sobre estas bases que se desenvolveu o carreirismo parlamentar, a corrupção, a traição aberta ou camuflada dos interesses mais elementares da classe operária.

A atitude da III Internacional em relação ao parlamentarismo não é determinada por uma nova doutrina, mas pela modificação do papel do próprio Parlamento. Na época precedente, o Parlamento enquanto instrumento do capitalismo em vias de desenvolvimento, contribuiu, num certo sentido, para o progresso histórico. Mas nas condições atuais, na época da decadência do imperialismo, o Parlamento tornou-se, ao mesmo tempo, um instrumento de mentira, de fraude, de violência e um moinho exasperante de palavras. Perante as devastações, as pilhagens, as violências, os atos de banditismo e as destruições levadas a cabo pelo imperialismo, as reformas parlamentares, desprovidas de espírito de continuidade e estabilidade, concebidas sem um plano de conjunto, perderam toda a eficácia prática para as massas trabalhadoras.

Tal como toda a sociedade burguesa, o parlamentarismo perde a sua estabilidade, a passagem do período de crescimento orgânico ao período crítico cria uma nova base à tática do proletariado no domínio parlamentar. Por isso, o partido operário russo (o Partido Bolchevique) estabeleceu as bases do parlamentarismo revolucionário desde o período precedente, porque desde 1905 a Rússia fora abalada de seu equilíbrio político e social e entrou num período de convulsões e de profundas transformações.

Quando certos socialistas inclinados para o comunismo sublinham que a hora da revolução ainda não chegou nos seus países e se recusam a romper com os oportunistas parlamentares, baseiam-se, conscientemente ou não, na perspectiva de uma estabilidade relativa e durável da sociedade imperialista pensando, por conseguinte, que uma colaboração com os Turati (2) e os Longuet (3) dará bons resultados práticos nas lutas pelas reformas.

O comunismo deve, pelo contrário, ter por ponto de partida o estudo teórico da nossa época (apogeu do capitalismo, tendência para a sua própria negação e destruição pelo imperialismo, agravamento contínuo da guerra civil, etc). O tipo de relações e dos reagrupamentos políticos pode variar consoante os países, mas a essência do problema é sempre a mesma em qualquer lado: trata-se para nós da preparação política e técnica direta da insurreição proletária, da destruição do poder de Estado burguês e do estabelecimento de um novo poder de Estado proletário.

O Parlamento não pode ser para os comunistas, atualmente, e em caso algum, o teatro de uma luta por reformas e pela melhoria das condições de vida da classe operária, como outrora. O centro de gravidade da vida política deslocou-se do Parlamento e de forma definitiva. A burguesia, por outro lado, não só por suas relações com as massas trabalhadoras e pelas relações complexas que existem no seu seio, é obrigada a fazer passar, de um ou de outro modo, algumas das suas medidas através do Parlamento, onde as diversas camarilhas disputam o poder, manifestam a sua força, as suas fraquezas e os seus compromissos, etc. 

Deste modo, a tarefa imediata da classe operária é a de arrancar esses aparelhos às classes dirigentes, aniquilá-los, destruí-los e substituí-los pelos novos órgãos do poder proletário. Ao mesmo tempo, o estado-maior da classe operária tem todo o interesse em ter nas instituições parlamentares da burguesia guias que facilitarão a sua obra de destruição.

Vê-se imediata e claramente a diferença essencial da tática dos comunistas que estão no Parlamento com objetivos revolucionários e a dos parlamentares socialistas. Estes começam por reconhecer no regime atual uma certa estabilidade e uma existência indefinida, pretendem obter reformas por todos os meios e têm interesse em que todas as conquistas das massas sejam atribuídas ao parlamentarismo socialista (Turati, Longuet, etc).

O velho parlamentarismo capitulacionista foi substituído por um parlamentarismo novo, concebido como um dos instrumentos de destruição do parlamentarismo em geral. Mas as tradições repugnantes da antiga tática parlamentar lançam certos elementos revolucionários no campo dos anti-parlamentaristas por princípio(4) (os I.W.W.(5), os sindicatos revolucionários(6), o Partido Operário Comunista da Alemanha(7)).

Tendo em conta esta situação, o II Congresso da Internacional Comunista apresenta as seguintes teses:

II — Comunismo, luta pela ditadura do proletariado e utilização dos Parlamentos burgueses.

1) O governo parlamentar tornou-se a forma “democrática” de dominação da burguesia que, em certo grau do seu desenvolvimento, necessita da ficção de uma representação popular. Aparecendo exteriormente como uma organização da “vontade do povo” , acima das classes, é, no entanto, um instrumento de coerção e de opressão nas mãos do Capital.

2) O parlamentarismo é uma forma determinada de Estado. Por isso não convém de forma nenhuma à sociedade comunista que não conhece nem classes, nem luta de classes, nem qualquer poder governamental.

3) O parlamentarismo não é também a forma do governo “proletário” no período de transição da ditadura da burguesia para a ditadura do proletariado. No momento mais agudo da luta de classes, quando esta se transforma em guerra civil, o proletariado deve, inevitavelmente, construir a sua própria organização governamental como uma organização de combate na qual os antigos representantes das classes dominantes não sejam admitidos; nesta fase, toda a ficção de vontade popular é prejudicial ao proletariado; esta não necessita da separação parlamentar dos poderes, que só lhe pode ser nefasta. A República dos Sovietes é a forma da ditadura do proletariado.

4) Os Parlamentos burgueses, que constituem uma das principais engrenagens do aparelho de Estado da burguesia, não podem ser conquistados pelo proletariado tal como o Estado burguês em geral. A tarefa do proletariado é a de fazer explodir o aparelho de Estado da burguesia, destruí-lo, incluindo as instituições parlamentares, quer as das repúblicas quer as das monarquias constitucionais.

5) O mesmo se passa com as instituições municipais da burguesia; e que é teoricamente falso opor aos órgãos de Estado. Na realidade, fazem também parte do aparelho governamental da burguesia e devem ser destruídas e substituídas pelos Sovietes locais de deputados operários.

6) O comunismo recusa-se a ver no parlamentarismo uma das formas da sociedade futura; recusa-se a ver nele a forma da ditadura de classe do proletariado; nega a possibilidade da conquista durável do parlamentarismo. Por consequência, não se pode pôr a questão da utilização das instituições do Estado burguês senão com o objetivo da sua destruição. É neste, e apenas neste sentido, que a questão deve ser encarada.

 7) Toda a luta de classes é uma luta política, pois ela é, no fim de contas, uma luta pelo poder. Qualquer greve que se estenda a todo o país torna-se uma ameaça para o Estado burguês e adquire, por isso mesmo, um caráter político. Esforçar-se por derrubar a burguesia e destruir o Estado burguês é travar uma luta política. Criar um aparelho proletário de classe, seja qual for, com vista a governar e a reprimir a resistência da burguesia, é conquistar o poder político.

8) A luta política não se reduz, portanto, apenas à questão da atitude face ao parlamentarismo. Abarca toda a luta de classes do proletariado, desde que essa luta deixe de ser local e parcial e tenha como objetivo a derrubada do regime capitalista.

9) O método fundamental da luta do proletariado contra a burguesia, quer dizer, contra o seu poder de Estado, é, em primeiro lugar, o da ação de massas. Estas últimas são organizadas e dirigidas pelas organizações de massa do proletariado (sindicatos, partidos, Sovietes) sob a direção geral do Partido Comunista, solidamente unido, disciplinado e centralizado. A guerra civil é uma guerra. Nesta guerra, o proletariado deve ter um bom corpo político de oficiais e um estado-maior político eficaz que dirija todas as operações em todos os domínios da ação.

10) A luta das massas constitui todo um sistema de ações em desenvolvimento contínuo que assume formas cada vez mais duras e conduzem, logicamente, à insurreição contra o Estado capitalista. Nesta luta de massas que se transformará em guerra civil, o partido dirigente do proletariado deve, regra geral, fortalecer todas as posições legais, ter pontos de apoio secundários da sua ação revolucionária e subordiná-los ao plano da campanha principal, quer dizer, à luta de massas.

11) A tribuna do Parlamento burguês é um desses pontos de apoio secundários. Em nenhum dos casos se pode invocar contra a ação parlamentar o fato do Parlamento ser uma instituição do Estado burguês. Com efeito, o Partido Comunista não se encontra aí para desenvolver uma atividade orgânica, mas para ajudar as massas, do interior do Parlamento, a destruir pela sua ação independente o aparelho de Estado da burguesia e o próprio Parlamento. (Exemplos: a ação de Liebknecht na Alemanha (8), a dos bolcheviques na Duma czarista (9), na Conferência Democrática (10) e no Pré-Parlamento (11) de Kerensky (12), na Assembleia Constituinte (13), nas municipalidades, por último, a ação dos comunistas búlgaros (14)).

12) Esta ação parlamentar que consiste, essencialmente, em utilizar a tribuna parlamentar para fazer a agitação revolucionária, para denunciar as manobras do adversário, para agrupar em torno de certas idéias as massas prisioneiras de ilusões democráticas e que, sobretudo nos países atrasados, voltam ainda os seus olhares para a tribuna parlamentar, esta ação deve estar totalmente subordinada aos objetivos e às tarefas da luta extraparlamentar das massas. A participação nas campanhas eleitorais e a propaganda revolucionária de cima da tribuna parlamentar têm uma importância particular para a conquista política dos setores da classe operária que, como as massas trabalhadoras rurais, permaneceram até então afastadas da vida política.

13) Os Comunistas que obtiverem a maioria nos municípios devem: 

  1. a) dirigir uma oposição revolucionária contra o poder burguês; 
  2. b) esforçar-se por ajudar, por todos os meios, as camadas mais pobres da população (medidas econômicas, criação ou tentativa da criação de uma milícia operária armada, etc.); 
  3. c) revelar em qualquer ocasião os obstáculos levantados pelo Estado burguês a todas as reformas radicais; 
  4. d) desenvolver sobre esta base uma propaganda revolucionária enérgica sem temer o conflito com o poder burguês; 
  5. e) substituir, em certas circunstâncias, as municipalidades por Sovietes de deputados operários. Toda a ação dos comunistas nas municipalidades deve integrar-se na sua atividade geral para a derrubada do Estado capitalista.

14) A campanha eleitoral deve ser conduzida não no sentido da obtenção do máximo de mandatos parlamentares, mas no sentido da mobilização das massas através das palavras de ordem da revolução proletária. A luta eleitoral não deve ser feita apenas pelos dirigentes do Partido; o conjunto dos seus membros deve tomar parte nela. Todo o movimento de massas deve ser utilizado (greves, manifestações, agitação no exército e na marinha, etc.); estabelecer-se-á com este movimento um contato estreito. Todas as organizações proletárias de massa devem ser mobilizadas para um trabalho ativo.

15) Quando estas condições, assim como as contidas em instruções particulares são cumpridas, a atividade parlamentar está em completa oposição com a repugnante politicagem dos partidos social-democratas de todos os países, cujos deputados estão no Parlamento para apoiar esta “instituição democrática” ou, no melhor dos casos, para a “conquista” . O Partido Comunista só pode admitir a utilização exclusivamente revolucionária do parlamentarismo, tal como o fizeram Karl Liebknecht (15), Hoeglund (16) e os bolcheviques (17).

16) O “anti-parlamentarismo” de princípio, concebido como a recusa absoluta e categórica em participar nas eleições e na ação parlamentar revolucionária, não é mais do que uma doutrina infantil e ingênua que não resiste à crítica. Resultando por vezes de uma sã aversão pelos politiqueiros parlamentares, não reconhece, por outro lado, a possibilidade do parlamentarismo revolucionário. Além disso, esta doutrina está muitas vezes ligada a uma concepção errada de Partido, que não é considerado a vanguarda operária organizada para a luta, de forma centralizada, mas como um sistema descentralizado de grupos mal ligados entre si.

17) Por outro lado, admitir por princípio a ação parlamentar revolucionária não implica de modo algum que se participe efetivamente em todos os casos nas eleições e em determinadas assembléias parlamentares. Isso depende de uma série de condições específicas. A saída dos comunistas do Parlamento pode ser necessária em determinados momentos. É o caso dos bolcheviques quando se retiraram do Pré-parlamento de Kerensky com a finalidade de o atacar, de o paralisar e de lhe opor brutalmente o Soviete de Petrogrado antes de tomar a direção da insurreição; quando decidiram dissolver a Constituinte, deslocando assim o centro de gravidade dos acontecimentos políticos para o III Congresso dos Sovietes. Outras vezes, impõe-se o boicote das eleições e o aniquilamento imediato pela força de todo o aparelho de Estado e da camarilha parlamentar burguesa; ou por vezes, a participação nas eleições combinada com o boicote do próprio Parlamento, etc.

18) Por consequência, reconhecendo a necessidade de participar, em regra geral, nas eleições parlamentares e nos municípios, o Partido Comunista deve decidir a questão em cada caso concreto, tendo em conta as particularidades específicas da situação. O boicote das eleições e do Parlamento, assim como a saída do Parlamento, são sobretudo hipóteses admissíveis em condições que permitam a passagem imediata à luta armada para a conquista do poder.

19) É indispensável ter sempre em conta o caráter relativamente secundário desta questão. Residindo pela conquista do poder político, conclui-se que a questão geral da ditadura do proletariado e da luta de massas por essa ditadura não pode ser posta no mesmo plano que a questão particular da utilização do parlamentarismo.

20) Eis, porque a Internacional Comunista afirma, de maneira categórica, que considera uma falta grave para com o movimento operário toda a cisão ou tentativa de cisão provocada no seio do Partido Comunista por esta questão e unicamente por esta questão. O Congresso apela para todos os partidários da luta de massas pela ditadura do proletariado, sob a direção de um partido centralizado influenciando todas as organizações de massa do proletariado, a realizar a unidade completa dos elementos comunistas, apesar das divergências quanto à utilização dos Parlamentos burgueses.

III — O parlamentarismo revolucionário

Impõe-se a adoção das seguintes medidas para garantir a efetiva aplicação de uma tática revolucionária no parlamento:

  1. O partido comunista em seu conjunto e seu Comitê Central devem estar seguros, desde o período preparatório anterior às eleições, da sinceridade e do valor comunistas dos membros do grupo parlamentar comunista. Tem o direito indiscutível de repelir todo candidato designado por uma organização se não estiver convencido de que esse candidato fará uma política verdadeiramente comunista. Os partidos comunistas devem renunciar ao velho hábito socialdemocrata de eleger exclusivamente parlamentares “experimentados” e, sobretudo, advogados. Em geral, os candidatos serão escolhidos entre os operários. Não se deve temer a designação de simples membros do partido sem grande experiência parlamentar. Os partidos comunistas devem rechaçar, com desprezo e sem piedade, os arrivistas que se aproximam com o único objetivo de entrar no parlamento. Os Comitês Centrais só devem aprovar as candidaturas de homens que durante longos anos tenham dado provas indiscutíveis de sua abnegação pela classe operária;
  2. Uma vez encerradas as eleições, é atribuição exclusiva do Comitê Central do partido comunista a organização do grupo parlamentar, esteja ou não, nesse momento, o partido na legalidade. A eleição do presidente e dos membros do secretariado do grupo parlamentar deve ser aprovada pelo Comitê Central. O Comitê Central contará no grupo parlamentar com um representante permanente que goze do direito de veto. Em todos os problemas políticos importantes, o grupo parlamentar está obrigado a solicitar as diretrizes prévias do Comitê Central. O Comitê Central tem o direito e o dever de designar ou de não aceitar os oradores do grupo que devem intervir na discussão de problemas importantes e exigir que as teses ou o texto completo de seus discursos, etc., sejam submetidos à sua aprovação. Todo candidato inscrito na lista comunista firmará um compromisso oficial de resignar ao seu mandato ante a primeira ordem do Comitê Central, a fim de que o partido tenha a possibilidade de substituí-lo;
  3. Nos países em que alguns reformistas ou semi-reformistas, isto é, simplesmente arrivistas, tenham conseguido introduzir-se no grupo parlamentar comunista (isso já aconteceu em vários países), os Comitês Centrais dos partidos comunistas deverão proceder a uma depuração radical desses grupos, inspirando-se no princípio de que um grupo parlamentar pouco numeroso, mas realmente comunista, serve muito melhor aos interesses da classe operária do que um grupo numeroso, mas carente de uma firme política comunista;
  4. Todo deputado comunista está obrigado, por uma decisão do Comitê Central, a unir o trabalho ilegal com o trabalho legal. Nos países em que os deputados comunistas se beneficiam ainda, em virtude das leis burguesas, de certa imunidade parlamentar, esta imunidade deverá servir à organização e à propaganda ilegal do partido;
  5. Os deputados comunistas estão obrigados a subordinar toda sua atividade parlamentar à ação extraparlamentar do partido. A apresentação regular de projetos de lei puramente demonstrativos concebidos não visando a sua adoção pela maioria burguesa, mas sim para a propaganda, a agitação e a organização, deve ser feita sob as indicações do partido e de seu Comitê Central;
  6. O deputado comunista está obrigado a colocar-se à cabeça das massas proletárias, na primeira fila, bem à vista, nas manifestações e nas ações revolucionárias;
  7. Os deputados comunistas estão obrigados a estabelecer por todos os meios (e sob controle do partido) relações por cartas e de outro tipo com os operários, os camponeses e os trabalhadores revolucionários de toda classe, não imitando em caso algum os deputados socialistas que se esforçam para manter com seus eleitores relações de “negócios”. Estarão sempre à disposição das organizações comunistas para o trabalho de propaganda no país.
  8. Todo deputado comunista no parlamento está obrigado a recordar que não é um “legislador” que busca uma linguagem comum com outros legisladores, mas um agitador do partido enviado para atuar junto ao inimigo para aplicar as decisões do partido. O deputado comunista é responsável, não ante a massa anônima dos eleitores, mas sim ante o partido comunista, seja este ilegal ou não.
  9. Os deputados comunistas devem utilizar no parlamento uma linguagem inteligível ao operário, ao camponês, à lavadeira, ao pastor, de maneira que o partido possa editar seus discursos em forma de folhetos e distribuí-los nos rincões mais distantes do país.
  10. Os operários comunistas devem abordar, mesmo que sejam novatos na arena parlamentar, a tribuna dos parlamentos burgueses sem temor e não ceder o lugar a oradores mais “experientes”. Caso necessário, os deputados operários devem ler simplesmente seus discursos, destinados a serem reproduzidos na imprensa e em panfletos.
  11. Os deputados comunistas estão obrigados a utilizar a tribuna parlamentar para desmascarar não somente a burguesia e seus lacaios oficiais, mas também os socialpatriotas, os reformistas, os políticos centristas e, de modo geral, os adversários do comunismo, e também para propagar amplamente as ideias da III Internacional.
  12. Os deputados comunistas, mesmo que seja só um ou dois, estão obrigados a desafiar em todas as suas atitudes o capitalismo e não esquecer nunca que só é digno de nome de comunista quem se revela não verbalmente, mas através de atos como inimigo da sociedade burguesa e de seus servidores socialpatriotas.

Aprovado em 02 de agosto de 1920

 

Notas

1 –  I Internacional: Fundada em 28 de setembro de 1864 a Associação Internacional dos Trabalhadores ficou conhecida como Primeira Internacional. Abrigou trabalhadores das mais diversas correntes ideológicas de esquerda. Ver mais em:
 https://pt.wikipedia.org/wiki/Associa%C3%A7%C3%A3o_Internacional_dos_Trabalhadores

2 – Filippo Turati (26 November 1857 – 29 March 1932) era líder da ala direita, membro da direção do Partido Socialista Italiano, PSI, que em 1920 reunia socialistas e comunistas. O Partido Comunista Italiano foi fundado um ano depois, em 1921. Segundo informe do Bukarin no II Congresso da III Internacional Turati tinha 30% do partido italiano. Interessante notar que no II Congresso o Partido Socialista Italiano estava presente. Haviam cerca de 54 representantes de partidos socialistas e social democratas, ou seja não comunistas. 

3 – Longuet era da ala direita do Partido Socialista Francês, neto de Karl Marx. 

4 – Anti-parlamentaristas por princípios eram aqueles que se recusavam a disputar eleições e participar do parlamento pelo seu caráter burguês. Ver ponto 16 desta mesma resolução. 

5 – Industrial Workers of the World —Trabalhadores Industriais do Mundo — (IWW ou os Wobblies) é um sindicato adepto da teoria sindicalista revolucionária (democracia laboral e autogestão trabalhadora), que tem sua origem nos Estados Unidos ainda que também esteja presente em outros países como Canadá, Austrália, Irlanda e no Reino Unido, e historicamente esteve também presente no Chile, no México e no Japão. Seus anos de maior notoriedade e influência vão de 1905 até 1920. 

6 – Sindicalismo revolucionário é uma corrente política e uma orientação ideológica. Seus antecedentes estão na AIT – Associação Internacional dos Trabalhadores, também conhecida como Primeira Internacional. Foram parte da ala conhecida como Internacional Autonomista formada por Bakunin após a expulsão dos anarquistas no Congresso de Haia em 1872. O sindicalismo revolucionário tem como eixo o federalismo organizacional, a ação direta como método de luta, o desprezo pela luta institucional e a independência do sindicato frente aos partidos políticos. 

7 – O Partido Operário Comunista da Alemanha é uma ruptura com o KPD ocorrida em 1920 e formada por 50.000 militantes. A proposta do KAPD era a imediata eliminação da democracia burguesa e a constituição da ditadura do proletariado baseada no modelo soviético. Também eram contra a participação no parlamento. 

8 – A ação de Liebknecht na Alemanha é reivindicada em vários textos como exemplo de parlamentarismo revolucionário: “Veja a Alemanha e as atividades da Liebknecht. O camarada assassinado era o tipo perfeito de revolucionário; então havia algo de não revolucionário no fato de que ele, da tribuna do maldito Landtag prussiano, convocou os soldados a se levantarem contra o Landtag? Pelo contrário. Também aqui vemos a total admissibilidade e utilidade da sua exploração da situação. Se Liebknecht não fosse um deputado, ele nunca teria sido capaz de realizar tal ato; seus discursos não teriam tido esse eco.” G. Zinoviev na circular do CE da IC de setembro de 1919.

9 – Os bolcheviques participaram ativamente das Dumas – Órgão legislativo promulgado pelo Czar no Manifesto de 17 de outubro de 1905. Estava integrado por cúrias (colégios eleitorais) e era de votação indireta e não proporcional. Foram convocadas quatro Dumas de Estado: I Duma (de abril a junho de 1906, quando foi dissolvida pelo Czar), II Duma (de fevereiro a junho de 1907, sendo dissolvida pelo Czar quando os deputados se negaram a caçar os 55 deputados socialdemocratas; posteriormente 35 deles foram presos e 25 condenados pelo governo); III Duma (1907 a 1912, foi uma Duma reacionária, mas contou com uma forte representação bolchevique que teve 88% dos votos da cúria operária); IV Duma (1912 a 1917). Os bolcheviques obtiveram 100% das cúrias operárias das grandes cidades. Em 1914, a fração dos deputados bolcheviques foram presos por se oporem à entrada Rússia na I Guerra. Uma fração dos deputados dessa Duma conformou o Governo Provisório depois da insurreição de Fevereiro. 

10 – Conferência Democrática: Conferência convocada em 12 de setembro de 1917 pelo Conselho Executivo Central dos Soviets, neste momento de maioria menchevique, para manter a coalizão entre este e o Governo Kerensky. Os bolcheviques participam da conferência democrática, mas a decisão é polêmica. Trotsky era pelo boicote. Lenin no texto Os erros do nosso partido publicado em 22 de setembro de 1917, apenas 10 dias depois apresenta uma opinião de balanço crítica à participação, defendendo que a tática correta teria sido o boicote. 

11 – Pré-Parlamento: Organismo surgido da Conferência Democrática realizada pelo CEC dos Soviets de toda a Rússia em meados de setembro de 1917. O Pré-parlamento foi criado frente ao atraso na convocação da Assembleia Constituinte e para manter a coalizão entre os Sovietes e o Governo Provisório de Kerensky, fortemente debilitado depois da tentativa de golpe encabeçado pelo próprio Comandante em chefe das Forças armadas, Alexandre Kornilov (1881-1918).

12 – Kerenski, Alexandre (1881-1970). Integrante da ala direita dos socialistas revolucionários (SRs) russo. Depois da revolução de fevereiro de 1917, foi ministro da Justiça, da Guerra e da Marinha e, finalmente, Chefe do governo provisório desde julho até a Revolução de Outubro. Em 1918 fugiu para o estrangeiro desenvolvendo uma campanha contra o Poder Soviético. 

13 – A Assembleia Constituinte reuniu-se no dia 18 de janeiro de 1918 por 13 horas. Os bolcheviques participaram da Assembleia, propuseram a adesão ao poder dos Soviets, a adoção da declaração de direitos do trabalhador, entre outras medidas populares, como forma tática de experiência das massas com a Constituinte. Neste momento o poder dos Soviets já estava constituído desde outubro e diante da recusa das medidas os bolcheviques dissolveram a Constituinte. Este tema foi objetivo de balanço e polêmicas táticas entre Lenin e Rosa Luxemburgo. 

14 – Comunistas búlgaros: Segundo G. Zinoviev na circular do CE da IC de setembro de 1919: “Os comunistas búlgaros utilizaram com êxito a tribuna do parlamento para fins revolucionários. Nas últimas eleições, obtiveram 47 cadeiras. Os camaradas Kirkov, Kolarov e outros líderes do movimento comunista búlgaro sabem forçar a tribuna parlamentar para servir à causa da revolução proletária. Um trabalho “parlamentar” semelhante exige uma audácia e um temperamento revolucionário excepcionais. Efetivamente, os homens estão num posto particularmente perigoso. Minam a posição do inimigo em seu próprio campo; entram no parlamento não para receber esta máquina em suas mãos, mas para ajudar as massas a fazê-la saltar desde fora.” 

15 – Karl Liebknecht (13 de agosto de 1871 – 15 de janeiro de 1919) foi um revolucionário alemão, fundou junto com Rosa Luxemburgo a Liga Spartacus em 1916. Em 15 de janeiro de 1919, após o governo moderado alemão ter colocado as cabeças dos líderes da esquerda a prêmio, Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo foram brutalmente assassinados em Berlim. Foi deputado do Reichstag, parlamento alemão, eleito em 1912 pelo SPD, como membro da ala esquerda. Denunciou as indústrias militares de estarem preparando a guerra. Ele se opôs à participação da Alemanha na Primeira Guerra Mundial, mas para não infringir a unidade do partido, ele se absteve de votar sobre os empréstimos de guerra em 4 de agosto de 1914. Em 2 de dezembro de 1914, ele foi o único membro do Reichstag a votar contra novos empréstimos, cujos partidários incluíam 110 membros de seu próprio partido. Ele continuou a ser um grande crítico da liderança social-democrata sob Karl Kautsky e sua decisão de aquiescer em ir para a guerra.

16 – Zeth Höglund (29 de abril de 1884 – 13 de agosto de 1956) foi um dirigente comunista sueco. Em 1914 foi eleito para o Riksdag, câmara baixa do parlamento na Suécia. Por sua agitação contra a primeria guerra mundial no parlamento foi preso  Foi eleito para o Comitê Executivo da Internacional em 1922, saiu em 1924 por divergências com o estalinismo. Zeth Höglund ainda se considerava a si mesmo como um comunista e, até ao dia da sua morte, sempre defendeu as ideias originais de Lenine e de Leon Trotsky. Por isso ele nunca conseguiu receber após o seu regresso nenhuma posição de liderança no Partido Social Democrata Sueco, a nível nacional. Na cidade de Estocolmo, foi, no entanto, Presidente da Câmara (finansborgarråd) entre 1940 e 1950.  

17 – Ver nota 9.

 

 

Referências:

Sobre o II Congresso da III Internacional:
https://en.wikipedia.org/wiki/2nd_World_Congress_of_the_Comintern

Lista de Delegados do II Congresso da III Internacional:
https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_delegates_of_the_2nd_Comintern_congress

Transcrição das Discussões da Oitava Sessão do II Congresso da III:
https://www.marxists.org/history/international/comintern/2nd-congress/ch08.htm

https://www.marxists.org/history/international/comintern/2nd-congress/ch08a.htm

Circular do CE da IC de setembro de 1919:
https://www.marxists.org/archive/zinoviev/works/1919/09/circular.htm